Desde pequenina que faz tricô e foi nesta área que teceu a sua vida. Quis conhecer a origem da lã e passou tempo no campo para saber as características desta fibra natural das 16 raças autóctones que povoam as nossas pastagens e que se agrupam em bordaleira, churra e merina.
“Sempre fiz malha e comecei a reparar que nas lojas de tricô não existiam fios de lã portuguesa. Mesmo que existissem marcas portuguesas a matéria-prima não era nossa, ou então, não era identificada como tal. Na altura, estava a fazer investigação sobre o têxtil para um livro que publiquei sobre a história do tricô em Portugal e comecei a pensar que não fazia sentido termos o conhecimento e a matéria-prima e não termos nas lojas o fio e a marca com selo português”, diz Rosa Pomar.
Foi nessa altura que começou a visitar fábricas e a investir num conhecimento mais aprofundado sobre as várias raças e os vários tipos de lã, com o objetivo de a transformar em novelos e tecidos de qualidade, dignos de serem vendidos em qualquer parte do mundo. E, assim, desta vontade nasceu a sua marca, Rosa Pomar, que mora na Retrosaria, situada na Rua Maria Andrade em Lisboa, por onde passa uma boa parte dos turistas que visitam a cidade à descoberta da “arte de fazer à mão” e de toda a história que cada fio vai revelando.
Em 2019 interessou-se pela lã da ovelha campaniça, que habita a região do Baixo Alentejo, conhecida como Campo Branco, uma ovelha muito resistente, habituada a solos semiáridos e com imenso potencial de transformação. “Não sendo uma lã superfina e suave, que são as características que a indústria mais procura, as fibras da campaniça têm uma espessura suficientemente fina para se usarem sobre a pele e também são boas para se fazer um casaco ou uma camisola”, revela.
Rosa Pomar conta tratar-se de uma lã muito longa, e isso aumenta o potencial daquilo que se pode fazer. “Comparando a lã de campaniça com a de merino, duas raças que existem no Alentejo, a primeira sendo mais longa dificilmente cria borboto, o que é uma vantagem. O fio que fazemos tem grande qualidade e aceitação lá fora, embora estejamos sempre a falar de um nicho de mercado”. Por essa altura “bateu à porta” da Associação de Criadores de Ovinos do Sul (ACOS), com a qual tem construído uma relação de confiança em que é ela própria a fazer o preço.
UMA RAÇA EM PERIGO
Miguel Madeira, veterinário responsável pela área técnica da produção e sanidade da ACOS, produtor e também vice-presidente desta associação, salienta a importância de se trabalhar a lã das raças autóctones através de parcerias com artesãos que valorizem a produção. A raça campaniça encontra-se em vias de extinção, existindo cerca de 10 mil reprodutoras inscritas no livro genealógico, e, por isso, a lã nunca é mui- ta, tendo em conta que cada ovelha campaniça dá em média dois quilos de lã por ano.
“Falamos de cerca de 20 mil quilos que estão disponíveis em cada campanha e a Rosa Pomar já compra entre 15 e 16 mil, tendo vindo, ao longo do tempo, a aumentar a quantidade de lã comprada”, refere Miguel Madeira destacando este projeto inovador em que se valoriza a lã, pagando-a muito acima do preço de mercado, sendo que a mais-valia resultante é devolvida ao produtor, o que permite que esta deixe de ser um resíduo nestas explorações.
Obter, da parte dos produtores e das associações, um compromisso que passa pelo tratamento adequado desta matéria-prima no ato da tosquia e da seleção é um aspeto central. Uma má tosquia pode estragar a matéria-prima, assim como um mau armazenamento e, ainda antes destas duas ações, há um trabalho fundamental que, atualmente, é difícil fazer [pelo facto de a lã ter um valor residual para o produtor] que consiste no melhoramento da raça tendo em vista a obtenção de uma lã de maior qualidade.
“Naturalmente que os nossos produtores fazem melhoramento dos aspetos mais rentáveis e que, no caso, são a carne e o leite, dependendo da vocação da raça. No Alentejo as raças estão vocacionadas para carne, apesar de antigamente serem selecionadas, em primeiro lugar, em função da lã, depois do leite e estrume e em último lugar da carne”, acrescenta a artesã referindo que a atual ordem de prioridades em nada beneficia a lã, produto que é necessário valorizar para que seja novamente apelativo para o produtor investir na seleção em função da fibra natural.
Este ano ainda não se falou de preços, mas a ACOS sabe que Rosa Pomar paga o máximo que consegue. Depois do final da tosquia, a lã tem de ser lavada para depois ser trabalhada e, este ano, a artesã revela uma preocupação séria dado que o único lavadouro industrial de lãs que existia em Portugal, na Guarda, fechou portas e não há perspetivas de voltar a abrir. Isso significa que será necessário ir a Espanha lavar a lã, o que acarreta custos mais elevados.
“O transporte de lãs em sujo é muito caro porque, à luz da legislação europeia, a lã é uma matéria equiparável ao sangue, às vísceras e aos ossos e legalmente tem de ser transportada por empresas certificadas”, explica Rosa Pomar, referindo que a lã que vai comprar em 2025 irá ser lavada em Espanha, num lavadouro perto de Madrid, cujos preços são muito mais elevados que os praticados em Portugal.
“Vou arriscar e fazer este investimento porque não tenho alternativa. Felizmente, o projeto tem crescido e está financeiramente robusto o que me permite tomar esta decisão e depois logo verei se me compensa”, desabafa, salientando a relação de compromisso que tem com as associações e com os produtores.
Acompanhar as tosquias é um dos trabalhos que costuma fazer. Dada a falta de tosquiadores portugueses, a ACOS contrata uruguaios, profissionais especializados com um bom nível de conhecimento técnico, que acautelam a matéria-prima logo no próprio ato.

“Se não temos um cuidado extra em todos os passos do processo, então, não temos uma matéria-prima capaz de ser transformada em produtos de qualidade. O foco do meu projeto é conseguir criar o melhor produto com a matéria-prima que temos e sabemos que as lãs de raças autóctones não são as mais macias, nem as mais fáceis de trabalhar”, acrescenta Rosa Pomar, salientando a necessidade de haver criadores empenhados, uma boa tosquia, feita com os animais secos, em piso limpo e nunca em cima de palha, boas condições de armazenamento, num local coberto onde não chova nem existam parasitas e outros infestantes.
Deve ser acondicionada em sacos de fibras naturais, como a serapilheira, ao invés dos sacos de adubo que não a deixam respirar e onde se tornou habitual guardá-la. Cumpridas estas duas condições, a lã é transformada em fio, que culmina no novelo, o principal produto da marca Rosa Pomar, embora haja outros que resultam do desperdício e que, no ano passado, começaram a valorizar e a transformar em feltro.
“A partir da matéria-prima que não posso transformar em fio nasce um subproduto que pretendemos de alta qualidade, gerando menos desperdício, e provando que a lã é uma matéria-prima sustentável e amiga do ambiente”, acrescenta. Exemplos disso são um estojo para lápis ou uma manga térmica para manter as garrafas de vinho frescas, que desenhou em feltro e lançou na última Ovibeja, uma das maiores feiras agrícolas do país.
URGÊNCIA NA CERTIFICAÇÃO
“É interessante porque normalmente associamos a lã ao aquecimento, mas, se falarmos com um pastor, ele diz-nos que o que protege do frio também protege do calor”, sublinha a artesã referindo que a ideia partiu do projeto final da filha, que estudou design de produto. “Criámos um produto feito a partir de feltro de lã, mostrando-a como isolante térmico, que mantém o frio, característica que normalmente as pessoas não associam à lã e, assim, fechámos um ciclo porque a lã que saiu da ovelha campaniça, ali dos arredores de Beja, voltou à Ovibeja transformada”, diz, alertando para a urgência que existe em certificar todo o processo da fileira da lã desde a ovelha até à camisola.
Isso acrescentará valor e o consumidor começará a reconhecer vantagens em comprar este tipo de produto ao invés das fibras sintéticas. “Se tivermos um selo que garanta a origem daquela lã, proveniente de uma raça autóctone que se encontra em vias de extinção, como foi transformada e processada em ciclo curto, com uma pegada ambiental pequena, estaremos no bom caminho”, explica Rosa Pomar. Em Portugal não existam certificações completas que atestem que os novelos são 100% de lã portuguesa de raças autóctones, embora no seu caso todo o processo seja concebido respeitando estas premissas.
A nível europeu, as ideias e os projetos que implicam a lã estão a passar por valorizá-la como material de compostagem e até como substituta das mondas químicas desviando esta matéria-prima do seu propósito primordial.
“Creio que nunca nos podemos esquecer que a função principal da lã é o têxtil e nós temos sectores que estão a olhar mais para lã, em que a lã está a crescer, nomeadamente o têxtil lar, porque os bons tapetes continuam a ser de lã, assim como a decoração de alta qualidade que a continua a eleger como matéria-prima”, fria Rosa Pomar, referindo que existe todo um trabalho a fazer de combate à fast fashion.
Isso passa por mostrar ao consumidor uma etiqueta onde se explique como a peça é “construída”, à semelhança do que se tem feito na área alimentar com a tabela nutri score que aparece nas embalagens de muitos alimentos.
Transformar a lã de uma ovelha, criada na natureza e que está em vias de extinção, numa peça de roupa tem um valor intangível. A empresária fala ainda do poder terapêutico do tricô, que se transforma num hobby produtivo e carregado de valor emocional. “Termos o poder de com as nossas mãos criarmos uma camisola que, depois vestimos ao nosso filho ou ao nosso pai, é algo muito bonito, sempre teve valor e creio que continuará a ter”, acrescenta.
O valor da mão, o valor do afeto e do tempo, reunidos numa só peça, que depois vai aquecer alguém que nos é querido é algo poético. Rosa Pomar consegue transportar essa poesia para cada um dos seus novelos, a quem dá um nome e uma história. Estes estiveram no Pavilhão de Portugal, na Expo 2025 em Osaka, onde a artesã foi convidada a fazer dois workshops: um, sobre como fazer malha com o fio ao pescoço, que é algo muito português; o outro consiste em transformar a lã em fio através dos métodos artesanais portugueses. É curioso que o fio que vende mais no Japão seja feito 100% de lã campaniça.