Há um país inteiro escondido sob o pó das estradas e o silêncio dos montes — e esse país chama-se Portugal. Um território onde o passado ainda respira, mas que o presente insiste em ignorar. Em pleno século XXI, continuamos a viver de costas voltadas para o nosso património mais antigo: aquele que foi erguido à força de braços, antes de haver templos, reis ou palavras.
Só o distrito de Évora guarda mais de 800 antas e dólmenes, uma das maiores concentrações megalíticas da Europa. No Algarve estão identificados 254 menires, muitos deles esquecidos no mato, vandalizados ou servindo de marco de propriedades privadas. E, espalhados pelo Alentejo e Ribatejo, erguem-se ainda cromeleques monumentais — o dos Almendres, com quase uma centena de monólitos, ou o do Xerez, com cerca de 50 — templos pré-históricos de observação astronómica e culto solar que deveriam estar no topo de qualquer roteiro europeu de arqueologia.
E não é apenas o Sul que guarda tesouros. No Norte, as citânias castrejas, como Briteiros, Sanfins ou Sabroso revelam uma civilização organizada, muralhada e sofisticada, anterior à chegada de Roma. A elas devemos parte da nossa matriz cultural — mas continuam arredadas dos grandes circuitos turísticos, tratadas como curiosidades regionais.
Portugal tem tudo para ser o destino megalítico mais rico e diverso do continente: dólmenes, menires, cromeleques e povoados fortificados que contam, pedra a pedra, a história das nossas origens. O que não tem é uma estratégia nacional. Em vez de um “roteiro das origens”, que una o Alentejo das antas ao Minho das citânias, continuamos mergulhados numa política de capelinhas, onde cada câmara municipal promove “o seu” monumento, “a sua” rota, “o seu” folheto turístico, como se o passado pudesse ser repartido por freguesias.
É tempo de levantar a cabeça — e as pedras. De entender que este património não é local, é civilizacional. Portugal precisa de um roteiro nacional do megalitismo e das origens, capaz de ligar o país inteiro sob a mesma narrativa e atrair o turismo que hoje enche Stonehenge e Carnac.
Temos mais de 800 antas, 254 menires, dezenas de cromeleques e citânias que desafiam o tempo. Temos tudo — menos visão. E enquanto essa faltar, continuaremos a ser o país que esquece as suas pedras.












3 Responses
“Temos tudo — menos visão.”
Excelente
Concordo plenamente consigo pois sou de Pavia – a Capital do Megalitismo Português e sinto isso mesmo:
. O desinteresse público e privado
. Falta de visão
Se algum quiser trocar umas ideias, deixo o meu contacto
cbplacido@gmail.com
E destas pessoas que Portugal precisa!
Bem escrito! É muito importante trabalharmos para preservar o nosso património pré-histórico: tanto o governo como todos nós enquanto indivíduos. Para além da visão, também precisamos de memória. Estou a tentar ajudar com o meu site, prehistoricportugal.com. Está em inglês neste momento, mas estou a trabalhar para torná-lo bilingue.