O Centro Interpretativo e a Rota Itinerária José Luís Peixoto têm inauguração marcada para este ano. Escritor diz-se “orgulhoso” e “sensibilizado”. Alexandre de Barahona (texto)e Cabrita Nascimento (fotografia)
Eis como, em 1708, Carvalho da Costa apresenta “a muito amena, & saluberrima Villa das Galveas, que antigamente foy Aldea no termo de Aviz, chamada Villa Nova do Laranjal, por ser muito abundante de frutas de espinho, & estar quasi cercada de hum alegre valle, povoado de muitos pomares de excellentes frutas”.
A pacata vila de Galveias, com pouco mais de mil habitantes, anda nas bocas do mundo literário português, notabilizada por aquele que é visto como o melhor escritor da sua geração, José Luís Peixoto, quando publicou o seu romance, com idêntico nome.
Ora a Junta de Freguesia de Galveias desenvolveu a criação do Centro Interpretativo José Luís Peixoto, associado a uma Rota Literária, baseada no romance e nas vivências locais do escritor. “É um grato privilégio entre os galveenses termos uma pessoa tão ilustre como ele. É o melhor embaixador que poderíamos ter e, por esse motivo, queremos dar evidência ao seu trabalho”, afirma Maria Fernanda Bacalhau, presidente da Junta.
“Estamos preparados para a inauguração, apesar do José Luís estar tanto tempo cá, em Portugal, como no estrangeiro”, desabafa a autarca, num sentimento misto de felicidade e inquietação, pela sempre intensa e pública atividade do autor. É um investimento de índole cultural, apoiado pelo Turismo de Portugal, com o propósito de estimular turisticamente a região e criar dinâmicas junto da comunidade local.
O percurso é algo genuíno, só agora oficializado. “Ele [Peixoto] já vem fazendo algumas visitas com pessoas de fora, percorrendo em parte este itinerário”, conta Fernanda Bacalhau. Como a terra tem outros autores, menos conhecidos, porém com qualidade, é vontade da autarca, e também do próprio José Luís Peixoto, integrar esses nomes mais anónimos no centro interpretativo.
“É sempre a mesma pessoa, disponível e de trato simples”, garante a presidente da Junta. “O carinho que sempre tem com as pessoas faz com que mantenha o afeto que todos têm por ele, sempre que cá regressa. É um relacionamento muito próximo”, acrescenta, assegurando que “onde quer que ele esteja, está Galveias com ele”.
“Orgulhoso” e “sensibilizado”, é como José Luís Peixoto se descreve ao falar sobre a inauguração do Centro Interpretativo com o seu nome, em simultâneo com uma Rota Literária baseada nos seus livros, em conexão com a vila alentejana, onde meio século atrás nasceu e cresceu. O livro, cujo nome é legitimamente “Galveias”, escreve-o em 2014 e foi “uma declaração de amor a esta terra”.
Considerando que o momento da inauguração será, sobretudo, uma “homenagem àquela existência, a certas figuras com quem convivi e ao modo de vida local”, diz que a sua vila natal está presente noutras obras: “Desde há muito tempo que escrevo de facto sobre Galveias e todas as personagens que recordo, mas sem o dizer”, sem nomear ninguém. “E é engraçado”, acrescenta, “as pessoas de lá, identificam-se e sabem-no”. E nos seus olhos surge uma jovem centelha, ao proferi-lo.
Do novo espaço, espera que possa ser “multiplicador da atenção àquela vila” em prol de todos, e disponibiliza-se a estar presente e a ajudar como pode. É uma iniciativa, sublinha, que “parte da comunidade e [espero que] seja um motor para que possa criar dinamismo nas pessoas através da cultura, porque precisamos urgentemente disso na nossa região”.
Questionado sobre onde anda o menino que era e o conhecido escritor que hoje é, destaca o supracitado “Galveias”, cuja história decorre em 1984, época em que tinha 10 anos. “Uma das coisas mais bonitas que li foi alguém dizer que em vários momentos se via o olhar desse menino de 10 anos”. Sorri, recordando: “Isso toca-me bastante, porque faço um enorme esforço para não perder essa ligação a Galveias, a esse menino de 10 anos. Para que seja uma estaca cravada, que me mantenha sempre orientado, sabendo de onde venho, para onde vou, para me manter consciente dos meus rumos”.
Hoje, José Luís Peixoto é um grande viajante, entranhando-se no mundo, assumindo-o como cidadania de todos nós. No entanto, acha que esta ligação, estas suas memórias, evitam que se “perca”. “É estruturante e é parte da minha identidade. Aliás, nas minhas escritas e reflexões, regresso sempre aí, porque um dia até poderia perder isso de vista e não quero que tal aconteça”.
Ao trocar impressões com o escritor, pressentimos manifestos traços que ele transcreve na sua escrita. Talvez esta seja a massa de que são feitos os grandes autores, quiçá. E a entidade do ser alentejano, está-lhe na pele, apesar de em nada o aparentar. Então e o que é ser alentejano?
“É difícil encontrar palavras que esgotem tudo aquilo que é ser alentejano”, desenvencilha-se Peixoto, sem, contudo, vacilar: “Valorizamos muito as nossas raízes, a forma como entende- mos o outro. Mas os outros, também eles, têm as suas referências e são igualmente válidas. Para nós, alentejanos, estas são as nossas e a forma como entendemos o tempo, o espaço, a paisagem, o mundo, o valor das pessoas, tem que ver com algo que se é. Tem que ver com o verbo ser. E acho que dois alentejanos sabem daquilo que estou a falar, mesmo quando lhes faltam as palavras”.
E sem mais palavras, fraternalmente apertámos as mãos, ambas de alentejanos, que se comprometeram a reencontrar em Galveias, para prosseguir a conversa.
Nota da Direção: Texto modificado em relação ao publicado na edição em papel visto que a inauguração, inicialmente prevista para dia 21 de outubro, foi adiada.