Reguengos: O remédio da Câmara para curar a falta de médicos

No concelho de Reguengos de Monsaraz, em 2021, havia 31% de utentes com médico de família. Hoje são 79% e há uma nova médica para entrar. O “segredo” está num regulamento de apoio que resolve o problema da casa e incentiva a fixação de médicos. Ana Luísa Delgado (texto) e João Frutuosa (fotografia)

Concluídos os estudos, Diogo Amaral não hesitou no momento de escolher o local onde fazer a especialidade em medicina geral e familiar: Évora, a terra do pai. Acabada essa etapa, decidiu fixar-se na região concorrendo às vagas para médicos de família abertas pelo Ministério da Saúde. Ficou cerca de um ano no Centro de Saúde de Portel, depois mudou para o de Arraiolos, onde entretanto tinha aberto vaga e que sempre fica mais próximo de Évora. Mal teve tempo para “aquecer” o lugar, pois passados seis meses estava a caminho de Reguengos de Monsaraz.

“Uma colega informou-me sobre as condições que estavam a ser dadas aos médicos em Reguengos de Monsaraz, a palavra foi passando e comecei a ponderar os prós e contras de uma nova mudança”, refere Diogo Amaral, assegurando “que estava muito bem integrado na equipa” em Arraiolos. Tão bem que até pensou em ficar. 

“Falámos com a Câmara de Arraiolos pois a equipa é de quatro médicos, tinha saído um colega e se eu saísse ficariam apenas dois… não é uma decisão fácil de tomar”. A autarquia, lembra, “disse não se querer envolver na questão da saúde”, e as opções do médico ficaram mais claras: “vir para um sítio onde somos desejados e onde é feito um esforço para nos instalarmos”.

Em maio do ano passado, o Município de Reguengos de Monsaraz aprovou um regulamento municipal para apoiar a fixação de médicos de família no concelho, atribuindo-lhes um incentivo financeiro de mil euros mensais. Foram ainda disponibilizadas três casas de função para médicos e respetivas famílias, criado um apoio mensal de 250 euros para arrendamento de casa ou copagamento de deslocações e aprovados descontos no preço da água. Aqueles que construírem ou adquirirem casa no concelho ficam isentos do pagamento de IMI durante oito anos e terão uma redução de taxa nos quatro seguintes.

“Mesmo não sendo uma responsabilidade direta da autarquia, estamos a apresentar um dos maiores programas de incentivos a nível nacional para a fixação de clínicos neste concelho do interior do país”, disse na altura a presidente da Câmara, Marta Prates, numa altura em que boa parte da população não tinha médico de família.

Referindo que a saúde foi “uma prioridade” desde o início do mandato, a autarca faz agora as contas ao resultado do investimento nesta área. Em 2021 apenas 31% dos residentes no concelho tinham médico de família; em 2024 são mais do dobro: 79% têm médico atribuído, faltando ainda chegar aos restantes 21%. E estes apoios, confirma Diogo Amaral, são “importantíssimos” para a vida dos jovens médicos.

“Os médicos têm um salário acima da média nacional, mas também só começam a receber aos 27 ou aos 28 anos. Então, quando acaba o internato, quase ninguém conseguiu juntar dinheiro para aplicar na compra de uma casa, pois não recebemos mais de 1400 euros por mês. Ora, se existe uma oferta de trabalho que resolva o problema da casa isso tem muito peso na opção por um ou por outro local”, acrescenta Diogo Amaral, sublinhando que o incentivo pecuniário também é “decisivo”, sobretudo para os jovens médicos.

“Uma pessoa que tenha a sua vida estabelecida não vai deixar o centro de saúde, não se muda para uma terra do interior por um incentivo pecuniário de mil euros. Mas para quem está no início de carreira faz toda a diferença e isso explica porque todos os colegas que vieram para cá estejam no começam da sua vida profissional”, refere.

“Uma das situações mais precárias com que nos deparámos no início de mandato foi a área da saúde, com muitas pessoas a precisarem de um médico de família, a precisarem de consulta, a precisarem de acompanhamento, de diagnósticos, de receitas, a quem os médicos não conseguiam dar resposta porque eram em número insuficiente para os utentes inscritos”, contextualiza a presidente da Câmara, reconhecendo que a autarquia se está a substituir, “de forma absolutamente consciente”, a competências que em primeira linha deveriam ser assumidas pelo Governo.

“Fomos à procura de soluções, o ex-ministro da Saúde [Manuel Pizarro] chegou a vir cá, reuniu connosco, e percebemos que não havia capacidade de resposta, não por falta de vontade, mas por não ser prioritário. A solução foi recorrer ao orçamento municipal e criar um regulamento de apoio para conseguirmos fixar médicos no concelho”. Não foi fácil, desabafa Marta Prates, pois “criar um regulamento municipal é sufocante”.

Entre aprovações, prazo de consulta pública e publicação em “Diário da República” surgiu a informação de que um dos médicos estava indeciso entre partir ou ficar. “Escrevi-lhe um email, com o coração nas mãos, a pedir-lhe para ficar connosco e a informar sobre o novo regulamento. Acabou por ficar, outros vieram… não tem sido um processo fácil uma vez que não há assim tantos médicos que queiram vir para o Alentejo, é moroso, mas temos conseguido obter bons resultados”, conta a autarca, revelando que a Unidade de Saúde Familiar de Reguengos está a funcionar com cinco médicos, mais dois que já se encontram aposentados e foram contratados a meio tempo. “Temos cinco médicos ao abrigo deste apoio, mais uma médica que entrará em julho”.

Além de haver muitos mais utentes com médico de família, outra das consequências práticas da fixação de profissionais foi a reabertura das extensão de saúde nas freguesias, que permaneciam fechadas desde a pandemia de covid-19. “Neste momento estão todas a funcionar”. Os utentes, esses deixaram de ter necessidade de se deslocar à cidade.

“Quer saber o que encontrei quando cheguei a Reguengos de Monsaraz?”, questiona Diogo Amaral. “Encontrei doentes insatisfeitos, e com razão, porque eram pessoas que não tinham aces- so a cuidados de saúde de qualidade e a quem os médicos que cá estavam não conseguiam dar resposta, não por falta de competência ou de vontade, mas porque eram cada vez menos”.

Nessa altura, lembra, havia apenas dois médicos especialistas na Unidade de Saúde Familiar, sendo que uma das médicas estava com horário reduzido. A estes somavam-se mais três médicos aposentados, com 20 horas semanais de prestação de serviços. “Ou seja”, resume Diogo Amaral, “o que existia equivalia a três médicos e meio para um centro de saúde que precisa de sete para funcionar. É impossível esperar que qualquer um de nós possa trabalhar o dobro e fazê-lo com a mesma qualidade”. Cada médico, note-se, acompanha entre 1600 e 1700 doentes.

Quanto a fixar-se em definitivo em Reguengos, o médico é pragmático: “Neste momento estou cá e estou feliz, toda a gente no centro de saúde partilha essa felicidade e pretende ficar o máximo de tempo possível”. Com a namorada por cá também, confessa, é mais fácil. “Os médicos são pessoas como outras quaisquer e têm de trabalhar onde haja melhores condições. Mas, a partir do momento em que se fixam num sítio… também ninguém gosta de estar a mudar de casa todos os anos. As pessoas gostam de estabilidade. E, neste momento, para mim, o mais importante é essa estabilidade para conseguir casar, ter filhos e fazer a minha vida”.

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