A obra, realça a historiadora Maria de Deus Beites Manso que assina o prefácio, é “uma referência para todos aqueles que se interessam pela história da expansão, pela história das mulheres e pela compreensão das múltiplas facetas da experiência marítima”, referindo tratar-se de um “estudo minucioso sobre as mulheres que, independentemente da circunstância, navegaram nos navios portugueses”, durante aquele período cronológico.
“Uma presença tantas vezes invisibilizada”, sobre a qual a autora “questiona narrativas estabelecidas e oferece uma perspetiva renovada sobre as dinâmicas do género no contexto marítimo da época”, salienta.
A historiadora assinala que este livro, “mais do que um contributo para a expansão marítima portuguesa”, é “um exemplo de como o estudo da História pode e deve ser um exercício de inclusão, alargando os horizontes da investigação para integrar aqueles que, durante demasiado tempo, foram silenciados”.
A presença feminina nas embarcações era diminuta em termos proporcionais, mas “o menor número de referências não indica, necessariamente, que a sua presença não fosse habitual”, acrescenta Maria Beites Manso, garantindo que “a documentação assinala várias vezes que o embarque feminino era um fenómeno comum, sobretudo as queixas de padres pintando um cenário caótico e de pura devassidão, pelo elevado número de mulheres a bordo”.
As passageiras “tanto [eram] europeias como africanas, americanas e asiáticas”, “numa escala hierárquica que variava desde escravizadas a senhoras honradas” que viajavam voluntária e involuntariamente.
Os motivos pelos quais embarcavam eram diversos, “destacando-se o interesse económico, a missão e conduta cristãs, o impulso sexual, o degredo, a instrumentalização política, resgates, métodos de preservação do núcleo familiar e estratégias de colonização e povoamento”. África era o destino “menos desejado” pelas mulheres embarcadas, “sendo América e Ásia os continentes para onde mais commumente viajavam”.
Quanto a mulheres não europeias são “registados vários casos que apontam para circulação e deslocação de elevadas somas de mulheres dentro da rede imperial portuguesa, nomeadamente no continente asiático”.
Referindo-se ao convívio em alto-mar entre géneros, Mariana Caldeira Gonçalves afirma que “os quadros mentais vigentes em Portugal eram transpostos, de modo geral, para o microcosmo em que consistia o navio”, sendo este “o reflexo da sociedade no reino, embora com níveis de ‘intensidade’ flutuantes e, por vezes, dicotómicos”. Todavia as imposições e diretrizes da legislação portuguesa “faziam-se sentir a bordo”.
“A hierarquia da embarcação encontrava-se bem estabelecida e devia ser absolutamente respeitada”, semelhante ao que se passava no território continental.
Beites Manso refere que a autora “demonstra um domínio das fontes e uma capacidade analítica” que tornam esta investigação especialmente relevante: “A leitura cuidadosa dos relatos de viagem e registos administrativos [por parte da autora] permite-lhe explorar as dinâmicas de poder, as tensões a bordo e as estratégias de sobrevivência feminina em ambientes predominantemente masculinos”.
Mariana Caldeira Gonçalves nasceu em Lagos, em 2000, é mestre em História, pela Universidade de Évora, com a especialização em História Social, investigadora na área da história da mulher.
A obra “Mulheres a Bordo!” será apresentada no próximo dia 19, às 16h00, na Biblioteca Municipal Júlio Dantas, em Lagos, com a presença da autora.