Rui Arimateia: “A comunicação e a experimentação da cidadania”

A opinião de Rui Arimateia, etnógrafo

Estão de parabéns todos os que, como se costuma dizer em “alentejanês”, ajudaram a puxar a carroça ladeira acima… revista que desde a primeira hora se diferencia qualitativamente pela defesa e assunção do diálogo, pela independência editorial e pela liberdade de conteúdos. No fundo, a Alentejo Ilustrado assume-se como uma proposta de comunicação jornalística alternativa, em que a aposta nos temas socioculturais e numa temática política não partidarizada nos enriquece e contribui sem dúvida alguma para uma maior conscientização das nossas riquezas e das nossas misérias enquanto habitantes do Aquém-Tejo!

Olhando para o panorama geral da comunicação que se faz no nosso país, estamos permanentemente a confrontar-nos com presságios e com sinais de que algo não está certo, nos tempos que correm. Em primeiro lugar com a omnipresença de uma comunicação social parola, incompetente, manipuladora, apologista do catastrofismo fundamentalista e pseudo religioso… basta ver e ler as notícias que proliferam à nossa volta – televisão, jornais, revistas, Facebook, internet…

A receita do “bolo” diário informativo é fácil de reproduzir: em primeiro lugar juntar abundantes notícias sobre as inúmeras guerras em curso, umas colheradas de terramotos, incêndios e inundações, sempre com o lume alto para garantir as altas temperaturas que se fazem sentir.

De vez em quando uma nota sobre as mutações climáticas, q.b., para não pôr as pessoas a pensar, regando tudo isto com crimes, violências domésticas, assaltos em que a tragédia quotidiana é rainha e a desinformação sobre as causas reais destas situações, é moeda corrente. Isto para não falarmos da insistência no futebol e mais futebol, se calhar à laia de uma sobremesa algo pesada, com muita proteína e açúcares à descrição.

Resultado da deglutição da “iguaria”: obesidade mental de quem é alimentado, tantas vezes passiva- mente por esta intervenção política global e globalizante.

Consequências nas práticas e comportamentos das pessoas nas suas sociedades locais: fundamentalismos ideológicos, corrupção, demagogia, hipocrisia, prepotência, antipatia, ausência de diálogo e de parti- lha, finalmente a destruição completa e irreversível de uma ou outra identidade cultural por vezes com centenas se não milhares de anos de existência…

Um exemplo concreto de uma cultura com raízes nas profundidades genésicas da civilização indo-europeia é a dos “filhos da estrada e do vento, linda expressão poética por que tradicionalmente são conhecidos os ciganos. Deixou-nos escrita Azinhal Abelho uma quadra a propósito desta etnia que poderemos encontrar um pouco por todo o território do nosso Alentejo: “Cigano de mal andar,/ Quem te dá acolhimento?/ Procuras pátria e um lar,/ Filho da estrada e do vento”.

Continua a ser uma etnia com características culturais e comportamentais singulares. Admirados por uns, odiados por outros, olhados com curiosidade, o que é certo é o facto de, apesar de séculos e séculos na sua qualidade de andarilhos e de sofrerem perseguições e quase extermínios, a sua resiliência transportou-os até aos nossos dias.

O “problema” da integração nas sociedades ditas modernas persiste. As suas raízes culturais são profundas e se não forem convenientemente estudadas, compreendidas e divulgadas, o “problema social” transformar-se-á em “mal social” com todos os inconvenientes daí resultantes.

A não compreensão de um determinado fenómeno social leva-nos facilmente à exclusão e à recusa de diálogo. Perante um problema de difícil resolução, o senso comum há muito “normalizado”, habituou-se a escondê-lo, a varrê-lo para debaixo do tapete, como se costuma dizer. E aí se vai avolumando até atingir pro- porções críticas, por vezes originando consequências irreversíveis no sentido de se encontrar uma harmonia social e cultural a contento de todos.

O espírito científico perante o desconhecido propõe aproximações e pesquisas cada vez com maior profundidade e alcance, para tentar compreender o objeto investigado na sua totalidade, procurando compreender, no fundo, qual o seu sentido para a vida. O mesmo acontece com as investigações de carácter sociocultural.

Sendo a cultura cigana praticamente desconhecida perante uma sociedade que tem sido ao longo de séculos desinformada através do preconceito e do erro; se essa sociedade não for educada e informa- da, só lhe resta continuar a manifestar um conjunto de comportamentos exclusivos e muitas vezes xenófobos e racistas em relação, neste caso concreto, das comunidades ciganas.

Observemos com atenção as parangonas oportunistas da extrema direita, infelizmente em ascensão na nossa sociedade atual, que adora “pegar” nos males sociais e carregar com força o dedo na ferida! Um dos casos preferidos por essa gentalha é a comunidade cigana, nomeadamente nos mais pequenos aglomerados do interior do país onde as pessoas, ciganas e não ciganas, são mais vulneráveis e mais desprotegidas social e culturalmente!

Como podemos ver o que se passa através das diversas ações político-partidárias dos apaniguados dessa espécie de partido que é o Chega. O qual nem deveria ser nomeado a fim de não lhes fazer inchar os seus egozinhos doentios e de curta memória.

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