“Pedar sem Idades” em Castro Verde. Uma volta contra o isolamento

Os passeios de “trishaw” são uma “prescrição social” para combater o isolamento dos idosos. O projeto arrancou em Castro Verde há três anos e já chegou a mais de 500 pessoas, sobretudo utentes do lar de idosos. Maria Frederica (texto)

Em 2021, em plena pandemia, a equipa responsável pela implementação do projeto “Pedalar sem Idades” no Município de Castro Verde, andava a trabalhar noutra iniciativa, o Contrato Local de Desenvolvimento Social. Estava, então, preconizado que iria trabalhar no âmbito do voluntariado no combate à solidão na população mais idosa. A covid-19 trouxe constrangimentos à evolução deste primeiro projeto, mas continuou-se a refletir sobre como se poderia dar resposta a esta problemática.

Cidália Guerreiro, coordenadora do “Pedalar sem Idades”, admite que já “andava a namorar este projeto há algum tempo”, tendo sido apresentada uma candidatura ao orçamento participativo de Castro Verde. A população acolheu de imediato a ideia, tornando-a na proposta vencedora.

Atualmente, o projeto está no terreno com três trishaw [bicicleta adaptada e conduzida por voluntários] que circulam pelo concelho num sistema rotativo mensal, entre as freguesias rurais e a sede de concelho, possibilitando o passeio a utentes com mobilidade reduzida ou com mais de 65 anos.

Cada passeio dura entre 40 minutos e uma hora. Trata-se de um projeto internacional, presente em 58 países da Europa, sendo Castro Verde o único município do sul do país integrado neste rede que visa combater o isolamento dos mais idosos, uma espécie de “prescrição social” para a melhoria da saúde mental. Não é um projeto sobre mobilidade nem sustentabilidade, mas sim sobre relações humanas e partilhas. E sobre histórias que inspiram.

Para António José de Brito, presidente da Câmara de Castro Verde, trata-se de um projeto “fundamental e de grande alcance social”. Uma “pedrada no charco” pela capacidade que teve de mobilizar as pessoas, sobretudo aquelas que, estando institucionalizadas, “começaram a reencontrar lugares e contactos que há muito tempo tinham perdido”. E este, segundo António José Brito, é mesmo “um dos grandes fatores de diferenciação” do “Pedalar sem Idades”.

Vitória Catarina Aires nasceu em Castro Verde, mas a vida levou-a para longe do Campo Branco. É uma das utentes a quem os passeios acompanhados permitiram, aos 90 anos, revisitar a vila. Descreve cada percurso como sendo “um sonho”, que a ajudou a percorrer locais e memórias. “Era aqui o meu ninho, de onde voei.

Agora vejo que a vila está muito maior”, desabafa. Além do percurso, note-se, é também fundamental a oportunidade dada aos idosos para contar a sua história, numa perspetiva de troca de momento e de saberes.

O testemunho de Adília Varela, também utente do lar de Castro Verde, vem no mesmo sentido. Afirma preferir andar de trishaw que de carro, uma vez que nestes veículos vai à frente e consegue ver tudo, inclusive locais e recantos da vila que desconhecia “Agora estou conhecendo tudo, já aqui estou há uma porção de anos e ainda não tinha vindo para estes lados”, refere.

O envolvimento e entrega dos voluntários é imprescindível para o sucesso do projeto. Rita Nobre, de 31 anos, foi das primeiras voluntárias a juntar-se ao “Pedalar sem Idades” e afirma que estes anos “têm sido muito gratificantes, tem sido muito enriquecedor a nível profissional e sobretudo a nível pessoal. A satisfação de missão cumprida é o melhor. Basta agradecerem-nos e sorrirem que já vale a pena”. Inicial- mente, confessa, houve “receio” de se imaginar a conduzir pessoas, “mas depois correu tudo bem”.

Apesar de enfrentarem alguns desafios como a dificuldade no transporte dos trishaw, ou a relutância de algumas pessoas em experimentarem a oportunidade para o passeio, ou até mesmo da necessidade de mais voluntários, ao fim destes três anos o balanço é “amplamente positivo”, como afirma o presidente da Câmara, segundo o qual existe uma perspetiva de continuidade deste projeto.

“O município reconhece a importância que tem para os utentes e assumiu que vai continuar”, refere Cidália Guerreiro. Esta perspetiva de continuidade agrada sobretudo aos utentes. Vitoria Aires, quando questionada sobre a sua vontade em relação à continuação dos passeios, não podia ser mais clara: “Não se esqueçam da gente e continuem a dar-nos esta alegria”.

Se dúvidas houvesse, aí estão os números para comprovar o alcance da iniciativa: em três anos foram realizados 680 passeios com cerca de 500 participantes, tendo estado envolvidos cerca de 150 voluntários. Do total de inscritos, a maioria (236) é utente dos lares ou da Unidade de Cuidados Continuados do concelho, 164 são moradores, houve também 65 crianças e adultos acompanhantes e 25 crianças e adultos com deficiência mental.

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