É Maria Lúcia dal Farra, porventura a maior “florbeliana” à face da Terra, quem o releva: para celebrar uma “data importante” com o seu segundo marido, Florbela Espanca decidiu cozinhar umas ervilhas com ovos escalfados. Para usar com maior exatidão as palavras da professora universitária, já com oito obras publicadas sobre Florbela, um belo dia a escritora alentejana “tinha feito ovos escalfados, com ervilhas pelo meio, uma receita dela”, para celebrar a tal data importante. Bordou também uma toalha de mesa, “belíssima”, e “ficou esperando por ele”. Por ele, entenda-se, António Guimarães, o seu segundo marido.
Sucede que o homem chegou a casa “muito mal humorado”, detestou as ervilhas com ovos escalfados “e num arrebatamento terrível puxou a toalha ao chão”. Florbela, ai a doce Florbela, fez o que deveria ter feito: “simplesmente se levantou, foi até à entrada de casa, pegou o chapéu e a bolsa e foi embora para sempre, deixando tudo o que tinha, o espólio todo, os cadernos inaugurais, foi embora para nunca mais voltar”.
No meio do espólio de Florbela Espanca, Maria Lúcia encontraria mais tarde um verso datado precisamente desse dia 8 de fevereiro de 1924, intitulado “Supremo Enleio”, e inserido no livro Charneca em Flor. É uma profética maldição lançada ao homem com quem se havia casado e de quem se separara: “E quando a derradeira, enfim, vier,/ Nesse corpo vibrante de mulher/ Será o meu que hás de encontrar ainda…”.
Tudo isto a propósito do primeiro dicionário dedicado a uma escritora portuguesa. Dicionário de Florbela Espanca, recentemente lançado, conta com a coordenação de Jonas Leite e Fábio Mário da Silva, com direção científica de Maria Lúcia dal Farra e com dezenas de verbetes escritos por mais de 90 investigadores de diversas universidades portuguesas e brasileiras.
“A vida de Florbela fez-se em versos e em contos. Depois da sua morte fez-se ainda de muitas maneiras, na canção, cinema, bailado, e uma dessas maneiras é também a do ensaísmo académico”, sublinhou Ana Luísa Vilela, professora da Universidade de Évora, no lançamento da obra. São, contabilizou, “mais de 800 páginas e 190 entradas” sobre o universo florbeliano, permitindo tantas leituras, e tão diversas, como as que cada leitor ousar empreender.