A exposição “Paisagem, Figura e Natureza Morta” de Pedro Cabrita Reis é composta por pinturas e esculturas de parede e está distribuída por dois núcleos expositivos que distam 17 quilómetros entre si, desde a Biblioteca Municipal de Reguengos de Monsaraz até à Igreja de Santiago, em Monsaraz. As obras expostas ligam o discurso estético ao filosófico e ao poético e tratam questões de memória e condição humana.
Na abertura da exposição, Pedro Cabrita Reis abordou as relações do poder autárquico com os artistas e a história de arte ocidental. E neste retrato, o artista sinaliza: “a arte não serve para mais nada, se não para aumentar a nossa inteligência no sentido de perceção daquilo que é a realidade, daquilo que conhecemos. A arte não é para fazer coisas bonitas, nem estas coisas, nem aquelas. É para expandir o pensamento”. Neste sentido, a iniciativa da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz é relevante porque faz circular a informação e os saberes das obras num território do interior, participa na educação da juventude, reforça a democracia e a cidadania estética dos autarcas.
A trilogia temática “Paisagem, Figura e Natureza Morta” logo sugere três momentos de mudança. A paisagem apenas aparece na história da pintura de forma autónoma no séc. XVIII. Antes os artistas não podiam pintar paisagens, porque a paisagem não tinha estatuto reconhecido para o exercício digno da pintura.
A ligação entre ciências sociais e arte permitiu a Picasso ter acesso aos estudos africanos efetuados em Londres e Paris, a partir dos quais transformou a representação humana na história de arte europeia. “Olhos no círculo, boca no círculo, cabeça no círculo, tudo o resto no círculo (…) a sua contribuição foi virar tudo isso de uma vez”, refere Pedro Cabrita Reis. Embora a natureza-morta esteja presente na Grécia Antiga e na Antiguidade Clássica, a denominação natureza-morta surge na Holanda no séc. XVII em inventários de obras de arte, sucedendo à designação natureza imóvel.
Nesta exposição de Pedro Cabrita Reis, encontramos as epistemes das paisagens ausentes e emergentes que tanto refluxo causam aos estômagos mais débeis, e as epistemes metafóricas que partiram para o auto-exílio do deserto. Em todas elas “a figura humana constitui o centro do pensamento, aquilo que é, enquanto a paisagem é a única a explicar o nosso lugar no mundo. A reflexão sobre o mundo, é o lugar do pensamento da humanidade”.
Ao entrarmos na sala de exposição da Biblioteca Municipal de Reguengos de Monsaraz vê-se ao fundo, a meio da parede, a tela “Paraíso n.º1” (2023) pintado a óleo sobre dibond em tons de negro, que revisita o informalismo ibérico e convida à reflexividade sobre a visualidade e o simulacro e está ladeada por figuras de morte. A parede à esquerda tem duas telas próximas e alinhadas, uma é um “Crânio cinzento” (2024), a outra é um “Crânio vermelho com duas laranjas” (2024). Os crânios estão pinta- dos a óleo sobre tela que nos remetem para a significação das formas.
Na parede à direita está o objeto poético “Natureza Morta X” (2024), de onde sobressai uma caveira. Na abertura da exposição houve visitantes que quando olharam para a caveira riram-se, até a caveira começar a falar da fragilidade da vida e do destino da morte, depois ficaram sérios e pensativos.
Na parte anterior da sala vemos duas “Paisagens” (série XII n.º 8 e n.º 6, 2020) de gestos da paisagem interior da ironia e da paródia plástica e mais uma outra, “Paisagens” (série XIV n.º 2, 2020) com laivos de esperança azuis e verdes. As restantes duas telas, ambas de 2025, são o perfil de si próprio, a negro e azul, nem mais nem menos.
As esculturas de parede falam da vanitas origem latina de vaidade – vanitas vanitatum et omnia vanitas/vaidade das vaidades, tudo é vaidade (“Livro de Eclesiastes”) – e propõem uma reflexão sobre a nossa passagem por este mundo. As esculturas são coletores de memórias, gavetas velhas recuperadas a que junta outros elementos, no conjunto adquirem uma ressignificação pela composição.
A Igreja de Santiago na bela Monsaraz vem da segunda metade do século XIII, pertenceu à Ordem de Santiago da Espada e à Ordem de Cristo. É neste espaço que Pedro Cabrita Reis expõe sete telas com figuras humanas da série Excluídos!, realizadas em 2023.O tecido castanho das telas, foi coberto por um fundo preto de onde flutuam figuras humanas simples ou aos pares, seres pardos que vêm de outros tempos.
Estas obras refletem uma luz mágica e indefinível, que combina o “frescor do ciano e a vibração do jade”. As telas estão montadas em cavaletes de madeira castanhos, ocupam todo o perímetro interior da igreja numa disposição que desafia a perceção das figuras pintadas.
Ao centro, no espaço do altar, está o “Filho do Arquiteto – Os Excluídos n.º 4”, que quis voar. Aprisionado ao labirinto com o pai, moldaram asas com penas e cera para escaparem. Ícaro foi alertado que o calor derreteria a cera, mas ignorou o aviso, até que o sol derreteu as asas, caiu no mar e desapareceu. Uma metáfora de ambição e tragédia que pode ser aplica à situação atual da paisagem rural e social alentejana. As restantes obras mantêm o minimalismo figurativo e a mesma linha fabulística.
O lado direito da entrada começa com uma espécie de chamamento “Ei olha! Olha – Os Excluídos n.º13”, para que se olhe o que é importante e entrar na “Conversa – Os Excluídos n.º 9”. O diálogo que se inicia após o chamamento chega à coreografia que acompanha a fala com o “Bailarino – Excluídos n.º 1”.
O lado esquerdo, mesmo à entrada, começa com um olhar intenso cheio de emoção “Olhar Fixamente – Os Excluídos n.º 8”, trocado por “Dois Amantes – Os Excluídos n.º 5”, duas pessoas apaixonadas e um “Pedinte – Excluídos n.º 3)”, logo a seguir, alguém que busca algo, ajuda, atenção ou esperança. Estas pinturas têm o ascetismo formal e o minimalismo progressivo como traço condutor, que acompanha a desumanização e esvaziamento das personagens.
A biografia do artista diz que começou com empregos na noite e um ativismo estético revoltado, depois chega ao concetualismo, usa materiais pobres, constrói castelos e hoje afirma: “O meu objetivo é ser um realista”. Nesta exposição apresenta uma proposta que chamo de realismo concetual pós-moderno, porque aprofunda as representações da realidade, desafia convenções, problematiza a construção semântica das linguagens, traduz os elementos da composição, entra pela essência dos meios de expressão e verifica as suas propriedades físicas. As obras carregam as preocupações do mundo, ao mesmo tempo são formais e poéticas, materiais e metafóricas.
Pedro Cabrita Reis é um clássico incontornável.
“Paisagem, Figura e Natureza Morta”
Pedro Cabrita Reis
Igreja de Santiago, Monsaraz
Biblioteca Municipal de Reguengos de Monsaraz
Encerra dia 5 de outubro











