Sei bem que o Chega tem deixado rasto, como os caracóis, seguindo na sua lentidão, o solitário caminho que desenhou. No entanto de lento, o Chega nada tem. Nas passadas eleições legislativas elegeu deputados nos três distritos do Alentejo, e no de Setúbal, onde estão acantonados alguns dos concelhos da região. Ao fazê-lo alienou o candidato da CDU por Beja, desvaneceu a ténue miragem de Alma Rivera por Évora e barrou a hipotética eleição dos segundos candidatos de PS ou AD. O partido mais à direita do parlamento português ocupou o sul de Portugal, conseguindo vencer no distrito algarvio e na cidade alentejana de Elvas. Perante as palmas de alguns, a surpresa da maioria resvalava para o choque.
Surpresa para todos? Não para o candidato por Évora: “Ao longo da campanha, fui apercebendo-me da possibilidade de ser eleito. Porque entre as pessoas nas ruas, via a empatia e compreensão relativamente a mim e ao projeto do Chega”. Nos meandros da Assembleia da República, o ex-PSD Rui Cristina deixa remorsos nas hostes sociais-democratas e não só. Várias considerações foram ao encontro da tónica de deceção, por ter abandonado o seu anterior partido, em prol do Chega: “É que ele é um político sério, e vai dar credibilidade ao Chega”, repetiam.
Incólume, o engenheiro persiste no relacionamento humano, retirando a carga das siglas: “No PSD sentia-me constrangido, diante de algumas matérias, como por exemplo sobre os transvases. Eu acredito que essa pode ser parte de uma solução, para colmatar a falta de água no Sul. Ora no PSD, sempre que falava nisso, sentia pressão para não o fazer”. E no Chega? “Sinto-me muito mais livre, o André Ventura é muito mais flexível e quer fazer a diferença”.
Como lhe veio, essa peregrina ideia de se candidatar por Évora? “De novo, foi um desafio lançado por André Ventura”, confessa Rui Cristina, relembrando que durante os 50 anos de democracia, basicamente governados pelos dois partidos do chamado arco do poder, continuam evidentes as “lacunas nas ligações entre os concelhos do distrito, no preço elevadíssimo da habitação e a sua escassez, numa agricultura que deveria ser unificadora, mas nem defendida é”, e muito mais em áreas como a saúde, a educação. Eis alguns dos fatores que segundo o próprio, estão hoje, em condições lastimáveis. Tece algumas comparações entre os níveis de carência existentes no Algarve (de onde vem) e o Alentejo, considerando-as como gravosas e indiciadoras do desfavorecimento social.
Pegando nessa referência à sua origem, pergunto-lhe se vai acontecer o mesmo que com outros eleitos, sobretudo vindos de fora da região alentejana, que é desaparecerem depois de chegar ao Parlamento. “Comigo isso não acontecerá. Pretendo vir no mínimo todos os 15 dias, para estar e dialogar com as forças vivas da região. É o mínimo. As pessoas não podem ser abandonadas, porque um deputado tem compromissos para com os seus eleitores”. E perante o meu ar dubitativo, remata, “sei que é um esforço pessoal e familiar, mas cá estaremos para prestar contas”.
Percebe-se no deambular da conversa, que o eleito não é alentejano, mas também é notório, que se preocupa em conhecer a região e se investiu, vivendo por cá estes últimos meses, para aprender e demonstrar a sua seriedade. O custo disso, uns (poucos) quilitos a mais, pois “a gastronomia alentejana é fabulosa, mas não perdoa”.
A água ou a falta dela, é uma das suas preocupações, e menciona o Alqueva diversas vezes. “Há dias soubemos que o bloco de rega de Reguengos vai ser uma vez mais, adiado. Não pode ser! É inadmissível que seja adiado esse, e o bloco de rega de Mourão, do qual nem falam!” reclama Rui Cristina, apelando ao investimento na agricultura local, bem como nas estradas que servem as localidades. Sente-se que a campanha eleitoral ainda está perto, e o discurso bem rodado no seu vivo tom de voz.
Aos 45 anos este engenheiro civil tem o futuro pela frente. Provoco-o para saber se, o Chega é um partido do regresso ao passado, como dizem? O rosto dele ilumina-se e declara que é “claramente” do futuro. “A campanha que nos apelida de xenófobos e racistas, é enganadora. Somos de direita sim, mas não de extrema-direita. Vamos ter um trabalho duro pela frente, mas os portugueses podem confiar em nós e provaremos isso”, conclui.