“O Alentejo Litoral poderá ser um dos grandes destinos europeus”

A nova estratégia da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo prevê que número de camas turísticas passe de 29 mil para 70 mil nos próximos 10 anos. Mesmo com esse crescimento, o presidente da Entidade Regional, José Manuel Santos, rejeita a existência de um “problema de massificação” no eixo entre Tróia e Melides. Ana Luísa Delgado (texto) e Cabrita Nascimento (fotografia)

No horizonte da nova estratégia para o turismo na região está a duplicação do número de camas. Isso irá mesmo suceder?

A expressão mais significativa desse crescimento será no Alentejo e muito assente em dois grandes polos, o do litoral alentejano e o de Alqueva. É uma previsão face àquilo que são camas já licenciadas e projetos ainda ao nível do pedido de informação prévia. Provavelmente acontecerá que daqui a 10 anos algumas destas camas não estarão construídas ou não estarão em operação comercial, ao contrário de outros projetos que à data não estão previstos.

É portanto uma previsão?

Uma previsão que nos dá uma escala muito clara daquilo que é hoje a capacidade e a vontade de investir no Alentejo. No momento em que estamos a pensar nos grandes desafios para o desenvolvimento do turismo na região, ela dá-nos uma dimensão dos desafios que temos pela frente, daquilo que vão ser as necessidades ao nível da formação, da capacidade de promover a região, ao nível da internacionalização do destino, dado que obviamente serão muitos mercados internacionais que vão depois pagar estes investimentos. É um ponto de partida importante numa altura em que se começa a discutir como é que o país e o Alentejo se devem organizar nos próximos 10 anos.

A nível dos serviços, o sector afirma-se quase como uma “monocultura”…

Não tenho essa ideia, não acho que o turismo seja uma “monocultura”. Aliás, o turismo é a indústria do país. O turismo tem sido a indústria que tem recuperado o país, que tem ajudado a projetar a imagem de um Portugal moderno, dinâmico. A força do turismo é a força de outros sectores. Nunca poderei concordar com a afirmação de que o turismo é uma “monocultura”, pois tem a capacidade de se desmultiplicar em outros segmentos da nossa atividade económica. Quando estamos num restaurante ou quando estamos num hotel e olhamos em volta, vemos uma cadeira, uma cama, um cortinado, um candeeiro, um tapete… tudo isso são inputs que vêm de outras indústrias da nossa economia. Felizmente temos conceitos hoteleiros em Portugal que cada vez mais procuram trabalhar com a produção nacional e com muitos produtos até da própria região. O turismo tem esta capacidade de projetar toda a economia.

Mas têm havido alertas sobre o abrandamento da procura turística em Portugal. Tantas camas em projeto não pode representar um risco para o sector?

Bom, habituámo-nos a crescer a dois dígitos. A cada ano que passa vamos batendo recordes e provavelmente este ano iremos novamente bater mais recordes. Eu não atribuo grande importância a essa questão, devo confessar, mas o certo é que nós, no ano passado, tivemos o melhor ano turístico de sempre e este ano continuamos a crescer. Nos primeiros oito meses deste ano crescemos cerca de 5% face ao melhor resultado de sempre. Há um abrandamento, é verdade… eu preferia chamar-lhe um ajustamento, uma estabilização dos níveis de procura turística. E repare que o Alentejo tem esta capacidade de nos surpreender. No passado mês de agosto ainda conseguimos ser a região que mais cresceu no mercado nacional. O Alentejo foi a região turística do país que mais cresceu na procura de portugueses. O turismo tem resistido a todos os choques, a todas as dificuldades. É um sector que tem uma grande capacidade de recuperação. E contrariamente a outros, é um sector que mais facilmente faz um mix de mercados. Por exemplo, na indústria do calçado, ou na automóvel, se há um ou dois mercados que entram em crise, essas indústrias têm uma grande dificuldade de substituir mercados. Não é o caso do turismo. Se nós temos uma dificuldade com um determinado mercado, mais facilmente fazemos o redirecionamento e promovemos a região em outros mercados internacionais.

E o turismo tem essa capacidade?

Tem que ter essa capacidade de adaptação. Aliás, a concorrência internacional é cada vez mais feroz. Temos alguns mercados tradicionais europeus que apresentam menos dinâmica, como o francês, que tem vindo a perder espaço. E há outros mercados emergentes, aos quais não prestávamos muita atenção, e que hoje são muito interessantes. Os mercados do México ou da Argentina, por exemplo, que são países onde existe uma camada de população com grande poder aquisitivo e com muita vontade de viajar e de conhecer a Europa. Temos de estar cada vez mais atentos às dinâmicas dos mercados para irmos colocando o nosso esforço promocional onde de facto existe capacidade aquisitiva, vontade e rotas aéreas. Sem rotas aéreas não há turismo.

A propósito do aumento da oferta, a Câmara de Grândola diz que com a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) quer reduzir o número de camas turísticas previstas, mas se somarmos as já programadas e aprovadas chegaremos a quase 30 mil. As contas são de uma associação local. O risco da perda de identidade não é evidente?

Bem, eu creio que não será esse o número de camas. Esteve em discussão pública a proposta de revisão do PDM em que a Câmara propõe, precisamente, reduzir o número de camas turísticas. Por um lado, criando uma zona de contenção na faixa litoral, redirecionando a capacidade de instalação de novas unidades para as zonas do interior. Isso poderá causar, nomeadamente do ponto de vista de quem já tinha um direito adquirido, com alguns pedidos de informação prévia, algumas dificuldades, mas, no essencial, a preocupação da Câmara é evitar a massificação. Porque, repare, nós não temos um problema de massificação naquela zona. A maior parte das pessoas que enchem as praias da Comporta são, por exemplo, de Évora. A Comporta tem, neste momento, seis ou sete hotéis, mais os de Tróia. A preocupação da Câmara foi evitar que, a prazo, de facto, pos- samos ali ter um destino massificado.

E isso ainda não sucede?

Estamos numa fase de crescimento turístico daquele eixo entre Tróia e Melides, em que, de facto, o destino tem uma imagem muito atrativa, por força da qualidade dos seus recursos naturais. A preservação ambiental daquela zona fez com que os investidores nacionais e internacionais quisessem investir e temos ali um padrão de investimento de grande qualidade. Acho que o Alentejo Litoral tem todas as condições para se poder transformar num dos grandes destinos turísticos europeus. Claro que isso implica uma gestão integrada de um território, porque um território turístico não passa apenas pela capacidade e pelo dinamismo dos investidores privados. Tem de haver ali uma resposta do lado público muito forte e muito significativa. A grande dificuldade e o grande desafio é que, de facto, a resposta do lado público não tem acompanhado a dinâmica do investimento privado.

A que se somam problemas específicos…

…. problemas transversais à sociedade portuguesa. Por exemplo, o da falta de habitação não é só um problema do litoral alentejano, é um problema que se torna mais visível por força dos investimentos que estão a ser realizados e da necessidade que os hoteleiros têm de alojar os seus trabalhadores. Eu diria que esta revisão do PDM de Grândola, que tem alguns aspectos com os quais não concordo, vai na direção correta, que é a de proteger e garantir que as condições de preservação ambiental daquele território se mantenham intactas e que, portanto, o desenvolvimento turístico que ali vai acontecer seja um desenvolvimento turístico controlado, até porque já estão muitas camas aprovadas e que vão entrar em obra. Claro que qualquer território em que o turismo se vai assumindo como uma atividade predominante levanta dificuldades em termos daquilo que referiu, que tem a ver com a preservação da identidade ou da autenticidade local. Isso é um desafio para as entidades de turismo, mas é mais um desafio para os municípios. Esse risco existe, de perda de autenticidade, mas é para isso que temos que trabalhar. Pensemos, por exemplo, no Carvalhal.

Em que perspetiva?

O Carvalhal, que era uma aldeia pacata até há uns 20 anos, é hoje um dos sítios turísticos mais procurados do país e mesmo de muitos segmentos do mercado europeu. E começa a ter um padrão de lojas de luxo que nem pensávamos ser possível no Alentejo. Mas é possível olhar para o Carvalhal de uma outra forma. Isso tem muito a ver com ações que os municípios podem ter. Os municípios podem exercer direitos de preferência, por vezes, sobre algumas habitações, alguns edifícios. Há tantos exemplos, por essa Europa fora, de iniciativas dos governos locais para se montarem distritos culturais, para se criarem incentivos para que pequenos e médios comerciantes possam montar os seus negócios, para criar redes de artesãos, para criar festivais gastronómicos, para tentar equilibrar essa dinâmica turística que, de facto, por vezes, ganha uma escala e uma dimensão que nós não imaginaríamos e que é positiva para o território. Não estou a dizer isto em tom crítico.

Positiva em que perspetiva?

Acho que é positiva para o território porque o território precisa de serviços, precisa de âncoras, e o comércio é uma âncora, mas temos de equilibrar para que os territórios não percam a sua matriz identitária, a sua cultura tradicional. O desafio é criar um equilíbrio e isso implica a ação das entidades públicas, em cooperação com os privados que também estão interessados nisso. Nenhum hoteleiro ou nenhum promotor empresa-rial está interessado em transformar o local onde tem o seu hotel ou a localidade mais próxima num sítio artificial. Ninguém está interessado nisso, até porque a cultura é um vetor decisivo na oferta turística. Portanto, os investidores estão tão interessados quanto as comunidades locais, como as associações, como as câmaras, em que os territórios sejam vivos, autênticos. Isso também acontece em Lisboa… como é que as autoridades locais podem salvaguardar essa identidade, o que im- plica inteligência na gestão do território, competências técnicas, capacidade de montar projetos arrojados, dinâmicos, grande capacidade de nos articularmos com o meio, com a comunidade, mas também com os promotores empresariais. Esta- mos numa fase em que as respostas públicas têm de ser muito diferentes do que têm sido até agora.

E há essa capacidade naquele território?

Se houver essa capacidade creio que teremos, daqui a 10 anos, no Alentejo Litoral, um turismo muito direcionado para um segmento de mercado de alto poder aquisitivo, muito internacional, um turismo muito exigente, mas teremos também condições de preservação ambiental e temos que ter condições para que as pessoas que lá residem, e outras que se instalem, possam criar os seus negócios, vender os seus produtos, integrar-se. Um destino turístico é um ecossistema variado e dinâmico. Quando vamos às ilhas gregas não encontramos só luxo, encontramos uma multiplicidade de segmentos de oferta para quase todo o tipo de turistas. É muito importante replicar essa dinâmica na zona que referiu, na Comporta, sem prejudicar a qualidade da oferta do destino.

Disse que não concorda com alguns aspectos da proposta de revisão do PDM de Grândola. Quer concretizar?

Há um aspecto muito claro que é a proibição dos atuais hotéis rurais não poderem crescer em novos equipamentos e serviços. Nós temos ali três ou quatro unidades hoteleiras que têm sido o sustentáculo daquele território e que esta proposta de revisão do PDM não autoriza que sejam construídos mais equipamentos. No negócio hoteleiro vai-se criando valor em função das tendências do mercado. Imagine que é necessário criar uma “clínica de ténis”, ou dois ou três campos de padel, então o hoteleiro vai investir nesses equipamentos para atrair oferta e para se manter competitivo no mercado. Essa revisão do PDM cria muitas dificuldades à competitividade dos projetos. Sou completamente contrário a isso.

Uma das suas apostas foram os roteiros para potenciar o investimento em concelhos com menor oferta. Pergunto-lhe se já há resultados concretos?

Cerca de 60% da nossa procura está concentrada em 11, 12 concelhos. Claro que a vocação dos concelhos não é homogénea, mas de um modo geral o Alentejo e o Ribatejo são territórios com vocação turística e nós queremos criar fatores de oferta em concelhos que não têm oferta turística e aqui refiro-me muito a alojamento. Não consigo fixar visitantes num território que não tem camas. Escolhemos cinco municípios, três no Alentejo (Avis, Campo Maior e Portalegre) e dois no Ribatejo (Santarém e Alpiarça) onde a oferta turística tem crescido, mas menos do que a média da região. Entregámos aos municípios as nossas propostas, cinco imóveis por cada uma. Isto é, obviamente, o resultado de um trabalho de grande cooperação e de articulação com os municípios, que desenvolvemos com a equipa de consultores com que trabalhámos. E temos previsto realizar, no mês de novembro, a apresentação dos resultados a um leque de investidores.

Como é que este processo irá decorrer?

Apresentámos aos municípios as nossas propostas, os municípios vão comentar, pedir alterações, e depois de 20 de novembro iremos apresentar os resultados a um painel de promotores e investidores, em Lisboa. A partir daí os municípios, com os potenciais investidores, irão gerir o processo. A Entidade Regional de Turismo cumpriu a sua função, deu valor acrescentado às câmaras, pôs em contacto a oferta e a procura e sai. Espero que no próximo ano possamos continuar, até porque há mais municípios interessados em entrar nos roteiros de investimento. É uma ação criativa, um bocadinho fora da caixa, mas que está a ser muito bem recebida e estou muito expectante… vamos ver como é que os empresários vão reagir ao nosso convite e como é que as câmaras vão conseguiu, ou não, que esses projetos se concretizem.

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