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Mico da Câmara Pereira: “Sou feliz e isso devo-o ao Alentejo”

Mico da Câmara Pereira lança novo disco, “Sou camponês (qual é o mal?)”, um trabalho artístico onde reafirma origens à nossa terra. Alexandre de Barahona (texto)

Não vai de modas, mas é um dos nomes mais sonantes da música portuguesa, graças à consistência e preferência própria de cantar para o público ao vivo. “Gosto particularmente de auditórios, porque vejo as pessoas e não descanso enquanto elas não cantarem comigo”, desabafa Mico da Câmara Pereira. De concertos noutros espaços também gosta, mas requer uma banda e estrutura mais pesada, depois “nunca cumpro o alinhamento das músicas e eles passam-se comigo (ri)”.

A comprová-lo, o facto de aos seus 38 anos de carreira ter poucos CD’s editados. “Não vivo obcecado pela edição de CD’s. Apenas editei quatro, mas cada um deles espelha muito bem uma fase importante e distinta da minha vida”, diz o autor-cantor, eborense por nascimento, dividindo no presente os seus dias entre Lisboa e Grândola. Daqui a dois anos pretende festejar as quatro décadas do seu trilho artístico com um grande espetáculo, que gostaria fosse em Évora.

São recorrentes ao longo deste tempo as referências ao Alentejo que Mico da Câmara Pereira permanentemente faz em todas as suas entrevistas, e são expressamente notórias nos trabalhos que compõe e canta. “Adoro os amigos que tenho na minha cidade, e que não revejo tantas vezes como deveria, mas estão sempre no meu coração”, refere.

Curiosamente, aos 17 anos, entrou na Tuna Académica do Liceu Nacional de Évora, e isso mudaria a sua vida. “A minha mãe tocava viola, mas tinha guardado numa caixa um bandolim que pertencera à sua professora de francês. Agarrei no instrumento e levei-o para a escola, perguntando: É com isto que se toca aqui?”.

Sim, responderam. Então pediu permissão materna e começou a aprender a forma de tocar, os segredos do instrumento. Descobriu-se assim, deste modo, que tinha particularmente ouvido e jeito (diria gosto) para a música.

Como seria natural, o 1.o de Dezembro – Dia da Restauração, tradicionalmente assinalado em diversas cidades do país, como Évora – marcou-o desde 1980, quando se estreou numa récita no Teatro Garcia de Resende, até que 11 anos volvidos em 1991, resolveu matricular-se de novo na escola, para oficialmente regressar e terminar a sua missão na Tuna (também no Garcia de Resende). Garante ter vivido “anos muito felizes, pela descoberta da música, da amizade e do amor”.

Entretanto passaram-se 40 anos… “Foi rápido demais, não sei se possuo maturidade suficiente para a idade que tenho. Os dias sucedem-se uns aos outros, e aproximam-se desfechos que são calamitosos, mas os nossos pais e avós viveram isso e souberam fazê-lo. Agora cabe-nos a nós”. O pragmatismo e a sinceridade de Mico (Domingos, é o seu nome real) sempre deixaram desarmados os seus interlocutores.

O bandolim da mãe passou-o como testemunho para o seu filho Afonso, que traja na Tuna Académica onde estuda, em Lisboa, e é deste modo que a família Câmara Pereira perdura as tradições.

O seu apelido é sobejamente conhecido no país, como será que o Mico o sente? “A família é a pedra basilar de tudo isto. Os meus pais foram extraordinários, conseguiram sustentar oito filhos e ambos trabalhavam dia e noite, em função da família”.

O cantor, que contrariado vai reaparecendo nas revistas cor-de-rosa, já teve alguns casamentos e divórcios, reconhece que a sociedade mudou muito nas últimas décadas. “As nossas cabeças hoje são mais desequilibradas (ri-se), andamos sempre à procura de algo, que por vezes são meras ilusões”, diz, fundamentando que nesse capítulo hoje, sente-se feliz.

Dos oito irmãos, entre a mais velha e o mais novo, que é ele, contam-se 14 anos de diferença. O que por vezes, na azáfama diária, os afasta. “Mas somos muito unidos. A família, e não são apenas os irmãos claro, é muito importante para mim!”. E justamente sobre os irmãos, que de quando em vez são protagonistas na comunicação social, por motivos outros que a música?

Mico da Câmara Pereira mantém a candura e frieza de análise: “Quando o Nuno e o Gonçalo decidiram intervir no espaço político, eu disse-lhes que era o pior erro que poderiam fazer”. Insistindo: “A política é para os políticos, que começaram a colar cartazes quando eram crianças e desde a adolescência aprendem a trocar favores entre eles”.

Para quem, desde jovem, não viveu nesse mundo, é difícil conseguir fazê-lo mais tarde, quando adulto. No seu entender não é bom nem mau, mas “para se ser político é preciso de ter uma estrutura mental especial, ora os meus irmãos são artistas, não são políticos”. E foram prejudicados nas suas carreiras por esse motivo? “Sim, é uma realidade, sei que foram prejudicados sim. Mas eles gostam de intervir, e estão no direito deles.” Conclui, assegurando que quando os encontra continua a dar-lhes uma opinião afastadora, quanto a esta matéria.

Apesar de viver em Lisboa há muito tempo, assegura que “nunca deixou de ser alentejano”, e atesta ao recordar que em 1998 editou o seu primeiro CD, com o tema “Noites do Alentejo”, no qual escreveu (e cantou): “Há dias em que ocorrem ideias bizarras/ quando dou por mim na noite a ouvir as cigarras/ vou para o meu pequeno quintal no Alentejo,/ e ali vejo coisas que de dia não vejo”. Um tema, aliás, por ele composto ainda durante os anos 80.

Voltando a este novo CD, agora em fase em lançamento, no tema “Sou camponês (qual é o mal?)” tem um refrão que diz: “Vem comigo ao meu quintal,/ sou camponês, qual é o mal”. Que quintal é esse? Mico da Câmara Pereira sorri (ele sorri com facilidade): “Esse quintal é sempre o mesmo, é o quintal da casa onde cresci, na Avenida Leonor Fer- nandes em Évora”.

Nunca saiu dali? De certa forma, “esse quintal traduz os valores da nossa terra, acho que nunca saí do Alentejo e as saudades são sempre imensas. São memórias emocionais, onde me refugio todos os dias quando ensaio e quando componho. Nunca me sinto sozinho com a minha música, porque ela mantém esta ligação. O silêncio, o estar solitário, é o espaço que necessito para ser feliz, e isso devo-o ao Alentejo”.

Mico da Câmara Pereira tem no seu repertório cerca de 200 músicas, da sua autoria e do cancioneiro tradicional, todas portuguesas. “Consigo estar em palco seis horas a cantar e a tocar música portuguesa”. É o que traduz a relevância de uma vida de trabalho, a consistência.

E no futuro? “O futuro a Deus pertence, mas devo continuar a fazer isto. Também, na verdade, não sei fazer mais nada”, comenta. “Toco todos os dias, um dia que não dedilhe numa guitarra, é um dia menos bom! Sem tocar guitarra, sou uma pessoa desequilibrada”.

Por fim, Mico pede-me para fazer um apelo à cidade e região que o viu nascer: “Protejam a Tuna do Liceu Nacional de Évora! É única no mundo! Os jovens que a têm mantido deveriam ser apoiados nesse intuito, para garantir a sua preservação. É a única que desde a sua centenária criação, jamais parou de tocar e cantar”. O apelo fica feito. O espírito do 1.º de Dezembro, continua aceso nele.

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