O poeta Sebastião da Gama e as suas vivências no concelho de Estremoz

A ligação de Sebastião da Gama (1924/1952) a Estremoz seguiu um caminho de intensidade crescente, numa simpatia mútua e na construção de uma rede de afectos. João Reis Ribeiro* (texto)

Em Abril de 2006, o visitante estava no Museu de Arte Sacra de Estremoz e, no final do percurso, perguntou a uma senhora qual o trajecto para chegar ao Largo do Espírito Santo. Com ela, estava uma outra senhora que logo opinou: “Mas o senhor quer ver o Largo? Aquilo não tem nada de jeito, só montes de carros estacionados…” O visitante justificou que gostava de lá ir para ver a casa onde vivera Sebastião da Gama.

“Mas conheceu-o?”, quis logo saber a senhora. Que não, que não o tinha conhecido, pois, quando nasceu, já Sebastião da Gama falecera havia meia dúzia de anos. “Mas eu conheci-o… Ainda o estou a ver. Com a boina, livros debaixo do braço, a sorrir, flores na mão, com a sua Joaninha…” E os olhos da senhora sentiam o prazer da memória, riam, viviam, poetavam o momento de recuo no tempo… e lá acabou por indicar o itinerário para o Largo do Espírito Santo.

Impressionado com este efeito avassalador da memória, em que parecia que a senhora tinha visto Sebastião da Gama no dia anterior – quando, na verdade, já tinham passado 54 anos sobre a sua partida -, lá se encaminhou o viajante para o Largo, com uma história para contar.

Por isso, quando, dias depois, recordei este momento com Joana Luísa, mulher de Sebastião da Gama, ela sorriu enternecida e comoveu-se, lembrando vários alunos e diversas pessoas que conheceu em Estremoz no curto tempo de oito meses que lá viveu. Cheguei, pois, ao Largo do Espírito Santo. E lá estava a casa, lápide na parede, em cenário que, mesmo com os automóveis estacionados a esmo, evocou a fotografia de 1953, protagonizada por vasto grupo de estremocenses que assinalou a colocação da lápide, gesto intenso de culto da memória.

“Batei à minha porta, Irmãos,/ entrai,/ que eu tenho Amor para vos dar”, reza a inscrição, conjunto de três versos saídos do poema “A meus irmãos”, escrito na Arrábida em 30 de Agosto de 1944 e publicado no primeiro livro, “Serra-Mãe”, no ano seguinte. E, depois, o registo para a memória: “Sebastião da Gama viveu nesta casa de 11-5-1951 a 5-2-1952”.

Sebastião da Gama tinha 26 anos em 9 de Outubro de 1950, quando foi colocado na Escola Industrial e Comercial de Estremoz (actual Escola Secundária Rainha Santa Isabel), sendo seu director Irondino Teixeira de Aguilar, professor e autor de manuais escolares. Acabado o estágio e realizados os exames da parte pedagógica, Estremoz passou a ser o espaço de Sebastião da Gama, repartido com a Arrábida e com as lembranças de Lisboa, terra onde fez amigos, compôs poemas, leccionou, terra que deu a conhecer nas suas descobertas que partilhou em crónicas jornalísticas, se- meando, talvez, alguns dos mais interessantes textos que sobre a vida da cidade se escreveram.

Chegado à Escola, Sebastião da Gama teve intenção de dar continuidade ao “Diário” que compusera nos dois anos lectivos anteriores. No entanto, poucas páginas nos legou, talvez por falta de tempo, como nos confessa no registo do dia 11 — “Está claro que não pode este diário ter a exacta feição dos dois primeiros volumes. Pôr aqui todas as aulas? Era preciso que eu fosse um professor extraordinário; o professor que eles quase pensam que sou. Pois se eu estou atrapalhado!… Não sei por onde, não sei como começar. Ou me está a faltar a genica ou me está a faltar a imaginação. O diário vai então servir, como há dois anos em Setúbal, para guardar o melhor do que me for acontecendo. E já não há-de ser pouco, que não tenho apenas, como em Lisboa, uma turmazinha.”

Os registos diarísticos acabarão por respeitar apenas os primeiros 10 dias, com observações que mais nos vão dizendo sobre o conhecimento que vai tendo dos novos alunos: o Francisco Graça, que “vem de bicicleta, todos os dias, de a 10 quilómetros de Estremoz”; a Luciana, “uma carinha de riso”, em quem “até as tranças riem”; o Mário, que “trouxe flores de Vila Viçosa” e vários outros… enfim, alunos de diversas idades e ciclos, que o levarão a escrever, ainda no dia 10, sobre uma turma: “Gente boa. Gente minha. Não há rapazes maus. Vou gostar destes e destas seis raparigas.” E sobre outra, numa apreciação global: “São uma porção de rapazes e cinco raparigas que vêm para aqui, parece-me, com a ansiedade de rapazinhos. Mas eu, sinto-o com tristeza, vou ficar muito aquém das suas esperanças. Delicados. Estremoz é boa terra. Ou então é defeito meu.”

Dos 27 poemas que Sebastião da Gama escreveu entre a sua chegada ao Alentejo e o falecimento, apenas oito têm como registo de local de escrita o es- paço de Estremoz, o que não admira com a quantidade de trabalho que tinha, com a saúde precária (que o levou a algumas temporadas na Arrábida), com a preparação em curso de “Campo Aberto” (saído em Janeiro de 1951) e com os preparativos do casamento (que ocorreu em Maio de 1951).

O mais antigo poema aqui escrito, “Janelas de Estremoz”, datado de 21 de Janeiro de 1951, dedicado ao amigo António Bento (figura que Sebastião apresenta em carta dirigida à ainda noiva, Joana Luísa, dizendo ser “um rapaz de Nisa de quem já sou amigo e com quem falo, o meu maior companheiro”), resulta do seu olhar e vaguear pela cidade, espantado por não ver rostos, por assistir a um desfile de janelas cerradas, situação que o levará a um desabafo em carta para a namorada nesse Janeiro de 1951: “Ouve: fiz os primeiros versos. Sofri-os. Sofro-os desde o princípio — e já tinham estado quase a acontecer. Sabes lá o que é, para um homem da nossa terra, ver dezenas de janelas, centenas de janelas, fechadas! Pois aqui é assim. Até as madeiras. Até, por vezes, as gelosias”.

Desejoso de se ligar ao local e às suas gentes, Sebastião da Gama rapidamente enceta colaboração no jornal “Brados do Alentejo”, aí tendo a sua primeira publicação em 28 de Janeiro de 1951 com o poema “A Companheira”, seguindo-se-lhe “Janelas de Estremoz” na edição de 4 de Fevereiro, duas semanas depois de ter sido escrito.

O jornal estremocense teria ainda mais três textos do jovem professor, crónicas intituladas “Entre quem é!” (na edição de 11 de Março de 1951), “Sábado em Estremoz” (saída em 22 de Julho de 1951) e “Encarcerar a asa” (publicada em 3 de Fevereiro de 1952). Esta última prosa, um gesto de louvor à vida através de um episódio em que é protagonista uma idosa que protesta por ver um pintassilgo ao frio dentro de uma gaiola, foi o último texto que Sebastião da Gama escreveu, datado de 25 de Janeiro de 1952 e publicado quatro dias antes do seu falecimento.

A cidade que o recebeu foi ainda o espaço para uma série de crónicas vindas a lume no “Jornal do Barreiro” (seis, no total), colaboração que Sebastião da Gama assim apresentou a Hipácio Dias Alves, director do jornal, em carta de 7 de Fevereiro de 1951: “pequena crónica em que diga da vida da cidade, no que ela possa interessar-me”.

Resultam, pois, estas crónicas de um olhar de recém-chegado, ávido de entender e conhecer o meio no que ele tem de mais genuíno e participado, aspecto que não passou ao lado do “Brados do Alentejo”, que não hesitou em republicar a crónica “Sábado em Estremoz” (na edição de 22 de Julho de 1951), inicialmente saída no “Jornal do Barreiro” (de 15 de Março), com a seguinte explicação: “O poeta Sebastião da Gama, chegado a Estremoz para professor do Ensino Técnico, em pouco tempo se enamorou dos encantos da nossa terra, mesmo sem ter provado a água do Gadanha. Em pouco tempo se familiarizou até à intimidade com a nossa gente, que sem receio lhe abriu os braços, dado o seu carácter franco e lhano e o seu modo comunicativo de tratar. Hoje, Estremoz distingue sempre com um sorriso, um curvar de cabeça, um aceno de braço, o poeta do ‘Campo Aberto’, à janela, na rua, em qualquer parte onde ele apareça. Ele está com a cidade e a cidade está com ele. Estremoz passou a fazer parte das suas conversas, a ser motivo de alguns dos seus poemas e assunto de pequenas crónicas (…) em prosa simples, despretensiosa, límpida como o seu espírito de poeta, reflectindo a alta e rara sensibilidade de artista. É uma dessas ‘Cartas de Estremoz’ que (…) transcrevemos, em homenagem à sua admiração pela nossa terra e pela sua gente.”

Por estas crónicas passa a paisagem, a festa de Carnaval, a cidade, o mercado, a simpatia das gentes, episódios do quotidiano do poeta, um jogo de futebol, os amigos… tudo num xadrez de observação e de con- templação enlaçadas em afecto, patente em exemplos como:

a) ao referir a paisagem, diz ainda não a conhecer “senão da janela do quarto ou da Torre de Menagem — o campanário de Estremoz e o seu mirante, de onde os olhos se admiram para os olivais sem fim, para o verde que te quero verde dos trigos, para as searas ondula das”, umas pinceladas que nos remetem para outra vastidão, também ela “ondulada”, também ela podendo ser “verde”, como o mar que marca forte presença na poesia de Sebastião da Gama, assim como nos remetem para García Lorca, intertextualizando com o seu “Romance Sonâmbulo”, quando diz “Verde que te quiero verde./ Verde viento. Verdes ramas.” (e sabemos bem quanto Sebastião da Gama conhecia e apreciava a poesia espanhola, como David Mourão-Ferreira testemunhou numa entrevista);

b) ao olhar o Rossio estremocense, não duvida de que a cidade pode ser “uma caixinha de surpresas” e proclama, quase em jeito de provocação, que “o Rossio de Estremoz poderia tratar por tu o de Lisboa”;

c) para referir a hospitalidade alentejana, inicia uma crónica em torno de uma reflexão tão cheia de simplicidade quanto “só estou bem onde estou”, reforçando não se ver como forasteiro, mas sentir-se “em casa”; d) finalmente, na última “carta”, atesta a sua identificação: “Sou de Estremoz e dos seus arredores — e aqui é verde e alegre. Este é um Alentejo de flores e pássaros, de colinas e fontes, de cantigas gárrulas no ar.”

Lemos estas afirmações e mais sentido ganha a ideia de que um poeta como Sebastião da Gama não pode viver preso a uma geografia, ainda que dela se sirva para, como refere Ruy Ventura no ensaio que integra na antologia “Por Mim Fora”, funcionar como “arquétipo simbólico, símbolo visto, criatura / pintura que torna presente, por meios misteriosos e ainda assim imperfeitos, o supremo Criador ou Pintor”.

A presença de Sebastião da Gama em Estremoz passou muito pelas amizades aqui descobertas, várias registadas em poemas — além de António Bento, já referido, mencionem-se também Maria Guiomar Ávila, Joaquim Vermelho e Acilda Fragoso. À primeira foram dedicados dois poemas, “Poesia depois da chuva”, de 12 de Fevereiro de 1951, e “Crepuscular”, escrito pelo S. João de 1951, este em torno da figura da Rainha Santa; o nome de Joaquim Vermelho figura na dedicatória de um dos mais icónicos poemas de Sebastião da Gama, “Viesses tu, Poesia”, de 10 de Fevereiro de 1951; finalmente, Acilda Fragoso, que teve o poeta como professor, viu os seus 17 anos coroados com o poema “A uma rapariga”, em 7 de Março de 1951.

Conhecer Maria Guiomar Ávila (que, em 1953, foi uma das responsáveis pela homenagem estremocense ao poeta) significou para Sebastião da Gama uma oportunidade para conviver com quem apreciava poesia. Em várias ocasiões falou dela à ainda noiva Joana Luísa, na correspondência trocada, um registo que funcionou muitas vezes como substituto de um diário para contar à amada as suas vivências no Alentejo — em Fevereiro de 1951: “Hoje, pelo telefone, já conheci a Guiomar Ávila. Encantadora. Encontrar-nos-emos na missa das 9 e trinta, no domingo (ela é muito religiosa, portanto não cobiça o homem do próximo; e não vai à das onze porque, diz ela, é uma parada de elegâncias)”.

Guiomar Ávila e Joaquim Vermelho fizeram parte do grupo a quem Sebastião da Gama leu em primeiro lugar o seu “Campo Aberto”, acabado de sair, uma espécie de tertúlia que se reuniu na tarde de 11 de Fevereiro de 1951. Pertence a Joaquim Vermelho um sentido testemunho sobre o amigo poeta, intitulado “O rapaz da boina”, saído no “Jornal de Almada” quando passava o nono aniversário da falecimento de Sebastião da Gama, afinal um retrato da sua vivacidade e sentido de humor, da referência que constituiu para quem o conheceu – “O rapaz da boina veio da Serra-Mãe, descendo ao povoado sonolento e fechado como uma fortaleza antiga receosa de inimigo invisível. Olhos brilhando do sol das alturas. A boina tombada garridamente sobre a testa, sombreando os olhos como nuvem brincalhona a querer esconder-nos o brilho intenso e estranho da alegria que deles irradia, não vá ela ferir-nos profundamente no nosso doentio viver de janelas fechadas, de costas viradas para a luz. Como é que a alegria pode vir ter connosco se lhe fecharmos todas as janelas e portas, batendo-as intempestivamente na cara do convívio? O rapaz da boina desceu ao povoado e cantou as janelas fechadas em gargalhadas de rosa encarnada, num riso de criança feliz e despreocupada.”

Acilda Fragoso, a aluna, teve no professor-poeta um amigo e também ela foi motivo de apresentação a Joana Luísa através de carta — em 11 de Fevereiro: “Ontem, (…) encontrei a Acilda e a Maria Emília. Tão bonitas ambas, sob a chuva! Comprei-lhes violetas.”; em 7 de Março: “A Acilda faz anos na sexta. Disse-me o Banha. E eu combinei oferecer-lhe três ou quatro dos poemas deste ano dentro de uma capa feita pelo Banha. Na capa: somos assim aos 17.”

Cerca de 60 anos depois da morte de Sebastião da Gama, em 13 de Abril de 2013, Acilda Fragoso evocava-o em Azeitão, mantendo viva a imagem, tal como a senhora que indicou ao visitante onde era o Largo do Espírito Santo: “O pedagogo, o professor amigo e poeta, deixou-nos em 7 de Fevereiro de 1952; no entanto, a sua presença persiste indelével na memória de todos os que tiveram o privilégio de com ele conviver, especialmente dos seus alunos. O Poeta-Professor ou Professor-Poeta, único no seu todo, sabia como nos fazer sentir únicos e como buscar o melhor de cada um dos seus alunos, deixando-nos perplexos com a descoberta de nós próprios. (…) Nesta cidade, de gente pacata, todos conheciam aquele homem barulhento, e que até era o novo professor, sempre de boina na cabeça, trazendo às vezes flores nas mãos, além de livros, porque, falando alto com a sua voz rouca, com todos metia conversa.”

Desde que chegou a Estremoz, Sebastião da Gama (a viver inicialmente na então Rua das Areias) insistiu na procura de casa para viver com Joana Luísa após o casamento (que se realizou em 4 de Maio de 1951). É numa carta de meados de Março, que, depois de ter desistido de várias propostas e de ter encontrado uma do seu agrado, escreve para Azeitão: “Estou doido com a casa. Vê-se toda a cidade e metade do Alentejo. A praça é engraçada — em frente de duas torres, de um chafariz, de uma capela. A cozinha, triangular, é grande e engraçada. Da janela vê-se quase tanto como do terraço, que é no terceiro andar (no telhado). É inclinado, não serve para lá comer ou trabalhar. Mas para o banho de sol é excelente.”

Poucos dias depois, nova longa carta faz nova descrição da casa, terminando com uma promessa: “Vamos gostar tanto da nossa casa e do repouso que tenho cá que não nos apetecerá sair, pois não?” Estava escolhida a morada futura e os preparativos foram acontecendo com a ajuda de várias pessoas, entre as quais, Acilda Fragoso e Guiomar Ávila. Em vista, estava o segundo andar do número 2 do Largo do Espírito Santo, endereço que daria título a poema em 9 de Junho de 1951, registando como local de escrita “Nossa casa”, oito quadras que a apresentam a partir do sonho de quem a habita, do interior do lar e de um “nós” que alimenta todo o poema, talvez um dos mais belos poe- mas de amor. Publicado pela primeira vez na revista “Árvore”, o título suscitou divergências com a direcção, pois havia quem não aceitasse que uma morada figu- rasse como título de um poema… Foi preciso que Sebastião da Gama se impusesse e escrevesse ao seu amigo Luís Amaro a não deixar alternativas para o título ou, de outra forma, não aceitaria publicar na revista.

As imagens de Estremoz perpassam também na correspondência que Sebastião da Gama vai trocando com amigos como Virgílio Couto (o seu professor metodólogo), Cristovam Pavia e Luís Amaro (ambos alentejanos, ambos poetas), António Manuel Couto Viana (poeta), Matilde Rosa Araújo e Lindley Cintra (colegas da Faculdade e professores), José Régio (escritor), António Sampaio (pintor), Pedro Lisboa (médico) ou Albano Ferreira (que fora seu aluno em Lisboa).

Nestas missivas, há frequentemente notas sobre a vida em Estremoz, em pequenos apontamentos que constituem recortes interessantes sobre o quotidiano, como se pode verificar na carta enviada a Matilde Rosa Araújo em 13 de Outubro de 1951, relatando um episódio vivido num sábado: “Hoje, logo pela manhã, uma coisa de nada cheia de ternura: no lugar do mercado onde se vende loiça de barro, um prato (não é bem um prato: é fundo e ondulado na beira) com este nome no fundo: MATILDES ROSA! Ó Matilde: o que nós rimos e nos comovemos ao mesmo tempo! Matildes Rosa! Que lindo vai no ‘seu erro de ortografia’ – diria o António Nobre. Comprámo-lo, está à tua espera. Se aparecer outro ficará entre os que têm (esses encomendados) os nomes dos nossos sobrinhos. Para te lembrarmos e eu te lembrar um pouco mais ainda.”

A ligação de Sebastião da Gama a Estremoz seguiu um caminho de intensidade crescente, numa simpatia mútua e na construção de uma rede de afectos, como testemunha uma sua carta dirigida a Albano Ferreira, em 7 de Setembro de 1951: “Devo estar mais um ano, pelo menos, em Estremoz. A terra é agradável, a gente é boa.” Esta permuta afectiva revelou-a ele a quem o ouviu quando, em Abril de 1951, a convite de João Falcato, repetiu no Colégio Estremocense a conferência que fizera em Setúbal sobre Bocage — a concluir a palestra, disse, numa linguagem de empatia e com não menos dose de simplicidade, ter sido “o prazer de pagar aos estremocenses com leite do meu gado o puro azeite da simpatia e do bom acolhimento.”

Estremoz foi também o espaço e o tempo de transformação e de criação para Sebastião da Gama, visível até nos gestos mínimos, provas da satisfação e do prazer de sentir e de partilhar a alegria e a vida, tal como contou em carta de 13 de Janeiro de 1951 a Joana Luísa: “Alegre, alegre mesmo com a chuva, é o mercado aos sábados. Hoje comprei – pelo prazer de comprar: dois molhinhos de rabanetes, que trouxe na mão como violetas; meio quilo de peros; um prato de barro para os pôr: no fundo tem um passarinho.” Há lá maneira melhor do que recriar a vida ao atribuir significado e força àquilo que impressiona o olhar de um poeta!…

* Professor, mestre em estudos portugueses, investigador, membro-fundador e dirigente da Associação Cultural Sebastião da Gama. Escreve segundo o antigo acordo ortográfico.

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