Na Quinta das Sete Quinas, os animais reuniram-se sob o carvalho centenário, símbolo da liberdade conquistada. O Velho Javali, outrora senhor dos estábulos, definhava no chiqueiro. Os seus seguidores dispersavam-se, o cordeiro balia sem eco, e o touro teimoso arava sulcos antigos. O cavalo, de crina desgrenhada, levantou-se. “Reergueremos os muros!”, relinchou.
As galinhas cacarejaram, os cabritos bateram cascos. A seu lado, uma raposa de focinho afiado sussurrava aos ouvidos dos animais mais balofos: “Menos palha nas gamelas, mais brilho nos celeiros”. Um Lobo Cinzento surgiu, seguido por 58 crias. “Fora com os pássaros de asas sujas!”, rosnou.
Os cavalos velhos, que puxaram arados durante décadas, recuaram para os cantos sombrios. As ovelhas, confusas, tropeçavam em versos esquecidos de um hino que já ninguém sabia decifrar. Nas cocheiras, os animais murmuravam. As galinhas reclamavam o preço do milho, os cavalos discutiam desemprego, as ovelhas lembravam pastagens prometidas.
Três colheitas, três assembleias. O ciclo envenenava a quinta. O Cavalo equilibrava-se sobre tábuas podres, a Matilha roía as fundações do celeiro, e as Ovelhas Sem Pas- tor mugiam canções de um tempo que já não existia.
Um burro sábio resmungou: “A tirania não tem focinho nem garras. É uma doença que salta de pele em pele”. Até a abelha-mestra, indiferente em tempos, descera da colmeia para observar o tumulto.
“Que circo de sombras”, zumbiu, vendo os porcos derrotados sussurrarem novas promessas junto das gamelas vazias. Ninguém sabe quantos sóis durará este capítulo. O Cavalo poderá pactuar com a raposa de focinho afiado, ou talvez aprenda a uivar para sobreviver. O Velho Javali, entretanto, já treina um sucessor – mais jovem, mais ágil, igualmente hábil em escavar sob os muros.
Epílogo: Os animais reuniram-se novamente sob o carvalho. Um porco derrotado, esgueirando-se pela multidão, ouviu sussurrar: “Dizem que este conto foi escrito por um porco como tu…”. “Talvez. Mas quem aqui não conta histórias para mascarar a verdade?”, respondeu.
E assim, a roda continuou a girar, eternamente, na quinta das Sete Quinas.