Ao falar da relevância da escrita na sua vida, Dora Gago, nascida no Algarve, mas a residir em Vila Nova da Baronia (Alvito), reconhece que esta “tem tido um papel importante” desde que se conhece, “ainda antes de aprender a escrever já gostava de inventar histórias”. Publicou o seu primeiro poema aos 12 anos numa revista, tendo posteriormente começado a publicar em jornais regionais e a escrever histórias em cadernos que ia partilhando com amigas e colegas de turma. “Ficava muito feliz quando elas liam e gostavam. A sensação de me lerem era maravilhosa”.
O seu primeiro livro, “Planície de Memória” (1997), foi de poesia e teve como inspiração o Alentejo. Em 2006 publica um livro de contos, o “A Sul da Escrita”, que foi distinguido com o Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca. Dora Gago relata ao Alentejo Ilustrado que, para si, foi uma enorme alegria receber este prémio e que ficou com esperanças de que este livro tivesse alguma projeção. Todavia, a editora, Campo das Letras, acabou por entrar em falência e o livro não alcançou a divulgação desejada.
Curiosamente, embora a escrita tenha sido sempre imprescindível para a forma como Dora Gago entende o mundo e interage com ele, essa importância intensificou-se com a pandemia e com o facto de a ter vivido em Macau, onde as medidas contra a covid-19 eram especialmente rígidas.
A sua bibliografia compreende os mais variados estilos. No conjunto de 12 livros livros, há dois de poesia, dois ensaios académicos, contos infantojuvenis (que escreveu em parceria com uma amiga, Arlinda Mártires), intitulados “Sete Histórias de Gatos” ou contos de teor biográfico, inspirados na experiência migratória no Uruguai, onde lecionou como leitora do Instituto Camões. Há ainda uma novela breve, que tem como protagonista Florbela Espanca, “As Duas Faces do Dia” e um conjunto de contos cujo cenário é um lar da terceira idade, “A Oeste do Paraíso”.
Por fim, publicou “Floriram por Engano as Rosas Bravas” (2022), que contém narrativas inspiradas nas suas vivências na Ásia e “Palavras Nómadas” (2023), escrito a partir das suas múltiplas viagens. “Sinto que as viagens são uma boa fonte de inspiração por todas as portas que nos abrem ao conhecimento de outras gentes, outras culturas e lugares. Isso é muito enriquecedor”, afirma.
Dora Gago diz identificar-se particularmente com uma citação do livro “Viagens”, da escritora polaca Olga Tokarczuk, prémio Nobel da Literatura (2019), em que ela refere que a sua energia provém do movimento, “da trepidação dos autocarros, da zoadeira dos aviões, da oscilação dos comboios e dos barcos”.
“Quanto ao que me inspira, posso dizer que é a própria vida, o meio que me circunda, as pessoas que vou conhecendo, os livros que vou lendo. A leitura é tão importante como a escrita, ou até mais, pois é o princípio de tudo”, sublinha.
“Palavras Nómadas” foi iniciado pouco depois de Dora Gago ter chegado a Macau, em 2012, a par do “Floriram por Engano as Rosas Bravas”. No entanto, no caso deste último, a autora sabia que este livro seria de contos, enquanto o outro se pautava por ser uma coleção de episódios para os quais ainda nem sequer tinha formato. “Foi um livro que partiu do registo, da necessidade de preservar momentos, memórias, vivências que não queria esquecer”. Pouco antes de sair de Macau, começou a adaptar para crónicas alguns desses episódios, que publicou na revista online “Caliban”. E assim percebeu que o formato “só poderia ser” o da crónica.
Na entrevista à Alentejo Ilustrado, Dora Gago reconhece que o momento mais marcante do seu percurso literário foi, até ao momento, esta distinção com o Grande Prémio de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga, atribuído pela APE. “Foi uma alegria imensa e uma honra enorme. Foi ainda mais especial por ter o nome de Maria Ondina Braga, escritora que também viveu em Macau, com quem me identifico muito e à qual dediquei diversos artigos, capítulos de livros e conferências nos últimos anos. Por isso, é também um prémio que a homenageia, o que também é muito importante”, refere.
Em carteira, claro, existem mais projetos que Dora Gago quer desenvolver. Atualmente, para além de poemas, está a trabalhar num novo livro de crónicas e num romance breve. “Neste momento, posso dizer que a escrita é o principal caminho que quero seguir”.