“O Alentejo é um dos grandes dínamos do desenvolvimento do país”

Porto de Sines, agroindústria, aeronáutica e tecnologia colocam o Alentejo entre as regiões mais dinâmicas do país. Mas o envelhecimento, a quebra populacional e a falta de coesão interna travam o seu potencial. Em entrevista, António Costa Silva, professor universitário, autor do plano de recuperação económica do país e ex-ministro da Economia, critica o imobilismo regional, apela à ação conjunta e afirma: “Os alentejanos têm o futuro nas suas mãos”. Francisca Lapa (entrevista)

Como é que caracteriza o estado da economia do Alentejo? Quais os principais bloqueios estruturais?

Antes de falar dos bloqueios, vejo tudo aquilo que de positivo se está a passar com a economia do Alentejo. É um dos grandes dínamos do desenvolvimento económico do país. Quando o primeiro-ministro [António Costa], em 2020, me pediu para fazer a visão estratégica [para o Plano de Recuperação e Resiliência], chamei a atenção para os grandes ativos que o Alentejo tem. Repare, o Produto Interno Bruto (PIB) do Alentejo já passou os 15 mil milhões de euros, é a quarta região do país com maior PIB. E tem crescido, ano após ano, em todos os domínios e todos os indicadores. Quando olhamos para o PIB per capita, que é o rendimento por pessoa, o Alentejo está na terceira posição. E, portanto, é conveniente os próprios alentejanos considerarem esta perspetiva, porque todas as alavancas estão nas mãos do Alentejo e também do Governo central para se enfrentar o futuro. Quais são os grandes problemas do Alentejo? A resposta é simples: temos vários ‘Alentejos’.

Quer explicar?

O principal problema é que os vários ‘Alentejos’, muitas vezes, não falam uns com os outros, não trabalham uns com os outros. E é cada vez mais importante trabalhar em conjunto. Porquê? Porque estamos a atravessar um período, com todas as infraestruturas que estão criadas no Alentejo para ligar o litoral, o Porto de Sines, que é um dos grandes ativos da região, através do corredor logístico que vai atravessar o Alentejo e ligar a Espanha, com o projeto da alta velocidade ferroviária, com outras ligações por comboio e com as ligações rodoviárias. E tivemos o cuidado de pôr no PRR as missing links, as ligações rodoviárias que faltavam e que, espero, sejam todas executadas. Quando olhamos para esta grande transformação, en- contramos, do ponto de vista estratégico, âncoras que são fundamentais.

A começar pelo Porto de Sines, claro.

Em primeiro lugar, através do Alentejo-Litoral, onde está o Porto de Sines, um dos nossos maiores ativos. Há uma agenda mobilizadora para a digitalização dos portos que está a ser conduzida pelo Porto de Sines, com esse grande objetivo de transformar os portos não só em sistemas logísticos, comerciais, mas também em hubs digitais, tecnológicos e industriais. Conseguimos atrair, também a Sines, a ligação e amarração de cabos submarinos. Nesta altura, Sines está ligada a Fortaleza, no Brasil, através do cabo de fibra ótica EllaLink, estará ligado à cidade do Cabo, na África do Sul, a 11.700 quilómetros, através do Equiano, a África e Ásia através do cabo Medusa e, atenção, a Google, está a instalar um cabo que sai dos Estados Unidos-Bahamas e vai para Sines. O que é que isto dá? Conseguimos, no Governo anterior, atrair grandes investimentos internacionais, sobretudo de empresas americanas e britânicas, para criar centros de tratamento de dados em Sines, com ativos muito importantes. Isto vai trazer tecnologia, inteligência artificial, coisas que são fundamentais para depois fazer a fertilização cruzada com o resto do tecido produtivo do Alentejo. Não nos podendo esquecer que estamos a instalar na região um grande cluster da indústria aeronáutica…

A começar por Ponte de Sor?

Ponte de Sor, Évora e Beja. O Aeropor- to de Beja é outra das grandes infraestruturas que o Alentejo tem e, portanto, este polígono entre Ponte de Sor, Évora e Beja é fundamental para desenvolvermos toda a indústria aeronáutica. Já conseguimos atrair, empresas como Embraer [atual Aernnova Aerospace] e outras, olhe a Mecachrome, instalada em Évora, que está a fabricar componentes avançados para a indústria aeronáutica. Depois, em Ponte de Sor, estão instaladas outras empresas, desde logo a Tekever, na componente dos drones, entre outras empresas de engenharia aeronáutica – uma delas está a construir a primeira aeronave com tecnologia e engenharia portuguesa [a Aircraft and Maintenance, já objeto de reportagem na Alentejo Ilustrado]. Isto dá muito valor ao Alentejo. E depois, outras coisas que são fundamentais têm a ver com toda a estrutura do sector agrícola, do sector primário.

Que tem mudado muito nos últimos anos. Como vê essas mudanças?
A agricultura portuguesa está em grande transformação e as valências, aí no Alentejo, são extraordinárias, pois 30% da atividade agrícola do país está sediada na região. O Alentejo tem as grandes empresas agrícolas e da agroindústria, que são referências. Porquê? Porque a produtividade nessas empresas é mais elevada que no resto do país e, portanto, elas têm trazido tecnologia, estão já a trabalhar em áreas como a agricultura de precisão, as fazendas digitais, e um dos grandes exemplos é o azeite. O azeite e a revolução no sector olivícola nacional têm grande contribuição do Alentejo, da tecnologia das empresas, dos investimentos. Há 20 anos produzíamos 30 mil toneladas de azeite, em 20 anos essa produção aumentou cinco vezes e é o melhor azeite do mundo. O que nos falta aqui será o marketing.

Uma agricultura sustentável?
A agricultura tem de ser sustentada e sustentável. Isto tem de ser feito com a natureza, não contra a natureza. E é por isso que, também no âmbito do PRR, há uma das grandes agendas inovadoras que é conduzida pela Ascenza, também presente na região, um grupo do sector agroindustrial que está a trabalhar em fileiras para a proteção dos solos, com desenvolvimento de produtos fitofarmacêuticos, biológicos ou híbridos e a desenvolver uma nova geração de nutrientes baseada em produtos biológicos, os chamados biofertilizantes. Tudo isto está a passar-se no Alentejo de hoje.

Falta, portanto, o tal diálogo entre os vários ‘Alentejos’?
O que é necessário é que todas as regiões do Alentejo trabalhem em conjunto, sobretudo a Universidade de Évora e os Politécnicos de Beja e de Portalegre…. há centros de inovação que estão a ser criados e o Parque Industrial e Tecnológico de Évora é um dos exemplos disso. Já agora, outro aspeto também muito relevante é que o Alentejo será das regiões que vai capitalizar com a localização do novo Aeroporto de Lisboa, havendo grande hipótese de o Alentejo, nos próximos anos, desenvolver ainda mais o seu PIB e criar riqueza.

Bom, mas temos os tais bloqueios estruturais, com que comecei a entrevista. Um eles será o demográfico.

Sim, temos grandes constrangimentos e entraves, sendo que a questão demográfica, no Alentejo, é muito importante. Ainda recentemente foram divulgados dados que demonstram, outra vez, uma quebra populacional em todas as regiões do Alentejo, em 2024, à exceção do Litoral, onde o número de habitantes aumentou 0,84%. Em todas as outras áreas a população diminuiu e, portanto, um dos grandes objetivos é trabalhamos em várias dimensões para atacar a crise demográfica, porque sem pessoas não conseguimos desenvolver a economia. E há regiões no Alentejo em que o envelhecimento está a acontecer a um nível muito, muito elevado. Por exemplo, o Município do Gavião tem mais de 500 idosos por cada 100 jovens, muito acima da média nacional. Mértola, provavelmente, é outro concelho em que isto acontece. Há necessidade de trabalhar em várias dimensões para fixar residentes. A agricultura, e sobretudo a nova geração de jovens agricultores, pode ser muito importante para atrair pessoas. As tecnologias de inovação e comunicação, que têm em Évora e também em Beja grandes centros de inovação, também podem ser muito importantes. Há todo um conjunto de projetos que é relevante. E, depois, há a questão da imigração.

Muito presente no discurso político!

Ao contrário do discurso que é hoje dominante em Portugal, e que é uma tristeza, porque precisamos é cada vez mais de imigrantes para serem integrados no tecido produtivo nacional, porque a população portuguesa está em retração demográfica… ao contrário desse discurso, se não há imigrantes, não há progresso, não vai haver desenvolvimento da economia. Se falar com qualquer empresário no Alentejo, tal como no resto do país, a primeira questão que coloca é exatamente a necessidade de atrair pessoas e reforçar a força de trabalho. A questão da demografia é um dos grandes entraves que existe. A baixa densidade populacional numa região como o Alentejo significa a existência de muito espaço, não é? O Alentejo é provavelmente a região do país com mais espaço disponível. Ora, para atrairmos essas indústrias, precisa- mos de espaço, mas também de mão-de-obra.

Como explica o facto de o Alentejo ser considerada uma das regiões mais pobres da União Europeia, apesar de décadas de fundos comunitários?

Mas, repare, depende do que se está a falar… se for ver o rendimento por habitante, o Alentejo tem o terceiro PIB per capita mais elevado do país, no caso do Alentejo Litoral é apenas superado pela Área Metropolitana de Lisboa. Não se esqueça que temos atraído, nos últimos anos, muito investimento industrial para toda a região. Agora, isso ainda não está na perceção das pessoas. Os indicadores contrariam radicalmente essa ideia, segundo a qual o Alentejo é a região mais pobre do país. É evidente que tem municípios em que a pobreza é grande, e não podemos ignorar isso, mas é preciso contrariar esses paradigmas instituídos. Mais do que nos lamentarmos, deveremos agarrar em todos os ativos existentes, desenvolver estes grandes projetos, e ter atenção às parcerias tecnológicas que estão a ser estabelecidas com várias companhias internacionais. Não se esqueça que o Alentejo é das zonas do país em que há mais presença de capital estrangeiro e de grandes companhias internacionais que estão a vir, não só no sector da economia dos dados, da petroquímica, das energias renováveis, também da aeronáutica e das tecnologias de informação. O desafio é integrar tudo isso no desenvolvimento económico da região e lutar para atrair ainda mais investimento e solidificar e consolidar esta transformação.

E para isso é preciso o envolvimento não só dos decisores nacionais, também dos locais?

Absolutamente, é isso que acho. É que o Alentejo não pode ser passivo em termos de es- perar que as coisas aconteçam. Tem de ser alta- mente interventivo, ler bem toda a situação que existe, identificar estas transformações. Há três grandes questões que nós temos para desenvol- ver uma região e mudar a economia. Uma tem a ver com a geoeconomia e com os ativos existentes. O que é que acontece? O Alentejo tem hoje, do ponto de vista da geoeconomia, não só o Porto Sines, não só o cluster aeronáutico, mas também o eixo dos mármores de Estremoz, Borba e Vila Viçosa, o eixo industrial do cobre e zinco de Neves Corvo. Repare que não há nenhum país que se desenvolva hoje sem estes recursos. Tem estas grandes infraestruturas, tem a Barragem do Alqueva que mudou o destino da agricultura no Alentejo e da agricultura portuguesa. O que precisamos é ter culturas agrícolas cada vez mais sustentáveis, mas elas estão a criar riqueza como nunca. O azeite é um caso absolutamente emblemático a esse respeito. Depois, a segunda questão, prende-se com a tecnologia.

Onde também há melhorias?

Estamos a conseguir atrair para o Alentejo tecnologias, algumas de ponta. Já falei dos cabos submarinos, e há estudos segundo os quais um terço do crescimento da economia mundial nas próximas décadas vai vir da economia dos dados e dos centros de dados. Quando atraímos estes centros, há também as tecnologias de inteligência artificial, de processamento dos dados. E essas tecnologias podem ser usadas noutras áreas. É por isso que os centros de inovação que estão em Évora e em Beja, das tecnologias de informação e comunicação, são obviamente decisivas. E, depois, o Alentejo está a protagonizar também a mudança da matriz energética por- tuguesa com maior investimento nas energias renováveis, sobretudo fotovoltaicas. A energia solar é hoje muito competitiva. Em 2024, 71% da eletricidade que consumimos no país proveio de fontes renováveis.

Ouvem-se na região muitas críticas à centralização de Lisboa. Partilha essa visão?

Mais do que as queixas, é preciso lutar contra aquilo que existe materializado a isso. Falou do centralismo de Lisboa, estou-lhe a dizer que o Alentejo Litoral é a segunda área do país que tem maior PIB per capita, isto é, que mais riqueza cria por habitante. Os alentejanos não estão no fim da escala e a lamuria constante, ou o ficar à espera que as coisas aconteçam… não aceito isso. Nós temos o futuro nas nossas mãos, os alentejanos têm o futuro nas suas mãos, ao nível da CCDR, ao nível das autarquias, ao nível das ações empresariais. O que precisamos é catapultar ainda mais tudo aquilo que existe e ver os desenvolvimentos que podemos fazer.

Fotografias: Mário Cruz e João Bica/Lusa

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