Tem 33 anos aquele que o Tribunal de Évora considera ter sido o “cérebro” de um gangue que lesou dezenas de idosos através de crimes de furto e de burlas cometidos sobretudo no distrito de Évora e na região de Lisboa. Os sete anos de prisão a que agora foi condenado surgem na sequência de outras 12 condenações em tribunal.
Nascido numa família que vivia de rendimentos obtidos em mercados e feiras, concluiu o primeiro ciclo do ensino básico aos 11 anos e abandonou aí o seu percurso académico, passando a trabalhar com os pais, primeiro, e depois com a sua companheira, de quem tem um filho, ainda que sem licença para o exercício da venda ambulante.
Em tribunal explicou que também comprava e vendia automóveis, assegurando que a subsistência da família era feita com recursos modestos, não mais de 700 euros por mês. Os seus problemas com a justiça começaram pelos 18 anos, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. Passados cinco anos era novamente condenado, agora por condução de veículo em estado de embriaguez.
Seguem-se mais dez condenações, a começar por uma pena de oito anos e quatro meses, em cúmulo jurídico, por cinco crimes de burla qualificada, quatro de roubo, mais um de ameaça e outro de posse de arma proibida. No âmbito deste processo encontra-se a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Mas até ao trânsito em julgado do acórdão que o condenou, em outubro de 2020, acumulou mais uma série de processos por crimes idênticos: posse de arma proibida, ameaças, furto, burla, condução com excesso de álcool.
De acordo com os factos dados por provados no Tribunal de Évora, foi ele que no início de 2017 “traçou um plano de acordo com o qual, individualmente, ou em conjunto com terceiros, passaria a abordar pessoas para delas se aproveitar economicamente, extorquindo-lhes quantias através do uso de artifícios enganosos”. Os alvos eram idosos, abordados em parques de estacionamento junto a supermercados, ou mesmo no interior dos estabelecimentos comerciais.
Um dos primeiros “ensaios” ocorreu na vila de Redondo, em fevereiro desse ano, quando a vítima, então com 62 anos, foi abordado por um homem, cuja identidade não foi apurada, que o questionou sobre a compra de um veículo que teria feito três semanas antes, em Lisboa. Agora, garantia o burlão, tinha um televisor para lhe oferecer, mas precisava de 50 euros para “compensar a deslocação”. Chegou a colocar uma caixa dentro do carro, mas o idoso recusou e o caso ficou por ali.
Idêntica sorte não teve um homem de 77 anos, abordado pelos burlões quando se encontrava no parque de estacionamento de um supermercado, em Montemor-o-Novo. Aqui, o homem que o Tribunal considerou o “cérebro” da rede, abordou a vítima dizendo-lhe que já não trabalhava na Mercedes, “local onde o ofendido comprou o seu veículo”, pois que agora era funcionário da Worten e “tinha um equipamento muito bom para lhe vender, designadamente, um router que lhe dava acesso à internet e televisão em toda a sua casa sem pagar qualquer mensalidade”. A vítima desconfiou, o burlão insistiu, e o idoso lá acabou por se dirigir ao multibanco, levantou 150 euros e entregou-o para compra de router que nunca existiu.
NOME DE RONALDO METIDO AO BARULHO
Outro dos casos que envolve este gangue ocorreu no parque de estacionamento de uma superfície comercial em Reguengos de Monsaraz. A vítima foi um homem que na altura tinha 66 anos. Estava no interior do automóvel quando foi abordado por um dos arguidos que, após acenar-lhe, “in- sinuou-se seu conhecido”. Durante a conversa, perguntou se o auto- móvel “se estava a portar bem”, referiu que “já não vendia carros” e que trabalhava numa outra loja de equipamento informático.
Depois, prosseguiu a acusação, “aliciou o ofendido com a oferta de um perfume” e entregou-lhe uma caixa de papelão, supostamente contendo um router, para “visualizar as coisas do Cristiano Ronaldo”. Daí a consumar a extorsão foi apenas um passo. “Não obstante o ofendido ter-se recusado repetidamente a adquirir o artigo, o arguido logrou convencê-lo a deslocar-se com ele ao terminal multibanco existente no interior daquela superfície comercial”, resume a acusação.
Aqui, a vítima, “uma pessoa de idade avançada e visivelmente debilitada”, levantou 200 euros para entregar ao arguido. Mas este propôs ainda a concretização” de um outro negócio, envolvendo a compra de um televisor “por um preço muito abaixo do valor de mercado” e que alegava transportar no veículo em que circulava. Mais 100 euros. O resultado é o que se antecipa: mal saiu do estabelecimento comercial, o homem pôs-se em fuga, levando os 300 euros.
“ATIVIDADE ENRAIZADA”
Processo volumoso, com diversos arguidos, o Tribunal de Évora não deu como provado que tenha sido o “cérebro” do gangue a praticar alguns dos crimes de burla de que se encontrava acusado pelo Ministério Público. Ainda assim, o acórdão nota que “não se pode ignorar por um lado a proximidade das datas em causa nos autos deste processo em que o arguido praticou os factos em causa, nem que tem averbadas no seu certificado de registo criminal diversas outras condenações por crimes de burla”.
No despacho, as juízas assinalam que “tanto em datas próximas” das dos crimes cometidos, “como em diversos anos anteriores”, foi acusado e condenado de crimes idênticos, “revelando que esta actividade se encontra enraizada na actuação do arguido”.
No processo agora julgado, dois outros arguidos foram absolvidos do crime de burla qualificada, pelo qual tinham sido acusados, e um outro foicondenado por furto a uma pena de um ano e três meses de prisão, que o Tribunal quer que seja efetiva. Segundo o acórdão, o registo criminal “demonstra a falta de preparação do arguido para se afastar do cometimento de crimes”, pelo que “a suspensão da execução da presente pena de prisão não cumpriria já de forma adequada as finalidades da punição”.