Património ao abandono. Um Alentejo de ruínas, não é o Alentejo em ruína

Espalham-se de norte a sul, do interior ao litoral as ruínas históricas desse Alentejo que foi. O que será destas ruínas? E de nós? Alexandre de Barahona (texto e fotografia)

Inicio por aquilo que definem os dicionários em papel ou digitais, prossigo com aquilo que deveríamos partilhar, a ponderação. Consideração sobre se apenas serão as pedras, ou se perante tal, também estaremos nós, todos em ruínas. A palavra ruína provém do latim ruina significando literalmente “um colapso”.

Normalmente indicam restos da arquitetura de uma civilização, referindo-se a estruturas anteriormente intactas, e que caíram em estado de degradação parcial ou total ao longo do tempo. Esse colapso deve-se a uma variedade de fatores, como a visível falta de manutenção, a possível destruição intencional resultante de conflitos ou movimentos sociais análogos, ou um incontrolável acidente devido a fenómenos naturais. Pelo Alentejo fora, muitas dessas estruturas veem-se em pleno quarto do século XXI, progressivamente abandonadas, literalmente em ruínas.

Neste fausto período em que Portugal vive dos benefícios económicos do turismo, e onde além das praias e sol, nos restam os monumentos históricos para “alimentar” os turistas, pergunta-se: Porquê? Como é possível chegar a este desmazelo?

Clarifiquemos o imbróglio sobre a quem pertence e quem tem o dever de salvaguardar os monumentos. Existe património classificado e património não classificado (este muitas vezes de enorme valor cultural). A lei é perentória: atribui a todos os proprietários, públicos ou privados, a responsabilidade na conservação do seu património. Na verdade, muitos não cumprem por falta de meios financeiros, a começar pelo Estado, que naturalmente vai resolvendo, mas não tem margem financeira nem técnica para acudir a tanta necessidade.

Na Alentejo Ilustrado já referimos em diversas edições o grave problema com os monumentos megalíticos destruídos nos últimos anos. O historiador Luís Lobato de Faria certifica que “dos 181 monumentos megalíticos identificados no concelho de Reguengos de Monsaraz, cerca de 35% já não existem, 10 deles foram submersos pela albufeira e a maioria dos restantes está em péssimas condições de conservação”.

Noutros concelhos alentejanos sucedeu o mesmo, no intuito de aumentar a área para plantar olivais, amendoal ou vinhas em regime intensivo. É inexplicável que os antigos agricultores tenham protegido por séculos e séculos aqueles menires e antas, enquanto hoje os seus sucessores, que sabendo ler e escrever, segurando graus académicos como licenciaturas e doutoramentos, não respeitam e destroem a memória histórica e coletiva.

De notar o paradoxo, por estas estruturas megalíticas representarem a origem da sedentarização dos povos nas nossas terras, porque cultivaram os solos e aqui decidiram permanecer, sendo portanto o testemunho histórico das primeiras sociedades camponesas, datadas dos quarto e terceiro milénio antes de Cristo… ou seja, as antas e os menires são vestígios dos primeiros agricultores no Alentejo.

No entanto para esta pergunta simples existe uma resposta simplista, os proprietários de outrora eram agricultores, eram gente que vivia nas localidades perto das herdades, onde tinham um papel social, familiar, económico. Quando agora, muitos deles, foram substituídos pelos “anónimos” fundos de investimento, sem rostos, sem voz humana, sem nenhuma outra função que não seja obter uma fria, pré-fixada margem de lucro.

Ana Paula Amendoeira, vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, responsável pela área do património e cultura (e ex-diretora da antiga Direção Regional da Cultura do Alentejo) não esconde a cabeça na areia, e concorda que esse seja um dos fortes motivos, pois os fundos de investimento carecem absolutamente de presença e identidade locais.

Contudo subsiste outra lacuna de fundo, que a dirigente tem procurado há anos, colmatar: a melhor “forma de proteção de património é a sua classificação e ao contrário do que se possa pensar o Alentejo tem ainda muito património por classificar”. Portanto, não tem uma forma lícita de proteção rápida e eficaz.

Motivados pela onda de destruições do património megalítico na região em contexto de práticas agrícolas a antiga Direção Regional de Cultura do Alentejo completou em 2022 um processo excecional, extraordinário e urgente para a classificação como Conjunto de Interesse Nacional do megalitismo alentejano, integrando cerca de 2000 monumentos, o maior processo de classificação de património em Portugal desde a I República.

Alentejo Ilustrado confirmou na conclusão deste processo que a maior concentração de estruturas megalíticas se encontra no Alentejo Central, essencialmente nos concelhos de Montemor-o-Novo (234), Mora (179), Reguengos de Monsaraz (171), Arraiolos (137) e Évora (283).

Não é somente desta época o património português a exigir desesperadamente um exaustivo trabalho de restauro. O exemplo do castelo de Montemor-o-Novo, um dos maiores de Portugal, sendo ciclicamente desmantelado ao longo dos tempos, inclusive nos séculos XIX e XX, onde as muralhas foram desmanchadas para as suas pedras servirem na construção de casas da (então) vila, não é um caso isolado, demonstrando o preço da ignorância pela história, pago pelas sucessivas gerações.

As ruínas são uma coisa, a destruição, é outra, sendo a separação entre ambas uma linha ténue. Como costuma acontecer em Portugal, a culpa (ou responsabilidade) morre sempre solteira. Quem é responsável por esta questão da manutenção dos monumentos históricos? O habitual, nesta e noutras matérias, é chutar a bola para o lado. Ora se atribuem aos municípios responsabilidades para os quais eles não têm verbas, além de acumularem serviços que antes, estavam na tutela do Estado (Governo), e para os quais nem de técnicos especializados dispõem. Ora, nos meandros do poder em São Bento, se fazem e desfazem organismos, organigramas e competências.

Em maio de 2012 foi criada pelo Governo (dirigido por Pedro Passos Coelho) a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), em cujas atribuições se substituía aos dois anteriores institutos públicos: o Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico e o Instituto dos Museus e da Conservação, extinguindo-os e fundindo-os nesta nova orgânica.

Mais tarde, emana do Governo da época (já dirigido por António Costa) outra decisão, e podemos ler no “Diário da República” de 4 de setembrode 2023, que “decorridos mais de 10 anos, constata-se o desajustamento do modelo organizacional e de gestão implementado, excessivamente centralizado (…) para o prosseguimento das políticas na área do património cultural, situação que se pre- tende alterar”.

E através desse documento normativo, cria-se um organismo denominado Património Cultural, (I. P.), substituindo o anterior. Curiosamente e contrariando esta ideia de combater a centralização, este mesmo governo havia já decretado a extinção das Direções Regionais de Cultura, incluindo a do Alentejo, retirando a capacidade de análise em proximidade e concentrando muitas das futuras (atuais) decisões em Lisboa.

Bons exemplos, também os há. A Fortificação de Juromenha (Alandroal) cujas primeiras muralhas foram levantadas por ordem de Júlio César (44 a.C.), foi reconquistado aos mouros por D. Afonso Henriques em 1167 e tornou-se uma pedra basilar na defesa alentejana do território nacional. Esta, tal como o Castelo de Campo Maior, parte do de Castelo de Vide, a Sé de Portalegre, a Torre de Alcácer do Sal, ou a Igreja de São Francisco em Évora, são alguns dos felizes casos que beneficiaram de bons restauros.

Na lista de espera e com o financiamento assegurado, encontramos as Ruínas Romanas de Torre de Palma, em Monforte, a Igreja de Nossa Senhora das Salvas ou Salas em Sines, as muralhas de Alcácer do Sal, o museu de Beja, já em obras, e alguns mais.

No entanto a longa listagem vai para aqueles que necessitam de intervenção urgente, e de momento sem fim à vista, entre os quais o Castelo de Terena (à responsabilidade do respetivo Município), as muralhas de Mértola sob a tutela do Estado ESTAMO (no âmbito da gestão de património imobiliário público, o Governo de António Costa atribuiu a esta empresa pública as competências que eram até então da Direção-Geral do Tesouro e Finanças), o Castelo de Veiros que sofreu uma derrocada e pertence a uma fundação privada, o Mosteiro de Flor da Rosa, no Crato, à guarda do Património Cultural Instituto Público (PCIP).

Nessa lista de património a necessitar de intervenção urgente inclui-se também os Castelos de Avis e de Arraiolos (PCIP), ou a Igreja da Graça (Évora). São muitos, mas há muitos mais, como a Ponte de Nossa Senhora da Ajuda (Elvas) ou o Convento do Monte Calvário (Évora), sob a égide da ESTAMO, o Castelo e a Igreja de Montalvão (Nisa), o Forte do Pessegueiro em Sines, surpreendentemente sem afetação, o Convento de S. Bernardo em Portalegre e a antiga fábrica Robinson, a Sé Catedral ex-líbris de Évora, e a já tão famosa Anta Grande do Zambujeiro, em risco de colapso.

Todos estes monumentos aguardam, diria desesperam, ao vento e chuva que os socorram. A que poderiam somar muitos mais. A Igreja Matriz de Alvito, por exemplo, também precisa de uma rápida intervenção; a Igreja de Nossa Senhora de Messejana, um santuário de imensa importância, encontra-se em deploráveis condições, o próprio Castelo de Portalegre carece de obras, assim como o Palácio Real D. João V em Vendas Novas e a sua Capela Real adjacente, tal como as muralhas de Estremoz e tantos, tantos mais.

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