A experiência “está a ser interessante”, mas prevê que os próximos meses sejam “duros, dominados pela dicotomia entre o Governo e a oposição”, ou oposições, “e por quem conseguir fazer passar a narrativa mais eficazmente”. Perante uma legislatura muito particular e o crescimento da extrema-direita, o deputado, de 33 anos, diz que “é essencial que a esquerda – o BE, o PCP, o Livre e também o PS – consiga trabalhar em conjunto. Criar pontes e energias conjuntas quando o caminho é comum, para fazer o contrapeso”, sem que para isso cada partido tenha de perder a sua identidade ou deixar de ter as suas divergências. “Ou corremos o risco de nos perdermos na própria discussão interna da esquerda, sem atender ao que é mais importante”.
Eleito pelo círculo de Setúbal, Paulo Muacho quer consolidar o trabalho no distrito e alargá-lo a toda a zona sul, Alentejo e Algarve. “É preciso ir ter com as pessoas, ouvir os seus problemas e dificuldades e trazê-los para a Assembleia da República, para as podermos representar de uma forma conveniente. Sendo alentejano, modéstia à parte acredito que posso fazer essa ponte e alargar a representação, que nos termos da Constituição não é só do nosso círculo eleitoral é de todo o país”.
O atual sistema eleitoral, em que milhares de votos são literalmente desperdiçados, merece-lhe reflexão, sendo um dos temas do Livre. “É um sistema eleitoral caduco, que basicamente consagra dois tipos de sistemas diferentes”. E injusto, pois um voto nos círculos eleitorais maiores dificilmente será ignorado, enquanto um voto em Portalegre ou noutro círculo eleitoral mais pequeno, como Évora ou Beja, poderá sê-lo.
“Isto cria sempre uma chantagem muito forte sobre os cidadãos que é escolher um mal menor”, e aos partidos pequenos o ter de escolher onde fazer campanha, pois têm recursos limitados. Questão que não se coloca aos partidos grandes, que têm meios para percorrer todo o país.
Por isso, garante que o Livre não vai desistir, antes continuar a defender “o sistema do círculo eleitoral de compensação, que permitiria às pessoas, em qualquer parte do país, votar no partido que consideram que as representa de uma forma mais completa”. Salienta: “para recuperar a esperança das pessoas na democracia, é importante que elas possam fazer escolhas de forma livre”.
O Alentejo continua a perder população e a população continua a envelhecer, trazendo ciclicamente o tema da regionalização para o debate público, no quadro do combate ao despovoamento, ao envelhecimento e ao abandono de vastas áreas do interior. Paulo Muacho diz que a regionalização “poderia ser boa” para o Alentejo, mas defende que é preciso ter uma estratégia de desenvolvimento da região, “que não existe”, tendo em conta os seus desafios num mundo globalizado e marcado pelas alterações climáticas.
Exemplifica: “Continua-se a apostar no cultivo intensivo de certas espécies, algumas com enorme necessidade de água, numa região que vai ter muitos problemas com o seu abastecimento”. Fala em falta de pensamento estratégico e coragem para dizer que “é preciso fazer escolhas agora, que se calhar vão demorar algum tempo até darem frutos, mas que é absolutamente preciso fazer”.
Um governo regional, sublinha, “pode contrapor” o cenário atual e desenvolver políticas que passem pela criação de emprego qualificado, capaz de dar às pessoas “uma qualidade de vida um bocadinho acima da média. Não vale a pena termos ilusões, ninguém vai querer fixar-se sem oportunidade de emprego”, para além de outras condicionantes.
Mas se as pessoas souberem que essas necessidade lhe são asseguradas, “se calhar vão preferir fugir das grandes cidade e viver nesses locais, em alguns casos voltar às suas terras de origem.” Paulo Muacho diz que a sensação que tem é que o Alentejo é ainda o território de muitas oportunidades perdidas. “Muita gente não teve oportunidade de estudar, não teve oportunidade de fazer aquilo que queria ter feito na vida, e isso continua a acontecer”. Na lógica de representação das pessoas, volta a sublinhar que é preciso ouvir o que têm para dizer.
Entende que os resultados da extrema-direita, nomeadamente o seu crescimento no Alentejo, “demonstram sobretudo a revolta das pessoas, por sentirem que estão a ser ignoradas há demasiado tempo. É um grito de protesto, que eu até posso considerar que é contraproducente porque acho que esse partido não tem qualquer tipo de resposta para dar”.
CAMINHAR COM AS PESSOAS
Sobre a imigração, nota que “há muitas terras do Alentejo que estão a ter um novo impulso por causa” da chegada de pessoas de outros países. “Acho que é uma oportunidade para a região, devendo esse acolhimento ser feito de uma maneira digna”, refere, lembrando que muito portugueses também tiveram um dia que emigrar.
Durante a campanha eleitoral, o Livre esteve em Odemira para “perceber o que lá se passa”, e concluiu que “por trás de alguns problemas que até podem acontecer, vemos comunidades diferentes que se conseguem integrar, ter uma convivência bastante em comum e criar uma comunidade”.
Realça que forças extremistas, meramente de protesto, “têm pouco para contribuir, do ponto de vista construtivo, para as soluções que o Alentejo precisa”. Sendo o que o território carece é de “políticos com visão” para o que deve ser o desenvolvimento, e isso começa por escutar quem habita o território. “O Livre”, assegura, “está apostado em fazer esse caminho”.
Paulo Muacho, advogado de profissão, nasceu em Campo Maior. Quando tinha 10 anos, a mãe, funcionária pública, foi colocada no Seixal e a família mudou-se. O que mais lhe custou foi perder a “liberdade” de brincar na rua, mas durante os anos seguintes voltou à vila raiana em todas as férias escolares. A forma como o território o moldou resulta especialmente das histórias reais que cresceu a ouvir a avó e outros familiares contar: “Vivências muito marcadas pela vida dura do campo, as dificuldades que as pessoas passavam, as possibilidades de vida que tiveram ou não, a emigração”.
Interessado desde cedo pela “coisa” política, nunca se reviu plenamente em nenhum partido. Entre 2011 e 2013, época de grande contestação social e movimentações à esquerda em virtude de o país se encontrar sob “resgate” da ‘troika’, participou no Congresso Democrático das Alternativas e assistiu a um painel onde Rui Tavares, ex-eurodeputado, fundador e dirigente do Livre e atual deputado eleito por Lisboa, “discutia as sua ideias para a democratização da Europa”.
Nota: “Lembro-me de pensar que aquilo era o que eu achava que devia ser feito e não via os outros partidos falarem”.
Mais tarde soube que Rui Tavares ia criar um partido, e que essa nova força política, “sendo de esquerda, se distinguia das outras por ter uma vertente europeísta”. Fez-se membro do Livre em 2014, e entre 2017 e 2021 foi deputado da Assembleia Municipal de Lisboa. Uma experiência que diz ter sido “bastante enriquecedora”.
CÍRCULO DE COMPENSAÇÃO
Um artigo publicado pelo Alentejo Ilustrado em março passado fez as contas e conclui que o voto de 81.157 eleitores dos distritos de Beja, Évora e Portalegre nas legislativas de 2022 não serviu para nada, ou seja, não foi convertido em mandatos eleitorais. A nível nacional foram mais de 179 mil votos. A situação repetiu-se nas últimas legislativas. O que levou o Livre a apresentar um projeto-lei, subscrito, entre outros deputados, por Paulo Muacho, no qual propõe a criação de um círculo nacional de compensação para eleger 37 deputados.