Tirar cortiça não é trabalho para todos. César Duarte ganhou-lhe o jeito

Natural de Santa Vitória do Ameixial, César Duarte dedica-se a uma prática muito antiga e cada vez mais rara, a arte de tirar a cortiça. Mariana Miguéns (texto e fotografia)

A cortiça é a casca do sobreiro, árvore nacional de Portugal desde 2012. É uma casca grossa e esponjosa que pode começar a ser cuidadosamente retirada do sobreiro 25 anos depois deste nascer. Portugal é o maior produtor mundial de cortiça, responsável por cerca de 50% da produção mundial. A extração da cortiça é um processo sustentável e artesanal, o que faz com que não haja necessidade de abater as árvores. Este ciclo de colheita garante a saúde da árvore e a renovação contínua da sua casca.

A primeira cortiça a ser retirada chama-se “virgem”, sendo este descortiçamento conhecido por “desboia”. Passados nove anos volta a ser possível retirar-se cortiça, a “secundeira”. E a partir daqui, a cada ciclo de nove anos, a operação repete-se, ainda que as alterações climáticas, em particular o agravamento do tempo seco e o aumento da temperatura, possam obrigar a um intervalo mais prolongado.

É no fim da primavera, início do verão, que este processo deve ser feito porque a casca está menos aderente ao tronco. Para se saber quando é chegada a altura ideal, os trabalhadores marcam na árvore, com tinta, o ano a última extração. Como a cortiçacresce de dentro para fora, a tinta permanece visível, sendo possível perceber qual a data prevista para a tarefa.

César Duarte dedica-se a esta atividade há 12 anos. “Tinha 21 quando aprendi a retirar a cortiça. Foi um rapaz aqui de Santa Vitória deu-me essa oportunidade, comecei insistir e ele lá me levou… mas quem me ensinou mesmo a cortar foi o João Sepanas. Eu sou o mais novo e o único aqui em Santa Vitória que apanha cortiça, quase ninguém quer aprender e já há poucos a ensinar. Ali quem manda é a natureza e as árvores”.

Nos últimos anos, esta prática tem enfrentado um declínio significativo, resultado de vários fatores económicos, sociais e tecnológicos que têm afastado as novas gerações. É uma atividade praticada por gente envelhecida, pois os jovens demonstram pouco interessem em seguir a profissão. A dura realidade do trabalho no campo é hoje vista de outra maneira.

Trata-se de um trabalho de equipa. O tirador, como o nome indica, é o responsável por retirar a cortiça do sobreiro. Este é o trabalho mais especializado e perigoso, pois envolve a utilização de machados específicos para cortar e descolar a cortiça sem danificar o tronco da árvore, bem como a utilização de uma escada para chegar aos ramos mais altos. Este profissional tem de ter um conhecimento profundo da árvore, uma habilidade manual, precisão e força física. A experiência é essencial, pois o descortiçamento deve ser feito cuidadosamente para garantir que a árvore possa regenerar a cortiça para futuras colheitas.

O tirador tem sempre o apoio de um ajudante. É este que ajuda a recolher e a empilhar as pranchas de cortiça, garantindo que o trabalho é feito de maneira mais rápida e eficiente. Aqui exige-se muita força física, agilidade e a capacidade de trabalhar em equipa.

Já o marcador atua duas vezes durante a apanha. Antes do início do descortiçamento inspeciona os sobreiros e marca aqueles que estão prontos para serem descortiçados. É ele quem determina se a árvore atingiu o tempo certo para o efeito. No fim da apanha, marca as árvores com o respetivo ano, para que no futuro se possa calcular a data certa para voltar ao sobreiro. Depois de retirada, as praças de cortiça são organizadas e empilhadas em montes para que possam secar.

“É um trabalho que pouca gente quer fazer porque requer muita paciência. Só passada a fase inicial, e com a pratica adquirida, é que começa a ficar mais fácil. Cada um tem o seu lugar para que tudo corra bem, trabalhamos em parelhas, na minha equipa somos oito ao todo. Fica sempre um em baixo a ajudar o que sobe à árvore e, por isso, somos só quatro a cortar… trabalhamos sempre aos pares, depois temos um ou dois empilhadores e o tratorista. Somos poucos para o trabalho que tudo isto exige”, conta César Duarte.

Na sua opinião, “as pessoas, sobretudo os jovens, não têm grande vontade de aprender”, talvez com “receio” dos riscos associados a uma profissão que obriga os trabalhadores a subirem ao topo das árvores, “às vezes seis, às vezes 10 metros de altura”. Acresce que a jornada de trabalho começa bem cedo, “pelas seis da manhã”, mas há ainda que contar com o tempo para chegar ao local uma vez que algumas herdades “são grandes e as árvores estão longe”. Tudo isto ao longo de três meses. A contrapartida, refere, é que se trata de um trabalho “bem pago”.

César Duarte conta que, depois de lhe ter apanhado “a prática”, esta é uma tarefa que faz com “gosto”. E explica: “Ainda este ano fui à Serra d’Ossa apanhar cortiça de árvores onde tinha estado há nove anos. Na altura alguns sobreiros não deram nada, mas agora apanhámos cortiça com 18 anos”.

A necessidade de preservar esta prática não representa apenas uma questão de proteger um setor económico importante, sendo também uma tarefa importante para a salvaguarda do ecossistema do montado “O que me preocupa é saber quem fará este trabalho quando nós pararmos”, conclui.

SECTOR VALE MILHÕES

Se 2022 tinha sido o melhor ano de sempre no que se refere à exportação de cortiça (1,20 mil milhões), 2023 superou esses resultados. Portugal vendeu para o estrangeiro 1,21 mil milhões de euros em cortiça e produtos do setor, indicam dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Ler mais: Exportações de cortiça superam 1,2 mil milhões de euros

Embora um pouco aquém do valor avançado em fevereiro pela Associação Portuguesa de Cortiça (APCOR), que aponta- va para um volume de exportações de 1,23 mil milhões de euros, trata-se de um “novo recorde”, um crescimento na ordem dos 45% nos últimos 10 anos.

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