Estremoz: Moradores contra degradação e abandono do Bairro de Santiago

Visita ao histórico Bairro de Santiago, em Estremoz, por entre críticas dos mo- radores à degradação do edificado e ao abandono do espaço público. Luís Godinho e Mariana Miguéns (texto)

Renato Saraiva, ainda vivia em Lisboa quando herdou a casa onde até hoje habita, no Bairro de Santiago, em pleno centro histórico de Estremoz. “Os vizinhos foram morrendo, as casas ficaram abandonadas, estão a cair, ninguém quer saber”, diz Renato Saraiva que, tal como outros moradores, lamenta não só o estado de degradação a que chegaram muitos edifícios, à semelhança do que sucede com a calçada e com os espaços públicos. “Caímos no esquecimento”.

É Renato Saraiva quem prossegue o seu relato sobre a vivência no Bairro de Santiago: “O que era isto e o que é agora… dava gosto andar pelas ruas, estavam limpas, a nossa calçada era arranjada. Esta parte da cidade foi esquecida e o número de casas abandonadas, aí por essa rua abaixo, é cada vez maior. Estremoz não é só a avenida”.

Conta o morador que no castelo, local visitado por milhares de turistas, “nem uma casa de banho existe”. Segundo refere, em tempos a Câmara tentou comprar uma casa que pertence ao Exército para suprir esta carência, mas não houve acordo quando ao preço. A zona do castelo continuou sem casa de banho pública. E o imóvel continua a degradar-se. “É mais uma casa em ruínas, esta e outras são do Estado… todos os dias por aqui passa gente, fecharam-lhe as portas e as janelas, mas nunca vi ninguém arranjar nada. Isto é mais uma vergonha, a juntar aos muitos casos idênticos que aqui existem”.

Maria José Miguéns partilha as mesmas razões de queixa: “Antigamente havia vida, a rua estava sempre cheia, havia um parque ali ao fundo da rua onde as crianças brincavam, onde as minhas sobrinhas cresceram”. E agora? – perguntamos. “Agora é só um depósito de lixo, tem ervas do nosso tamanho. Dá pena ver o sítio onde quis construir a minha casinha, a minha vida, ser destruído desta forma. Não culpo a passagem do tempo, culpo quem não quer saber. Acho que deviam pensar mais em nós, enquanto parte histórica da nossa cidade, deviam querer preservar mais estes espaços”, desabafa.

Antigamente, lembra Maria José, havia uma taberna na Rua Direita. “Mais para baixo era o estabelecimento do senhor Joaquim, depois, ainda mais para baixo, o Vinagre. Agora nem parece o mesmo, há um café e uma mercearia”.

Os proprietários da única mercearia do Bairro de Santiago, Graça e Nelson Fernandes, também demonstram grande preocupação com a degradação a que têm vindo a assistir ao longo dos anos. “É indecente andar nas ruas assim, não cortam as ervas, a calçada nunca esta arranjada, há pessoas que partem os carros nos buracos que para aí há… é uma parte da cidade todos os dias frequentada pelos turistas, deve- ria ser a melhor parte e é a pior, a que está mais esquecida. Ninguém vem ver como isto está. Olhem os balneários municipais, por exemplo, sem manutenção, sem cuidados”, critica Graça Fernandes.

Nelson também se diz indignado. “É triste ver o nosso bairro assim, sentimo-nos esquecidos porque estamos mesmo esquecidos… a nossa Rua Direita, como o nome diz, deveria ser direita ao castelo, como sempre foi, mas agora os automóveis só a podem descer. Isto não tem jeito nenhum, inventam tudo para mudar o que estava certo, mas não corrigem o que faz falta”.

E dá um exemplo, apenas um entre muitos: “A calçada em frente à loja está em terra há meses, os moradores já danificaram os carros e mesmo assim ninguém quer saber. Como este buraco, há muitos mais pela rua abaixo, e não há uma única rua no Bairro de Santiago que não tenha, pelo menos, uma casa abandonada e em ruínas”.

É UM PROBLEMA QUE SE ARRASTA

Num artigo publicado em junho no jornal “Brados do Alentejo”, Pedro Nunes Silva, do grupo CIDADE – Cidadãos pela Defesa do Património de Estremoz, alertava para o “abandono quase por completo” do histórico Bairro de Santiago, denunciava “a degradação do espaço público e também do seu imobiliário, salvo algumas exceções de reabilitação, feitas individualmente e de forma avulsa, sem qualquer plano preestabelecido” e lembrava tratar-se de uma situação “que se arrasta há bastante tempo, transversal aos vários executivos municipais”.

PRIMEIRO BAIRRO EXTRAMUROS

Estrutura urbana formada por duas zonas distintas: a “vila veLha”, zona do Castelo e Bairro de Santiago, com morfologia urbana de cariz medieval, e a “vila moderna”, mais abaixo, disposta em amplas ruas, avenidas e praças, correspondente a diversas fases de crescimento, o denominado “núcleo intramuros” da cidade de Estremoz tem origens que remontam ao século XIII, quando a povoação entrou definitivamente na posse da Coroa portuguesa, no decurso do reinado de D. Sancho I.

De acordo com informação da Património Cultural IP, “o centro polarizador foi o Castelo e, junto deste, a Igreja de Santa Maria, ramificando a partir daqui as vias essenciais do tecido urbano: a Rua do Arco de Santarém que corresponde com o Bairro de Santiago a Oeste através da Rua Direita e a Rua da Frandina, a Este, que prolonga a cidade para a ‘vila moderna’, através da Porta da Frandina”.

O Bairro de Santiago, refere a mesma entidade, foi “primeiro aglomerado urbano extramuros, de traçado medieval simples marcado pelo eixo definido pela Rua Direita, que liga a antiga Igreja de Santiago e as Portas de Santarém”, na entrada oeste do Castelo. “Os quarteirões existentes são rectangulares e organizam-se longitudinalmente em relação ao eixo predominante formado pela Rua Direita, todo o bairro vive para o seu interior, desde a época medieval essa característica se verificava, continuando ainda hoje evidente”, conclui.

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