Como chegou a Estremoz?
Foi por mero acaso. Estava a preencher ficha para concorrer ao lugar de professora e o meu irmão chegou a casa, perguntou-me o que estava a fazer e aconselhou-me a escolher Estremoz, onde tinha estado uns meses na tropa, dizendo que era uma cidade encantadora e de gente ótima. E eu que nunca tinha pensado nessa opção, cá vim parar.
Em que ano?
Foi em 1960. Fiquei colocada aqui na escola e fui dar aulas depois.
Pergunto-lhe em que edifício e como era a cidade nessa altura?
A escola funcionava no castelo, onde é hoje a pousada. Uma parte funcionava aí, a outra onde está atualmente o Museu Joaquim Vermelho. Neste edifício, onde também dei aulas, chovia lá dentro e não tinha luz elétrica. A parte da pousada já tinha outras condições, que não eram boas, claro, mas que eram aceitáveis para a altura, não para as exigências de hoje.
No inverno deveria ser complicado!
Confesso que já não me lembro, penso que só haveria aulas durante o período da manhã… estivemos ali pouco tempo, depois viemos cá para baixo. O ensino era muito diferente, e os alunos também, porque os alunos eram altamente motivados. Tinha alunos que vinham do Canal, na Serra d’Ossa que vinham a pé para a escola. Lembro-me perfeitamente disso. E tinham muito interesse pelas aulas. Era muito diferente. Éramos poucos, tínhamos uma relação muito próxima, ajudávamo-nos muito. Tinham uma vontade enorme de aprender, mas às vezes os pais impediam-nos de vir. Comprei muitos livros aos alunos e emprestei-lhes muitas coisas, pois viviam com enormes dificuldades.
Deu aulas a que disciplinas?
De inglês e de português. Eu era de germânicas, podia dar inglês ou alemão, mas alemão não havia na escola. Como eu gostava imenso de português, fiz estágio em português e inglês. O meu marido chegou dois anos depois… deu também aulas nessas disciplinas Concorreu, ficou em Estremoz e dava sempre aulas de inglês, os alunos adoravam-no.
Dava aulas a que faixas etárias?
Olhe, fui uma professora privilegiada porque pegava nos alunos a partir do 7.º ano e levava-os até ao 9.º e às vezes até ao 11.º primeiro. Conhecia muito bem a grande maioria dos alunos. Dei aulas até à altura da reforma, que era quando estivessem cumpridos 36 anos de serviço. Tinha pensado não reformar nesse ano, porque os alunos estavam no 7.o ano e queria levá-los até ao 9.º, mas confesso que me reformei para sair com saudades da escola. Estava habituada a ter uma relação ótima com os alunos, mas havia uma turma com dois ou três que conseguiam estragar o ambiente na sala de aula, não estava habituada a isso, e decidi que era altura de sair. Era altura de me reformar para sair com saudades da escola. Foi em 1997. Estive lá 37 anos.
Que memórias guarda dessa carreira de professora?
Tenho as melhores memórias. O ambiente na escola era sempre muito bom, de grande colaboração entre os colegas, de entreajuda, era sempre tudo muito agradável. Não recordo maus momentos. De tal maneira que nós tínhamos direito a faltar duas vezes por mês, sem justificação. A falta estava automaticamente justificada. Eu raramente utilizei essas faltas, pois ia sempre com vontade para a escola.
Foi um período compensador?
Gostei muito de ajudar a crescer aqueles meninos, aqueles alunos que me foram entregues pequeninos, mas com tanta vontade de aprender e já com uma personalidade forte, pois só alguém com vontade e personalidade é que é capaz de sofrer o que sofreram para vir à escola. Cheguei a pedir a pais para que os filhos não fossem retirados da escola. A maior parte das vezes era eu que ia à casa dos pais, pois eles não apareciam na escola.
Nem quando havia complicados?
Olhe, estou-me a lembrar de um miúdo que se embriagava com frequência, que chegava embriagado à escola, e pedi várias vezes ao encarregado de educação para que fosse falar comigo, mas ele nunca apareceu. Então meti-me no nosso carro, um dois cavalos, e fui ao monte onde eles viviam. O ambiente era péssimo, o pai era uma pessoa já com alguma idade, não tinha nenhum controlo sobre o miúdo, mas consegui falar com eles. Houve uns tempos em que a situação melhorou, mas de repente esse aluno desapareceu da escola. Não sei o que aconteceu.
Os pais não apareciam…
Mas eu ia ter com eles. Fazíamos várias viagens, lembro-me de uma ao Gerês, nas férias do Carnaval. Toda a gente dizia para não ir com eles, pois iria ter problemas, mas foi uma viagem maravilhosa, portaram-se lindamente e ainda hoje, quando os encontro, falam desse momento, o que é muito gratificante para mim.
UMA HISTÓRIA CENTENÁRIA
A 18 de dezembro de 1924 era publicado no então “Diário do Governo” um diploma do Ministério do Comércio e Comunicações que criava na, à época, vila de Estremoz uma escola de artes e ofícios. Estava oficialmente criado o ensino publico, ainda que a designada “secção feminina” só surgisse em setembro do ano seguinte. Aos alunos eram ministradas aulas de cantaria e cerâmica, no edifício onde hoje funciona o Museu Municipal.
Outras datas importantes são as de 1948, quando passa a ser designada por Escola Industrial e Comercial de Estremoz; 1952, quando é provisoriamente transferida para a antiga Sala de Armas de D. João V, actual Pousada Rainha Santa Isabel; e 1964, ano em que são concluídas as obras do novo edifício, durante o mandato do diretor Peres Claro. A atual denominação é adotada em 1987.