Évora/27. Texto de Paula Mota Garcia: As razões de uma demissão

Considero que a escolha das pessoas para a estrutura de governança de uma Capital Europeia da Cultura deve ser norteada pelo conhecimento que têm do projeto e da adequação das suas competências profissionais ao mesmo, e não por princípios de confiança de ordem pessoal. Paula Mota Garcia (texto)

Como é do conhecimento público, comuniquei recentemente à Assembleia Geral da Associação Évora 2027 a minha decisão de me desvincular da iniciativa Évora_27 Capital Europeia da Cultura, sem prejuízo de acautelar a devida passagem do relatório de atividades apresentado na mesma sessão plenária.

Desde 2020, que tive o enorme privilégio de coordenar a Equipa de Missão e dirigir e orientar os trabalhos de preparação da candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura (CEC), nomeadamente, no que diz respeito à construção de todo o programa cultural e artístico; e desde a designação da cidade, formalizada em março de 2023, tenho trabalhado na implementação de Évora_27.

No dia 07 de dezembro de 2022, recebemos a notícia de que Évora seria a cidade escolhida para representar Portugal na maior iniciativa cultural da Europa, resultado que contou com o contributo inestimável de muitas pessoas. Uma decisão difícil para o painel internacional de especialistas que avaliou as candidaturas, dada a qualidade das propostas apresentadas por Aveiro, Braga e Ponta Delgada, cidades finalistas a par de Évora.

Quatro anos após ter abraçado este desafio, decidi afastar-me por considerar não estarem reunidas as condições para, no atual quadro de governança da iniciativa, manter a minha colaboração com a implementação de Évora_27 Capital Europeia da Cultura. Isto porque:

1 – A experiência mostra que as Capitais Europeias da Cultura bem-sucedidas utilizam o primeiro ano após seleção para estabelecer toda a estrutura de governação, gestão e administração. Isto permite que os dois anos seguintes se concentrem no desenvolvimento do programa, a tempo de o mesmo estar em vigor, no caso de Évora, em meados de 2026, de acordo com o dossiê de seleção (bid book).

O primeiro passo a ser dado depois da designação de Évora como Capital Europeia da Cultura, até final de 2023, deveria ter sido o estabelecimento da Associação Évora 2027, entidade de governança de toda a Capital Europeia da Cultura proposta em bid book. Criada a Associação apenas em fevereiro de 2024, a sua Direção continua incompleta, permanecendo a Associação impossibilitada de, entre outras coisas, receber as verbas protocoladas entre o Município de Évora e o Governo de Portugal em junho de 2023, com prejuízos claros na execução das atividades previstas em bid book. 

Facto alheio à Equipa de Missão Évora_27 que, desde sempre, manifestou a sua preocupação com o arrastar deste processo. Esta demora penaliza artistas e parceiros envolvidos na iniciativa que, ainda em fase de candidatura e sem qualquer garantia de que a proposta fosse vencedora, aceitaram confiar e associar-se a Évora_27 Capital Europeia da Cultura;

2 – Tal como proposto em bid book, a Direção da Associação Évora 2027 deveria ser constituída por uma direção executiva composta por: Diretor/a Executivo/a, Diretor/a Artístico/a, Diretor/a de Comunicação e Alcance, e Diretor/a Financeiro/a. A introdução da figura de “Presidente” nesta orgânica – que resultou de uma imposição do anterior Governo perpetuada pelo atual – desvirtua o proposto em bid book, contraria as boas práticas de gestão de uma Capital Europeia da Cultura, assim como as recomendações do painel internacional de especialistas que agora monitoriza todo o processo de implementação de Évora_27.

O tempo despendido na “negociação” em torno da criação e nomeação desta figura de “Presidente” – para mim, incompreensível – tem sido prioridade sobre o que deveria ser absolutamente essencial: a garantia das condições necessárias para que toda a atividade referida em bid book fosse devidamente contratualizada. Apenas a título de exemplo:

– A tão necessária “open call” para novos projetos artísticos dirigida aos agentes culturais residentes no Alentejo, atempadamente definida pela Equipa de Missão, continua por lançar, colocando já em causa o cumprimento do cronograma apresentado em bid book;

– A tão urgente estratégia de implementação do programa Évora_27 no território, que implica um diálogo concertado e em permanência com as Comunidades Intermunicipais do Alentejo, continua por concretizar.

À semelhança de outras dimensões do bid book, a composição da estrutura de governança proposta teve em consideração, precisamente, o próprio conceito VAGAR que, per si, desafia as lógicas de dominância.

Sendo uma Capital Europeia da Cultura uma oportunidade para se testar novos modelos de governança, privilegiou-se em bid book uma abordagem mais colegial e que valorizasse a participação da comunidade nos órgãos de governança através, por exemplo, do Conselho Científico, do Conselho Regional para a Cultura, e da Geração 2027. Sensível às questões que, no presente, resultam numa crescente desagregação social, exige-se do modelo de governança de um projeto cultural que este seja mais colegial e inclusivo.

3 – A experiência de outras Capitais Europeias da Cultura diz-nos que integrar a equipa que concebeu e desenvolveu a candidatura na estrutura de governança e na operacionalização da iniciativa é um fator decisivo de sucesso. Tendo plena consciência da complexidade da implementação de Évora_27, cujo programa cultural e artístico é composto, pela primeira vez, apenas por novas criações artísticas com estreia marcada para 2027, entendo que essa tarefa exige a constituição de uma equipa profundamente conhecedora do processo, do programa geral de Évora_27, coesa, solidária e com ampla experiência na área cultural.

Considero inaceitável que a Associação Évora 2027 não tenha escolhido para o cargo de Direção de Comunicação e Alcance a Marisa Miranda, sendo esse um dos poucos lugares na estrutura de governança cujo titular é de nomeação pela sua Assembleia Geral podendo por essa via ter assegurado a transferência do conhecimento que a Equipa de Missão adquiriu ao longo do processo para a própria estrutura de governança.

Esta decisão tomada pela maioria dos associados prefigura não só uma quebra de confiança no trabalho desenvolvido pela pessoa que criou todo o programa de Alcance e Estratégia de Comunicação e Marketing – que contribuíram decisivamente para a seleção de Évora como Capital Europeia da Cultura, mas é sobretudo sinónimo de uma profunda falta de visão estratégica para a execução do projeto. Esta decisão é mais grave ainda porquanto é tomada por membros da Associação Évora 2027 que acompanharam todo o seu trabalho desde 2020 e que, por unanimidade, aprovaram um voto de louvor à Equipa de Missão por todo o trabalho desenvolvido.

Considero que a escolha das pessoas para a estrutura de governança de uma Capital Europeia da Cultura deve ser norteada pelo conhecimento que têm do projeto e da adequação das suas competências profissionais ao mesmo, e não por princípios de confiança de ordem pessoal.

Despeço-me com um enorme orgulho por ter integrado e coordenado a Equipa de Missão Évora_27, seres humanos com enorme sentido de dedicação e em absoluta sintonia com o VAGAR que, entretanto, alinhada com as razões que aqui exponho, também se desvinculou do projeto; por ter sido coautora do complexo dossiê de seleção, assim como do de pré-seleção; por ter feito parte das ousadas equipas que defenderam com toda a convicção a proposta de Évora como Capital Europeia da Cultura perante o exigente painel internacional de especialistas; e por, ao longo dos últimos dois anos, apesar de todos os constrangimentos, mas com o entusiasmo de muitos artistas e parceiros, a Equipa de Missão Évora_27 ter dado passos importantes com vista à implementação de uma ambiciosa iniciativa que afirma, inequivocamente, Évora e o Alentejo como territórios de criação artística.

Perdoem-me não ser possível aqui nomeá-las, mas quero agradecer a todas as pessoas que, ao longo deste caminho, acreditaram, participaram, questionaram e inspiraram a Equipa de Missão Évora_27 a seguir em frente.

Por fim, quero agradecer ao Presidente da Câmara Municipal de Évora, Carlos Pinto de Sá, pelo apaixonante e difícil desafio que me lançou e que iniciei dias antes do país fechar por causa da pandemia por covid-19; por todo o inestimável apoio e contributo que prestou à Equipa de Missão Évora_27 ao longo dos últimos quatro anos, sobretudo, pela forma elevada com que sempre respeitou a autonomia da equipa durante o processo de candidatura, sabendo que essa era condição sine qua non para a minha participação no projeto.

Uma palavra especial também para o Eduardo Luciano que, na altura da candidatura, era vereador da cultura da Câmara Municipal de Évora, e que nos acompanhou com todo empenho ao longo do difícil processo de candidatura. E agradeço a todos os profissionais da Câmara Municipal de Évora pela colaboração prestada à Equipa de Missão Évora_27. Deixo ainda um agradecimento à CIMAC – Comunidade Intermunicipal dos Municípios do Alentejo Central por todo o apoio prestado, e à sua equipa pelo contributo dado para a implementação de Évora_27.

Por fim, continuo a desejar que o dossiê de seleção de Évora como Capital Europeia da Cultura seja implementado com sucesso em 2027. E termino como começámos: acreditando no VAGAR enquanto uma (outra) arte de existência para a Humanidade.

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