Não se conhecem nenhumas imagens de João de Sousa Carvalho. E, no entanto, foi um dos mais notáveis músicos portugueses do século XVIII, com as suas óperas a serem apresentadas nos palácios reais. Ao contrário de Mozart ou de Bach, seus contemporâneos, a música de Sousa Carvalho continua a ser pouco tocada, mesmo em Portugal.
Mas basta uma rápida pesquisa pela internet para ouvir de que se fala quando se trata de Sousa Carvalho: por lá circula o vídeo de um concerto realizado há quatro anos no Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova, em que a Orquestra Sem Fronteiras, dirigida por Martim Sousa Tavares, interpreta a abertura de “L’Amore Industrioso”, porventura a ópera mais famosa do compositor alentejano.
No Spotify a escolha é maior: 10 temas, incluindo “Penelope nella partenza da Sparta” [“Penélope saindo de Esparta”], datada de 1782, outro dos seus temas mais conhecidos.
João de Sousa Carvalho nasceu em Estremoz a 23 de outubro de 1753, filho de Paulo de Carvalho e de Ana Maria Angélica, um casal que, como conta Mafalda Nejmeddine, era oriundo de Viseu e de Lamego, tendo-se fixado no Alentejo “à procura de fortuna”.
Com oito anos, entra o rapaz no Colégio dos Santos Reis Magos, anexo ao Paço Ducal de Vila Viçosa. Fundado no século anterior por Teodósio II, Duque de Bragança [pai de D. João IV”], era ali que se formavam compositores para a Corte. “Por terem de apresentar os seus trabalhos perante um público (nobre) mais exigente do que os frequentadores das igrejas, produziam obras tecnicamente mais elaboradas, nomeadamente no campo vocal, já que a capela do palácio ducal dispunha de 24 cantores, enquanto nas igrejas não se escutavam mais do que quatro vozes”, assinala a página de internet da Meloteca.
João de Sousa Carvalho por lá estudou e passou parte da juventude, rumando aos 16 anos para Nápoles, juntamente com Jerónimo Francisco de Lima, cuja formação inicial fora feita no Seminário da Patriarcal de Lisboa. São enviados pela própria Coroa para completarem os estudos musicais no Conservatório di Sant’Onofrio a Capuana, um dos mais prestigiados da época.
Será em Roma, no Teatro Delle Dama, em pleno carnaval de 1776, que Sousa Carvalho apresenta a sua primeira ópera, “La Nitteti”, cujo libreto foi encomendado pelo cantor Farinelli [um dos mais famosos do século XVIII, por vezes considerado o maior dos castrati da história da música] a Pietro Metastasio, poeta oficial da corte de Viena. Os dois estavam no auge das respetivas carreiras. É uma peça em três atos, que narra os “conflitos típicos de um triângulo amoroso”.
O regresso a Portugal terá ocorrido por volta de 1767, data em que assina o “Livro das Entradas” da Irmandade de Santa Cecília de Lisboa, que desde a sua fundação, em 1603, até ao advento do liberalismo foi “a associação de classe profissional de todos os músicos da capital, competindo-lhe um papel regulador da atividade musical no distrito de Lisboa” e cujo arquivo, segundo o Museu da Música, constitui “uma valiosíssima fonte para o estudo do meio musical português”.
É aqui que João de Sousa Carvalho se inscreve, a 22 de novembro de 1767. Dois anos depois, a 31 de março de 1769 estreia no Teatro da Ajuda aquela que, porventura, será a sua ópera mais conhecida e já aqui referida “L’Amore Industrioso”. O sucesso foi tal que se realizaram 10 representações antes de final desse ano.
De acordo com o Centro de Investigação e Informação de Música Portuguesa, a “L’Amore Industrioso” seguiu-se “L’Eumene”, um drama sobre libreto de Apostolo Zeno, a 6 de Junho de 1773, com sete representações até 14 de novembro.
Em 1778, acrescenta a mesma fonte, João de Sousa Carvalho sucedeu a David Perez (1711-1778) como professor dos infantes e compositor da Real Câmara, “com vencimento mensal de 40$000 réis e direito a usar carruagem, passando a controlar todo o aparelho de produção músicoteatral da Corte”.
Desde esse ano até 1789, com exceção de 1786 e 1788, cantaram-se novas obras suas (com inúmeras repetições) nos Palácios da Ajuda e de Queluz e na Ribeira, sendo 10 serenatas – género afim de ópera, mas sem componente cénica – e duas óperas (“Testoride Argonauta”, um drama em dois atos, 1780, e “Nettuno ed Egle”, 1785). No seu programa “Ao Sabor da Corrente”, na Antena 2, igualmente disponível na internet, Sérgio Azevedo dá-nos a ouvir esta “Testoride Argonauta”, peça de Sousa Carvalho datada de 1780.
“Porque é que compositores antigos como Mozart, Haydn ou Beethoven são tão conhecidos? Porque é que são, ainda hoje, “cabeças de cartaz” nos teatros e salas de espetáculo em todo o mundo? Porque é que as suas obras continuam a ser consideradas como bases fundamentais no ensino da música em todas as escolas de música do mundo?”, perguntam Mafalda e Fouad Nejmeddine, autores de “Mestres e Sons Lusitanos”, programa televisivo de seis episódios dedicado à divulgação da vida e obra de compositores portugueses dos séculos XVII e XVIII.
“Há várias maneiras de contar a história da música portuguesa, uma delas é falar dos compositores. Para isso, convidamos historiadores, musicólogos e músicos, para nos falar de Portugal na época em que estes compositores viveram, da vida que tiveram e das obras que deixaram”, acrescentam. Ao longo das gravações dos documentários, visitaram dezenas de instituições em várias regiões de Portugal, “para pesquisar e filmar centenas de documentos históricos e manuscritos de música que nos revelam a vida e a obra destes compositores”.