Nuno Mourinha: “A lei do medo”

A opinião de Nuno Mourinha, arqueólogo e diretor do "Brados do Alentejo"

No coração do Parlamento, o habitual murmúrio democrático foi substituído por um silêncio denso, quase palpável. Apenas a voz de André Ventura rompeu o vazio, declamando nomes de crianças – vidas reais transformadas em peões de uma estratégia de medo. Naquele instante, deputados e cidadãos enfrentaram um dilema inescapável: até onde estamos dispostos a sacrificar os nossos valores em nome da pressa legislativa?

Ventura não se ficou pelo simbolismo. Ao invocar menores no debate sobre a revisão da lei da imigração e nacionalidade, converteu o hemiciclo num palco de manipulação emocional, onde discursos alarmistas abafaram o juízo e a equidade. Num gesto inesperado, anunciou um princípio de entendimento com Luís Montenegro, líder do PSD, para acelerar o processo antes do recesso – um acordo tácito que revela uma direita disposta a legislar nas sombras da controvérsia, negando à sociedade o espaço vital para refletir.

Paralelamente, o Governo endurece drasticamente os requisitos de entrada e naturalização: permanência limitada, rendimentos exigidos acima do salário mínimo e retroactividade em certos critérios.

Dados da AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo mostram uma queda de 25% nos pedidos de naturalização em 2024 face a 2023, e uma redução de 18% nas renovações de vistos. Não são meros números, mas vidas suspensas num limbo burocrático, num Portugal que se afasta dos valores constitucionais que Jorge Miranda qua- lificou de “inadmissíveis” e inconstitucionais.

Este não é um debate técnico isolado. Está em jogo a dignidade humana, o direito à igualdade e o futuro de Portugal como terra de acolhimento. Relembremos Martin Niemöller, pastor luterano alemão que testemunhou o horror nazi: “Primeiro levaram os comunistas, e eu calei-me, porque não era comunista. Depois levaram os sociais-democra- tas, e eu calei-me, porque não era social-democrata. Depois levaram os sindicalistas, e eu não protestei, porque não era sindicalista. Depois levaram os judeus, e eu não protestei, porque não era judeu. Quando vieram buscar-me, já não havia quem protestasse.”

Esta advertência, proferida em 1946, alerta para o perigo da apatia voluntária. O silêncio de hoje é a semente da tirania de amanhã.

Mas há alternativa: a coragem cívica. Exija aos seus representantes audições públicas imediatas sobre a lei da imigração e nacionalidade. Participe nas petições online que circulam na sociedade civil. Não basta não ser imigrante; basta ser humano para perceber que a erosão dos direitos de uns precede a de todos.

O Parlamento não pode ser cúmplice desta investida contra os direitos fundamentais. A democracia exige mais do que palavras vazias e pactos obscuros: requer transparência, debate aberto e respeito absoluto pela Constituição. Portugal, terra de histórias plurais e portas sempre abertas, não pode trair a sua herança por medo ou pressa.

Este é o momento decisivo. Cada ci- dadão, cada deputado, deve escolher entre a indiferença e a ação, entre o silêncio e a voz. Na democracia, cada silêncio é uma semente de esquecimento. E o esquecimento, cedo ou tarde, faz germinar a injustiça.

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