Nuno Mourinha: “Meu querido mês de agosto”

A opinião de Nuno Mourinha, arqueólogo e diretor do "Brados do Alentejo"

Quando deixámos de ter direito a aproveitar aquilo que o nosso pequeno retângulo à beira-mar plantado tem de melhor? E até quando vai durar esta cegueira de governantes e empresários, que só vêm cifrões à frente e nos empurram para fora do palco, tal figurantes num filme de baixo orçamento? 

Agora que os dias começam a encolher (ao contrário das contas bancárias que só crescem, embora para o lado errado), e os miúdos voltam à escola com aquela alegria (fingida ou não, só eles sabem) de reencontrar amigos e perder a noção do tempo nos intervalos, nós, adultos, fazemos contas à vida. E que contas, caríssimos! Os dados da Pordata não deixam mentir: no ano passado, 38,9% dos portugueses não tinham capacidade para pagar uma semanita de férias fora de casa. 

Este ano, continuação de bom tempo! Se o objetivo fosse ir para o Algarve a carteira teria de estar mais recheada que o peru de Natal. Um aumento de 5 a 10% nos preços, dizem eles, mas com ocupações a rondar os 90%, graças aos nossos amigos estrangeiros que, claramente, nunca ouviram falar da palavra “austeridade”. Até a tradicional bola de Berlim começa a ser tão cara que já vem com uma prestação para pagar a crédito. 

Se pensam que o Douro nos salva, desenganem-se: uma noite por lá, em hotéis de três ou quatro estrelas, custa tanto como uma viagem de ida e volta à Lua. Já os de cinco estrelas, bem, esses orçamentos de cinco dígitos só para dormir e tomar o pequeno-almoço são, no mínimo, uma forma disfarçada de dizer “vá de retro, Satanás”. 

Enquanto isso, muitos de nós ficaram-se pelo turismo “caseiro” – leia-se: sofá, varanda ou, na melhor das hipóteses, casa de um amigo que tem uma piscina insuflável. E, enquanto espreitamos as redes sociais (e as revistas cor de rosa), somos bombardeados com fotos de Richard Gere nos Açores, Max Verstappen e Lando Norris na Comporta e até da princesa Eugenie a passear, como quem diz “Portugal é um paraíso… para quem pode”. É de fazer qualquer um tor- nar-se monárquico, só para ver se nos calha uma viagem de luxo a um canto qualquer. 

Os hotéis enchem-se de turistas, os preços sobem, e nós, “nativos”, passamos a ser apenas os figurantes de um espetáculo que não pedimos para protagonizar. Parece que o nosso país está cada vez mais projetado para ser um resort de luxo (para inglês ver). 

A realidade é que quase 40% de nós não consegue pagar uma semana de férias (em 52 possíveis). Num país que se gaba de ser moderno e desenvolvido, isto devia preo- cupar-nos a todos. Não é que devêssemos querer viver à grande e à francesa (embora, confesso, não era má ideia), mas porque é um sintoma de que algo está errado. 

Portanto, se algum dia os turistas resolverem saltar para outras paragens mais baratas ou mais na moda, não estranhem se os portugueses já tiverem desistido de aproveitar as maravilhas que por cá temos. Afinal, como diz o ditado, “em terra de cego, quem tem olho é rei”. Mas, por cá, parece que até os cegos andam com óculos escuros Gucci, para não verem a realidade. 

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