Projeto de 10 milhões para produzir hidrogénio. E, enfim, o vale será verde

Está em marcha o projeto para a criação do primeiro vale de hidrogénio em Portugal. Ao longo dos próximos cinco anos serão investidos quase 10 milhões de euros. Produzido em Sines, o hidrogénio verde servirá, por exemplo, para aquecer a água das piscinas de Évora ou para a recolha de lixo no Alandroal. Luís Godinho e Ana Luísa Delgado (texto)

É Hugo Silva, professor de física na Universidade de Évora e coordenador do projeto para a criação de um vale de hidrogénio verde no Alentejo, quem revela o que irá suceder ao longo dos próximos cinco anos. O investimento-chave será o desenvolvimento de um sistema de eletrolisadores em Sines.

“Um eletrolisador”, explica, “é um equipamento que produz hidrogénio sendo, no caso deste vale, a partir da água, sendo alimentado por eletricidade renovável”. É por isso, por ser produzido a partir de energias renováveis, em particular a solar fotovoltaica, que este hidrogénio ganha o rótulo de “verde”.

Produzido em Sines será depois injetado num pipeline, também a construir, sendo posteriormente utilizado em projetos pioneiros na região. É aqui que entram Alandroal e Évora.

No caso de Alandroal, prossegue o coordenador do H2tALENT, será instalada “uma estação de abastecimento de hidrogénio”, a partir da qual serão “alimentados” um autocarro para transporte de passageiros e um camião do lixo. “São veículos públicos que irão funcionar a partir do hidrogénio, usado para alimentar um motor elétrico através de uma célula de combustível”.

Já em Évora, a ideia é utilizar este recurso para aquecer a piscina pública. “Vamos produzir água quente a partir da queima do hidrogénio que, como combustível, tem bastante flexibilidade. Permite, por um lado, a sua combustão como se fosse o gás natural ou o propano e permite produzir, nas células de combustível, eletricidade”, resume Hugo Silva, acrescentando estar igualmente prevista uma “quarta instalação”, esta na ilha da Culatra (Faro), onde o hidrogénio será utilizado como meio de armazenamento.

“Iremos aproveitar a eletricidade que é produzida pela energia solar quando há um excedente de produção de energia elétrica, para produzir hidrogénio a partir da eletrólise da água. Esse hidrogénio será armazenado e, à noite, utilizado para produzir eletricidade, através de uma célula de combustível”, explica.

Liderado pelo Campos Sul – associação interuniversitária de que fazem parte as Universidades Nova de Lisboa, de Évora e do Algarve -, em parceria com o Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia (PACT), o projeto H2tALENT é financiado pelo programa europeu Horizon e é um dos quatro vales de hidrogénio verde aprovados pela Comissão Europeia em 2023. O consórcio integra um total de 28 parceiros, entre instituições de ensino superior, empresas, autarquias e agências de desenvolvimento regional de Portugal e de outros cinco países.

Ainda numa fase de arranque, “se tudo correr bem”, garante Hugo Silva, dentro de dois anos haverá condições para iniciar a fase de testes. E, depois, para colocar esta fonte de energia ao serviço da comunidade.

“Queremos mostrar a viabilidade económica do uso de hidrogénio como combustível, podendo assim substituir os combustíveis fósseis. Queremos mostrar que é possível substituir, por exemplo, o gás natural no aquecimento da água, a gasolina e o gasóleo na mobilidade”, acrescenta o professor universitário, indicando que a ideia passa também por comprovar a “viabilidade técnica e económica” da utilização deste recurso em diferentes aplicações industriais, de mobilidade e de aquecimento.

“É”, garante, “uma alternativa aos combustíveis fósseis”. Com a vantagem de ser produzido a partir de energia solar fotovoltaica, que o Alentejo tem “para dar e vender”.

Outras aplicações que serão “abordadas” ao longo dos próximos anos prendem-se com a produção de combustíveis sintéticos para “substituir a gasolina e o gasóleo” (com origem em combustíveis fósseis), ou com as diferentes tecnologias para a produção do hidrogénio renovável.

“A eletrólise da água é a tecnologia mais madura e presente em vários projetos, mas existem outras formas de produzir hidrogénio, por exemplo a partir do biogás ou de energia solar concentrada de alta temperatura”, explica Hugo Silva, segundo o qual o hidrogénio pode ser utilizado “para produzir esses mesmos combustíveis”, com a vantagem que para a sua aplicação prática “não seria preciso alterar o parque automóvel”.

Segundo a Universidade de Évora (UE), a aprovação deste projeto pela Comissão Europeia reconhece a “capacidade endógena do Alentejo enquanto uma das melhores localizações da Europa para investimentos” na produção deste combustível, mas também posiciona a região “enquanto ativo importante nas estratégias nacional e europeia de transição energética”.

Entre as metas do projeto para os próximos cinco anos, prossegue a UE, “destacam-se a instalação de 11 megawatts em eletrolisadores, [com uma] produção anual de mais de 500 toneladas de hidrogénio verde, e redução das emissões de dióxido de carbono em cerca de seis mil toneladas por ano”, além de “reter e desenvolver talentos relacionados com o hidrogénio no Alentejo, impulsionando a economia da região e contribuindo para a transição energética nacional e europeia”.

Gestor de projetos no PACT, Ricardo Sobral anota que o próprio porto de Sines “já agrega algumas iniciativas” de produção de hidrogénio, sendo que este é o primeiro a abarcar o interior da região, num funcionamento que se pretende vir a ser desenvolvido em rede.

“Apesar das valência que a região dispõe e da ligação ao porto de Sines, ainda não existiu qualquer esforço no sentido de potenciar o hidrogénio verde, daí que estejamos apostados não só na produção, propriamente dita, mas também na capacitação das diversas entidades, através do consórcio de parceiros, para a sua utilização”, diz Ricardo Sobral. “A capacitação de recursos humanos qualificados para trabalhar nesta área será outra das apostas”, acrescenta.

Assim, o PACT irá liderar a componente do projeto “focada na sustentabilidade e na escalabilidade das infraestruturas, equipamento e recursos humanos”, seja “através de uma educação compreensiva para tecnologias relacionadas com o hidrogénio, em colaboração com a Ciência Viva, seja contribuindo para capacitação de recursos humanos qualificados para trabalhar nesta área, em conjunto com o Instituto Politécnico de Portalegre”.

Ainda de acordo com Ricardo Sobral, nos objetivos do H2tALENT está também o estudo de soluções para “promover um impulso económico e uma interligação desta indústria para outros mercados”, bem como “delinear as melhores formas de continuar a expansão do vale de hidrogénio no Alentejo após o término do projeto”, aqui se incluindo a replicação da atividade desenvolvida na Saxónia (Alemanha) e nas Terras Médias de Inglaterra.

“Acreditamos que é um fantástico ponto de partida para o processo de descarbonização do Alentejo através da inovação e reforço de tecnologias de hidrogénio verde, e como um importante passo para a transição energética”, resume o gestor de projetos a trabalhar no H2tALENT, destacando as “oportunidades” que surgirão “para incentivar iniciativas empreendedoras nesta área, nomeadamente através da comunicação ao público e comunidades de estudantes e através da capacitação de capital humano qualificado para suportar o futuro desta indústria”.

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