Misericórdia de Estremoz procura apoio para “salvar” Convento das Maltesas

Há 14 anos à frente da Santa Casa da Misericórdia de Estremoz, Miguel Raimundo soma obras na área social e da saúde, mas encara agora outro dos maiores desafio do mandato: travar o avanço da degradação do Convento das Maltesas. Sem apoio da Câmara, a instituição procura fundos para salvar um dos edifícios mais simbólicos da cidade. Florival Pinto (texto e fotografia)

Miguel Raimundo, o advogado que foi deputado, vereador e presidente da Assembleia Municipal em Estremoz, completa em junho 14 anos à frente dos destinos da Santa Casa da Misericórdia.

A Irmandade, que nos últimos anos tem reforçado a presença nas respostas sociais do concelho e inaugurou em março uma unidade de cuidados continuados com capacidade para 30 utentes, vê-se agora obrigada a recentrar os seus investimentos na recuperação do património, com destaque para o Convento das Maltesas, no Rossio Marquês de Pombal, uma obra em pleno centro da cidade que a Câmara não considera prioritária nos planos de investimento do Município.

Um investimento de 3,5 milhões de euros na área da saúde é dos maiores feitos no concelho de Estremoz nos últimos anos…

Sim, pelo que nos é dado constatar, parece- nos que talvez seja mesmo um dos maiores investimentos do concelho nestes últimos anos. Para além da alegria que nos traz a inauguração desta estrutura de saúde aqui na cidade, também nos satisfaz, de facto, ser um investimento vultuoso que nos permite fazer face a carências a nível da saúde da população, não só do concelho, mas também da região, que veio pela mão da Santa Casa da Misericórdia de Estremoz. É um motivo, ao mesmo tempo, de orgulho pelo trabalho que vimos desenvolvendo de uns quantos anos a esta parte. Há 14 anos, a Misericórdia estava muito vocacionada para o seu património, para a vertente patrimonial, e havia que alterar a condução dos destinos para um outro patamar, digamos assim, e esse destino era a área social. A partir daí nós delineámos alguns objetivos que, efetivamente, hoje posso dizer, foram concretizados.

Recordo que, em primeiro lugar, dotámos a Misericórdia de uma outra fonte de financiamento, quando conseguimos que nos fosse concedida uma mediação dos jogos sociais, que serviu para aumentar a nossa disponibilidade financeira para aplicar nas respostas da área social. Depois adaptámos um edifício já existente a uma residência sénior [com capacidade para 26 utentes] e, posteriormente, voltámos para à área da saúde, com a construção de raiz de uma unidade de cuidados continuados integrados (UCCI), para também termos esta nossa valência na área da saúde.

Isto, não esquecendo a outra resposta social que já dispunhamos, e que mantemos, olhando para a necessidade que a mesma reveste para fazer face à carência que também aí existe, que é uma casa-abrigo vítimas de violência doméstica, que dispõe de 17 lugares.

O investimento na UCCI foi feito com financiamento comunitário e com verbas próprias da Misericórdia…

O financiamento, como era para uma estrutura de saúde, para a obra propriamente dita, foi em 85%. Depois, para o mobiliário conseguimos obter dentro da casa dos 80%.

Isso significa que o investimento próprio da Misericórdia nesta estrutura pode ter rondado meio milhão de euros?

Sim, seguramente. Para além de pequenas coisas que nós às vezes já nem fazemos contas, ultrapassaremos seguramente esse montante.

Esta entrada nos cuidados continuados não é um risco para a saúde financeira da instituição?

É necessária uma gestão bastante rigorosa e criteriosa. De qualquer forma, temos conhecimento que as misericórdias, através da União das Misericórdias, têm vindo a sensibilizar o Estado para a necessidade de aumentar as comparticipações na área dos cuidados continuados. As negociações têm corrido bem e contamos que, ainda neste mês de abril, a União das Misericórdias celebre com o Estado um novo acordo de comparticipações financeiras pelo Estado às instituições que têm unidades de cuidados continuados. Contamos que a tabela tenha um aumento razoável para que nós possamos, efetivamente, fazer face a esta necessidade que se verifica.

Por outro lado, tivemos uma medida importante, já com este Governo, que permite, de alguma forma, aumentar a verba dos cuidados continuados e que se prende com a aquisição dos medicamentos [para os utentes internados] comparticipada pelo Serviço Nacional de Saúde, o que permite que esta verba reverta a favor da despesa criada pela estrutura.

Em termos de recursos humanos, uma dificuldade repetidamente referida, têm conseguido recrutar?

Os auxiliares de saúde têm sido mais fáceis, os enfermeiros um pouco mais difíceis, mas… temos conseguido. Temos o quadro pessoal que nos faz falta para colocar em funcionamento aquela estrutura. Mas na mão de obra do pessoal auxiliar temos que recorrer aos imigrantes. A imigração, quando feita legalmente, está a fazer falta ao nosso país. Temos duas funcionárias sudanesas, paraguaias e brasileiras.

Não há resposta da comunidade local…

Não o suficiente. Uma das dificuldades que nós enfrentamos é a falta de pessoal. Há dificuldade neste momento em recrutar recursos humanos para esta categoria profissional.

Isso porque os salários são baixos ou porque as pessoas estão menos dispostas a trabalhar neste sector?

O trabalho não é fácil nestas estruturas. Quer nos lares, quer nas unidades de cuidados continuados. E, sendo um trabalho difícil, concordo que os salários que nos é possível pagar deveriam ser superiores. Também já disse isso até a representantes sindicais das estruturas que representam os nossos funcionários. Mas só podemos pagar à medida das nossas disponibilidades. Nós temos que fazer contas às comparticipações do Estado e ao montante que conseguimos receber dos nossos utentes para fazer face aos salários. E, neste momento, não nos é possível pagar mais.

Tenho alguma experiência nesta matéria, porque faço parte do Secretariado Nacional da União das Misericórdias e tenho sob a minha alçada a contratação coletiva e as negociações com os sindicatos. E, quando estou a negociar com os sindicatos, estou a negociar com representantes dos cerca de 55 mil trabalhadores, que são o número de funcionários que trabalham nas misericórdias.

Os nossos salários, da maior parte dos nossos trabalhadores, que é pessoal auxiliar, é pouco mais que o salário mínimo. Anda ali mais uns euros que o salário mínimo. Reconheço a dificuldade do trabalho e reconheço que os salários deveriam ser mais altos. Mas, o Estado tem de aumentar as comparticipações, o que tem vindo a acontecer, para que nós consigamos fazer face a essas dificuldades e aumentar os salários. Porque, se não houver um aumento das comparticipações, não nos é possível fazer face ao aumento das despesas.

Qual custo médio por utente?

Eu posso dizer-lhe que o custo de referência que o Estado aceitou neste momento para um utente em Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas (ERPI) é de 1629 euros. Quando se assinou o primeiro acordo de cooperação com o Estado [no Governo de António Guterres], ficou no papel que o Estado tinha de comparticipar em 60% do custo de referência do utente. Os anos foram correndo, o tempo foi passando, e nós, no final do ano 39% do custo de referência. Este Governo aceitou agora ir faseadamente aumentando e chegar pelo menos aos 50%. Foi no cumprimento dessa determinação que procedeu a estes aumentos. Já estamos a receber mais do que recebíamos o ano transato na comparticipação por utente.

Portanto, e eu costumo dizer, nós não somos privados somos sector social. E por isso não nos move o lucro. Move-nos prestar o serviço às populações e quem deles precisa, com a qualidade que for possível para o efeito. No entanto, também não podemos ter prejuízo, senão a sustentabilidade financeira das instituições vai-se por aí. Ficaria satisfeito se tiver lucro zero, mas também preciso ter prejuízo zero. Se for assim, acho que a missão do sector social está cumprida. Porque presta o serviço a quem necessita, presta os cuidados a quem deles carece, mas também promove a sua sustentabilidade financeira, que é também um dos objetivos.

Mas muitas famílias continuam com pensões baixíssimas. Como é que se consegue fazer esse equilíbrio entre o custo de referência e aquilo que as famílias conseguem pagar?

Com muita dificuldade. Em determinados meios, em que os utentes vivem de reformas provenientes da sua condição de trabalhadores rurais, e que auferem pensões muito baixas, é com muito esforço. Por vezes é necessário canalizar os proventos das Misericórdias de outra natureza para fazer face a essas despesas. Porque o que nos preocupa é tratar de facto de quem necessita, dos mais carenciados ou vulneráveis da nossa sociedade.

Há uma frase que usamos, do Papa Francisco, que diz que “uma comunidade, um povo, um Estado, que não cuida dos seus idosos é um povo sem futuro porque quem não cuida das suas memórias não tem futuro”. E isso é um princípio que nós temos presente e queremos sempre que nos oriente na condução dos destinos destas instituições.

Mas apesar dessas dificuldades, a lista de espera é grande em lar de idosos…

Temos mais de uma centena de pessoas a aguardar vaga. São maioritariamente do concelho de Estremoz, mas alarga-se ao distrito. Se tivéssemos mais uma estrutura igual à dos cuidados continuados, vocacionada para lar, em dois dias estava completa.

Mas existe esse projeto?

É um projeto, mas que eu sei que é difícil, porque, neste momento, também os financiamentos para estas estruturas, neste quadro comunitário de apoio, não estão fáceis. Estão mesmo muito difíceis.

Em termos de novas valências, tem algum projeto a nível da infância e da juventude? 

Já tenho sido contactado, até quando vou na via pública, por casais mais novos a perguntar se a Misericórdia não faz uma creche. Mas foi uma situação que ainda não se equacionou devidamente.

Temos um terreno, próximo do Pólo da Universidade, e até falei isso já com o Presidente da Câmara atual, que me disse dispor a autarquia também de um outro terreno, junto às escolas. Numa conversa meramente informal acordámos equacionar a construção de uma creche pelo Município, candidatando um projeto nessa vertente nesse terreno da autarquia, junto à escola Sebastião da Gama. A Câmara construía a estrutura e a Misericórdia fazia a sua gestão. Eu encarava isso de forma positiva.

Passado algum tempo, o presidente disse-me que o projeto não podia ir por diante porque o investimento que era exigido à autarquia era demasiado e não havia disponibilidade financeira da autarquia para esse efeito. E ficámos como estávamos à partida, sem a creche e sem qualquer ideia sobre essa matéria.

O futuro próximo passa por cuidar do património da instituição…

Temos três projetos sociais neste momento e uma preocupação grande à qual achamos que temos de fazer face. Estou a falar do Convento das Maltesas, onde funciona o Centro de Ciência Viva, que está na posse da Universidade de Évora, num protocolo tripartido entre a Câmara Municipal, a Santa Casa da Misericórdia de Estremoz e a Universidade de Évora. E é ainda com base nesse protocolo que foi feito há uns 30 anos que aquela estrutura funciona. Depois evoluiu para o Centro de Ciência Viva, cuja importância reconheço, pelo movimento que tem a nível de alunos do ensino secundário e o interesse que desperta às escolas de todo o país.

Só que a estrutura em si está a carecer de uma profunda obra de conservação e a Santa Casa da Misericórdia não tem capacidade financeira por si para fazer face a essa necessidade. Necessitamos ou de apoio do Município ou de fundos comunitários para fazer face a essa carência. Foi-me dito que esta obra teria de integrar as obras a apresentar [a financiamento] pelo Município. Tive uma conversa com o presidente da Câmara sobre essa matéria, que me veio dizer posteriormente que havia outras obras municipais a que tinha que atribuir carácter prioritário, não havendo lugar para estas obras de conservação do património.

Portanto, ficámos fora do âmbito desse financiamento. Agora, ou nós conseguimos de alguma forma uma candidatura isolada a qualquer fundo comunitário ou a qualquer recurso que possa ser viável… mas estou a ver que esta situação não está fácil. De qualquer forma, digo que é o nosso principal objetivo para este mandato, a nossa determinação prioritária, atender a urgência que a obra necessita.

Há algum risco de estabilidade?

Nós temos feito ao longo dos tempos a estabilização que é possível em obras pontuais. Mas acho que estamos a chegar à altura que o problema não se resolve com obras pontuais aqui ou ali, com o arranjar um bocado de um telhado, rebocar uma parede ou especar mais um teto. O Convento, não obstante ser propriedade da Santa Casa da Misericórdia, é da cidade e é património cultural da cidade de Estremoz, na praça principal da cidade, onde constam os outros, como o Convento dos Congregados e o Convento de São Francisco. É necessária uma especial atenção antes do problema se agudizar gravemente. Portanto, a nossa atenção atual e urgente terá de se concentrar na conservação do património. Passado estes anos e passada esta condução dos destinos da Misericórdia para a área social, provavelmente vamos ter que voltar à área patrimonial por causa do Convento das Maltesas.

É um investimento grande para a instituição…

Posso dizer que a recuperação daquele edifício todo, talvez ronde os quatro milhões de euros. Mas é uma obra que se pode fazer por fases. Talvez não seja necessário esse montante para arrancar com a obra. E, consoante a disponibilidade das verbas que conseguirmos obter, poderemos correr às situações mais urgentes. Tenho o primeiro-ministro convidado para a inauguração da estrutura de saúde e vou pedir-lhe para a olhar para o convento, cujo claustro está classificado como monumento nacional. Vamos encetar todos os nossos esforços no sentido de tentar algum financiamento para esta estrutura que é propriedade da Santa Casa.

Não se sente incomodado pela Câmara não classificar este investimento como uma prioridade?

Eu sinto, mas como diz o povo, manda quem pode e obedece quem deve.

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