SEL celebra 40 anos com investimento de quatro milhões em perspetiva

A Salsicharia Estremocense (SEL) está a celebrar 40 anos. Em entrevista, o fundador, Francisco Arvana, recorda as quatro décadas de atividade de uma empresa que se tornou num dos maiores empregadores do concelho, dando trabalho a cerca de 130 pessoas. Em perspetiva está um investimento de quatro milhões de euros numa unidade para fabricar presunto. “Empresa que não evolui, morre”, diz o empresário. Ana Luísa Delgado (texto e fotografia)

Nasceu em Estremoz?

Sim, aqui mesmo em Estremoz, em 1958. O meu pai era mestre, desde 1940, no matadouro que então existia em Estremoz. Lembro-me de o acompanhar quando tinha aí uns 10 anos. A minha mãe trabalhava num talho que o meu pai alugou, ou seja, ficou com o subaluguer do talho no início da década de 70.

Ou seja, desde muito novo que teve contacto com este mundo?

Sim, a partir dos 12 anos que foi quando saí da escola. Comecei a trabalhar no talho com essa idade porque o meu irmão mais velho teve de ir para a tropa. Lá fiquei entre os 12 e os 14 anos, era ainda muito criança. O meu pai achou que as coisas não estavam a rodar bem e então entregou o talho e eu fui para outro de uma empresa agrícola que trabalhava em Estremoz, e que era do dr. Taborda Ferreira, pai do toureiro. Uns anos depois, teria aí uns 18, fiquei como chefe desse talho porque o operador mais velho que lá estava fez algumas falcatruas e então o patrão despediu-o e fiquei eu. Ficando eu como chefe, veio um outro moço, de Vale de Maceiras, também da minha idade, para trabalhar comigo.

E quando é que decide abrir esta empresa, que faz agora 40 anos?

Esta empresa foi aberta… há aqui uma história que vale a pena contar. Tudo começou em 1980, em nome individual, de Francisco Arvana. Em 1984 fui visitado pelas Finanças e desafiaram-me a fazer uma empresa. Assim fiz, formei a empresa e nesse ano nasceu a Salsicharia Estremocense (SEL). Havia muitas salsicharias em Estremoz. E, olhe, uma tinha este nome, só que não estava registado. Então fiz a pergunta aos organismos oficiais, disseram-me que havia a possibilidade de registar esse nome e assim fiz. Registei a empresa como Salsicharia Estremocense.

E como é que reagiu o dono da outra empresa?

Não reagiu porque ele sabia perfeitamente que não a tinha registada… nem disse nada. Pouco tempo depois desistiu da salsicharia, porque tinha um irmão que, esse sim, é que trabalhava na salsicharia. Esse irmão faleceu e ele desfez-se da empresa.

Começou aqui, nas atuais instalações?

Não, não. Começou no número 15 da Rua de São Pedro. Eram duas casas, mas tudo somado dava aos 150 metros quadrados, uma coisa muito pequenina. Ainda na década de 80 comprei o trespasse dessa salsicharia a uma pessoa que já tinha 81 anos… e que tinha um estabelecimento no Mercado de Estremoz, uma barraquinha sem frio, sem luz, sem nada. Na altura vendia-se carne aqui. Em 1984, quando constituímos a empresa, vimos que já não conseguíamos fazer naquelas instalações tudo o que pretendíamos para servir os clientes.

Devido a ser um espaço reduzido?

Olha, o senhor José Torra, que era o antigo proprietário daquela salsicharia, matava um porco por semana e eu, em 1984, já matava 25 por semana. Já não era possível ficar ali e então, como o país iria entrar na então Comunidade Económica Europeia [atual União Europeia] decidimos apresentar um projeto para ter alguns apoios e vir para aqui. E aqui fizemos 480 metrosquadrados, em 86, tendo sido apoiados em oito mil contos.

O senhor e a sua esposa?

Trabalhámos sempre juntos, sempre. Depois, em 1985, acabámos por abrir um talho no Largo da República, em Estremoz, já não se podia vender carne como nas barracas, porque não tinham eletricidade nem possibilidade de ter frio, havia novas regras, pelo que abrimos o talho. Talho esse que nos deu muita força para aumentarmos a produção.

Já tinham outros trabalhadores?

Ora… era a minha mãe, a minha sogra e mais duas pessoas. Ao fim de oito dias de aqui estarmos vimos que precisávamos de mais pessoas, e então metemos mais trabalhadores para a parte dos frescos, a que se juntou a contabilidade. Passámos a ser dez pessoas.

Os porcos eram aqui da região?

Nessa altura nós tínhamos um contrato… sempre trabalhei com acordos com os produtores, porque não tinha tempo de andar no campo a ver de animais, como se usava nessa altura. Os salsicheiros saíam para o campo para escolherem os animais e eu vi que não podia fazer isso pois tinha de trabalhar nas carnes. De modo que arranjei maneira de fazermos acordos com os produtores. Esse primeiro, creio que ainda existe, era o senhor Adelino Guarda, que vivia no Montijo.

Então era daí que recebia os porcos?

Não, não, ele vivia no Montijo mas tinha a produção aqui em Elvas. Nessa altura já estávamos a matar 150 animais por semana para produzir enchidos e carnes frescas, que eram depois comercializadas no nosso talho. Depois fomos sempre evoluindo, até aos dias de hoje. Chegámos a matar 220 animais por semana, entre porcos brancos e pretos. Olhe que o porco preto só começou a aparecer aqui no início da década de 90. Antes praticamente não havia, tínhamos de andar à procura deles. Então matávamos à volta da 170, 180 porcos brancos por semana, e o restante era porco preto.

Aí é que já se viu obrigado a ir para o campo.

Tive de ir, pois. Nessa altura, década de 90, fiquei com a parte de produção e essa procura de porco preto, enquanto a minha mulher passou para o talho. Os meus filhos só vieram para cá muito depois, a partir de 2004. A minha filha Sofia estava a tirar o curso de agroalimentar em Beja e o Mário a meio do curso de marketing. Até hoje estão a trabalhar comigo, cada um na sua área.

Neste momento a SEL tem quantos trabalhadores?

São 125. Nós transformamos muita carne, embora os frescos sejam numa quantidade mais ou menos equivalente. Vendemos tanto de frescos, a carne do animal, sejam lombinhos, lombo ou cabeça de porco, por exemplo, como enchidos. Houve uma grande transformação com o aparecimento dos supermercados e por isso estamos também a fazer presunto, um produto que nunca tinha pensado fazer pois é uma vida totalmente diferente. Fazer enchidos é uma coisa, fazer presuntos é outra totalmente distinta. Tão diferente que numa determinada altura, em que não conseguia fazer mais enchidos aqui, fui para um outro espaço onde faziam presunto, em Campo Maior. Faziam lá presunto. Como estava aqui muito apertado com a parte da produção, fomos para lá, alugámos a salsicharia durante uns tempos. Olhe, os nossos clientes começaram a dizer que os enchidos sabiam a presunto e tivemos que desistir dessa ideia e concentrar tudo outra vez, produzindo apenas o que podemos.

Já faziam presunto nessa altura?

Nessa altura ainda não. A salsicharia de Campo Maior é que deixou de fazer presunto, depois ficou nas mãos de uma pessoa aqui de Borba, mas foi por pouco tempo, não teve êxito. O tipo de fabricação dos enchidos e dos presuntos é totalmente diferente. O presunto tem de estar um ou dois anos a envelhecer e, onde está, a flora tem que ser própria. A flora dos enchidos é uma e a do presunto é outra. Se há misturas as coisas não correm bem. Atualmente fazemos presunto numa outra empresa. Estamos a fazer o nosso presunto em Barrancos, mas dentro de poucos anos vamos começar a trabalhar num espaço aqui ao lado para termos tudo centralizado, embora nunca no mesmo espaço.

Como olha para estes 40 anos da SEL?

Corresponde praticamente aos anos de trabalho de um ser humano. É sinal de ter de passar [a empresa] a alguém e foi isso que nós fizemos. Deixámos ficar aqui os nossos filhos, embora a minha esposa ainda faça parte da empresa, ainda está no ativo. Eu, como sofri um AVC, acabei por me reformar.

Embora continue a ser o rosto da empresa.

Sim, ainda faço algumas coisas, estou por exemplo a tomar conta da manutenção.

Para onde é que vendem os diferentes produtos?

Houve uma época, até ao início do século, em que trabalhávamos só aqui no Alentejo, Alto e Baixo. A partir daí começámos a ir para Lisboa, Santarém, até ao Algarve. A Europa já recebe produtos nossos, como por exemplo França, Inglaterra, Alemanha ou Luxemburgo, todos eles com números muito equiparados. Temos ultracongelação por criogenia e fazemos exportação de produto congelado, dos frescos.

Atualmente os porcos vêm de que regiões?

De várias empresas com quem temos acordos. O porco preto é todo ele aqui do Alentejo. O branco vem da zona de Abrantes.

Muitas empresas queixam-se da falta de mão-de-obra.

Já aqui temos alguns trabalhadores brasileiros, há muita falta de mão-de-obra. A Salsicharia e a Câmara são as entidades que mais pessoas empregam no concelho. Não há evolução em Estremoz. O que evoluiu foram os supermercados.

Por falar em supermercados, a SEL está presente em quase todas elas?

Vendemos para quase todas. Queremos vender para as grandes superfícies, mas também vendemos às pequenas empresas. Não é bom estar nas mãos dos supermercados porque eles fecham a porta quando querem. Já tivemos alturas em que o Pingo Doce não nos aceitava como fornecedores. A nossa empresa é certificada e o produto sai um pouco mais caro, e nessa altura não queriam que aumentássemos os preços e deixaram de comprar. Regressaram ao fim de dois ou três meses.

E além disso, segundo tem sido noticiado, todos aqueles descontos e promoções acabam por ser pagos pelos produtores. Já lhe aconteceu isso?

Já sim senhor, não anuímos a pagar o que queriam. Num ano pediram-nos 35 mil euros, depois queriam o mesmo e nós não anuímos. O produtor é que paga tudo, é que faz as promoções. Têm um software para nos fazerem as encomendas, mas quem o paga somos nós. Mas estamos também nas pequenas lojas do comércio tradicional e temos duas lojas aqui em Estremoz. As casas são nossas, mas exploradas por outras pessoas. Vendemos ao mesmo preço que ao outro comércio.

Para terminar, o que espera do futuro?

Eu consegui introduzir a ideia, junto dos meus filhos, que a empresa tem de estar sempre a evoluir. Empresa que não evolui, morre. E eles assim estão a fazer. O presunto já será fabricado na nossa empresa dentro de pouco tempo e, para isso, eles terão de fazer um investimento muito grande, à volta de quatro milhões de euros.

“CÂMARA NÃO NOS DEIXOU FAZER UM MATADOURO”

Entre idas e vindas, para ir buscar os porcos, pretos ou brancos, a Salsicharia Estremocense tem de suportar os custos decorrentes de viagens de 400 quilómetros. Francisco Arvana diz que chegou a ponderar construir um matadouro nos arredores de Estremoz, mas a resposta do atual Executivo foi taxativa: “Não permitiu que se fizesse”.

Qual o balanço destes 40 anos?

Começámos e não demos por ela crescer. Foi acontecendo. Num mês a matar cento e pouco, no seguinte mais 10 e assim sucessivamente. Chegámos a uma altura em que eram tantos animais em movimentação que fizemos parte de uma sociedade de três empresas que ficaram com o matador de Sousel. Mas um dos sócios expandiu para os países árabes que não queriam o contacto, no abate, das carnes que compram, de borrego, com o porco. Não comem, nem podem ouvir falar no consumo de carne de porco. E, então, essa pessoa comprou a parte das outras empresas, para conseguir fazer o abastecimento de borrego para esses países. E assim foi, nós afastámo-nos de Sousel e quisemos fazer um matadouro aqui em Estremoz. E o presidente da Câmara de Estremoz, como muito progressista que é, não deixou, não permitiu que se fizesse.

Como não deixou?

Foi empurrado por alguns cidadãos daqui… diziam que os porcos deitam um cheiro desagradável e, então, não os queriam aqui. A Câmara anuiu a isso e não permitiu que o projeto avançasse. Sendo assim, pedi então à Câmara que me aconselhasse sobre se seria possível fazer o matadouro a alguns quilómetros da cidade, a dois ou três, num pedaço de terra de 30 hectares e também não permitiram. O que é que vi? Que havia aqui qualquer coisa comigo ou com a Salsicharia Estremocense. O presidente e a arquiteta não gostam de mim, nem da minha empresa.

Porquê, se dá trabalho a tanta gente?

Política. E isso de dar trabalho, para eles, não interessa. Tivemos de desistir do projeto. Há alturas próprias para uma empresa investir. Passaram-se três anos, não foi possível investir e então desistimos.

Como é que fazem agora?

Para ir buscar um porco preto temos de percorrer 400 quilómetros e estamos a fazer, para o porco branco, uma distância idêntica. São 200 quilómetros para cada lado. É um prejuízo para a nossa empresa e não nos dá a estabilidade que poderíamos ter, pois com mais 10 ou 12 funcionários seríamos capazes de fazer o abate. Assim, temos de percorrer 400 quilómetros para ir buscar os animais.

Qual foi a justificação, concreta, que lhe foi dada pela Câmara?

Simplesmente não. Pelo presidente e pela arquiteta. Não nos veem com bons olhos… é política. Acredito que com outro partido conseguiria fazer o matadouro.

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