João Mourato cresceu a cuidar da horta das vizinhas, começando a cozinhar com 15 anos. Lá por casa, em Portalegre, era ele que se entretinha a fazer o pão e alguns pudins. Foi-lhe tomando o gosto. O resto do percurso do jovem chefe fica para daqui a pouco, porque antes, na mesa da Quinta do Quetzal, a dois passos de Vila de Frades, começam a desfilar pratos como língua de vaca tonnato com maionese de atum e alcaparras, “trazida para os sabores da região” pelo coentro, cebola roxa e pão alentejano, ou um tártaro de beterraba, com queijo de ovelha e amêndoa tostada, a que a salada de agrião confere frescura e vitalidade.
Os lagostins do Guadiana chegam ainda vivos ao restaurante. João Mourato confeciona-os “à Bulhão Pato”, com um molho de gema de ovo a baixa temperatura e paia de toucinho. Os coentros recordam que sim, este também é um espaço marcado pela influência do que nos habituámos a classificar como cozinha tradicional alentejana. Haverá ainda um magret de pato com ravioli de cilarcas e um arroz de forno de enchidos com lombo de borrego, servido na companhia de um salame de espinafres com molho de iogurte.
Nas sobremesas, a sopa de morangos e caneloni de chocolate branco é já um clássico da “casa”, a que se pode somar um bolo de amêndoa e chila típico da região, chamado Convento da Vidigueira, que por aqui vai à mesa com uma bola de gelado Antão Vaz e creme inglês. Foi o crítico gastronómico Fernando Melo que batizou outro dos doces da casa, em tom assertivo: o Delírio de Vila de Frades faz jus ao nome de batismo, com uma espuma leve de abóbora, gelado de requeijão, amêndoa tostada e crumble de canela.
“Nunca gostei muito de estudar as disciplinas tradicionais. Como já tinha o gosto pela cozinha, decidi inscrever-me na Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre, fiz estágios no Grande Real Santa Eulália e no Vila Vita Parc Resort, depois comecei a trabalhar num hotel de cinco estrelas em Vila Viçosa, o Alentejo Marmoris, onde conheci o chef Pedro Mendes, que me convidou para este projeto como chef de cozinha. Estou cá desde o primeiro dia”, diz João Mourato.
Cá é o restaurante da Quinta do Quetzal, onde chegou com 20 anos. “Pensei que vinha apenas cortar tábuas de queijos e enchidos, foi difícil quando vi a casa cheia de gente”. Não se deu mal. A carta, segundo explica, é sazonal, mudando “ao ritmo da natureza”. Por esta altura, as favas e as ervilhas estão a chegar ao final de época, a da cereja está a começar. O aproveitamento dos produtos sazonais é acompanhado por uma matriz “de raiz alentejana, com um toque de contemporâneo”.
Como sublinha João Mourato, “o produto regional está lá todo”, cruzando-se com técnicas de outras partes do mundo. Aqui deixo alguns exemplos: cação frito com migas de coentros, borrego com puré de cenoura, espinafres e molho de hortelã, ou polvo assado, servido com batata doce, salada de pimentos e molho romesco, típico de Tarragona (Catalunha). Dias antes tinha-se o chef aventurado num arroz de perdiz à Fialho de Almeida, inspirado na receita deixada pelo escritor, mas a que acrescentou algumas cilarcas.
Quando viaja pelo mundo, em trabalho, conta João Mourato que a maior dificuldade é “arranjar os produtos simples” que tornam tão “especial” a cozinha alentejana. “Vou comprar coentro e aquilo é outra coisa, o azeite não é o nosso, o alho tem um sabor muito diferente”. Até para isso já encontrou solução: levar o que puder. “As aromáticas têm sempre lugar na mala, em especial o poejo que não se encontra em mais lado nenhum. Sim, esta é uma cozinha de terroir”. Palavra de chef.