Um parque para descobrir as minas

Há um parque que nos convida a percorrer cinco mil anos de história, descobrir os segredos da extração mineira, passear sobre um “chapéu de ferro” ou descer 30 metros para explorar uma galeria. Fica em Aljustrel e foi recentemente inaugurado.

Luís Godinho (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

Encontramo-nos no edifício que constitui o centro de receção aos visitantes do recentemente inaugurado Parque Mineiro de Aljustrel. Passada a sala de exposições temporárias, onde por agora pontifica um enorme dinossauro, “o mais completo descrito em Portugal”, dirigimo-nos para uma varanda panorâmica, situada no outro lado do edifício. “É por aqui que começam as visitas”, diz Marcos Aguiar, técnico superior do Município de Aljustrel e um dos responsáveis pelo parque. 

“Lá ao fundo, em dias sem nevoeiro, vê-se a torre do castelo de Beja”. Não é o caso desta quinta-feira, por sinal chuvosa. A paisagem não deixa de ser deslumbrante. Mas, sobretudo, documenta a ação transformadora do Homem, com os campos tipicamente alentejanos a darem lugar a uma vasta área de exploração mineira. Os terrenos que a integram, como o complexo mineiro-metalúrgico de Algares, a área mineira de São João ou o complexo metalúrgico de Pedras Brancas foram, previamente, alvo de um projeto de recuperação ambiental, em que a Empresa de Desenvolvimento Mineiro investiu mais de 10 milhões de euros.

Nesta paisagem, que ainda observamos, distinguem-se alguns dos pontos mais icónicos da vila de Aljustrel, como a barragem da mina, a chaminé transtagana, que era usada para queimar a pirite, os bairros mineiros, os moinhos, o Santuário de Nossa Senhora do Castelo ou um dos três malacates que ainda persistem, neste caso o do Poço Viana. Mais à frente haveremos de nos cruzar com outro desses malacates, o do Poço Vipasca, mas por agora o responsável do Parque antecipa o que nos espera, um percurso que nos haverá de conduzir por “cinco mil anos de história de Aljustrel, ligada à mineração, às minas, aos mineiros, a um riquíssimo património geológico”.

Por aqui há registo de exploração mineira desde o Calcolítico. Comprova-o um pequeno objeto em exposição, um fragmento de cadinho, “o princípio de tudo”, como comenta Marcos Aguiar. Trata-se de parte de um recipiente onde a pirite era derretida para permitir a extração do cobre, datado de há cinco mil anos. Depois, foram os romanos a explorá-la “com grande intensidade”, aqui instalando o povoado a que deram o nome de Vipasca.

“Ao longo da Idade Média houve uma exploração mais inócua, mas que sempre existiu, culminando com uma exploração já na era industrial, que intensifica os processos de mineração e nos traz aos dias de hoje”, sublinha. E, nos dia de hoje, a principal atividade económica do concelho continua a ser a extração mineira. É ela que “alimenta a vida” desta comunidade. 

Trata-se de uma história documentada ao longo da exposição permanente, que agora percorremos. Numa das paredes lá está uma fotografia de Valentim Adolfo João, um anarcossindicalista nascido em Aljustrel (1902) e fundador do Sindicato Mineiro (1923), preso político entre 1949 e 1964, a lembrar que este também foi um setor de resistência contra a ditadura.

“A ideia”, como explica Marcos Aguiar, “é que os visitantes possam experienciar um pouco daquilo que é a nossa vivência diária ao longo das últimas centenas de anos, em torno de uma comunidade mineira, das técnicas que eram utilizadas para a extração do minério, da forma como a esta comunidade gerou uma cultura com particularidades muito próprias e que nos diferencia daquilo que é o Alentejo, onde também nos integramos”.

DO CHAPÉU DE FERRO À GALERIA

Vista a paisagem, percorrida a exposição, o convite agora é para um conjunto de percursos diferenciados, todos eles com início neste Centro de Receção e Interpretação. Um destes percursos prolonga-se por cerca de dois quilómetros e conduz os visitantes pela central de compressores, um núcleo de arqueologia industrial que resulta da recuperação de uma instalação industrial da empresa mineira, desativada em 1992. 

O segundo ponto de interesse é o passadiço do Chapéu de Ferro, uma rocha intensamente oxidada, classificado pelo responsável pelo Parque como sendo “uma estrutura geológica única, onde os vestígios da arqueologia do período romano são muito visíveis, mas onde também a riqueza geológica de Aljustrel é muito evidente”.

O final deste percurso conduzir-nos-á pela Galeria dos Algares, a que se acede próximo do malacate do Poço Vipasca. Malacate, dizem os especialistas, é uma palavra de origem espanhola utilizada ao longo da chamada Faixa Piritosa Ibérica, que se desenvolve desde as proximidades de Alcácer do Sal até Sevilha, e que serve para designar o elevador existente no poço das minas, através do qual era feito o acesso às galerias. 

A História regista que os primeiros malacates de Aljustrel, com estruturas de madeira e movidos a muares, foram construídos em meados do século XIX. Este é mais recente. O primeiro nome do poço foi Eyben, pois era assim que se chamava o primeiro administrador belga das minas de Aljustrel, em finais desse século. Depois, a mina dos Algares foi remodelada e estabelecida aligação à Mina do Moinho, tendo o seu nome sido alterado para Vipasca, “como sinónimo de uma nova mina”. 

O malacate, construído em ferro, continua a marcar a paisagem, mas a estrutura de madeira que conduzia os trabalhadores ao interior da mina encontra-se muito degrada. Daí que o acesso à Galeria dos Algares seja feito através de um monta-cargas. Olhar para o fundo do poço é de “cortar a respiração”. Descer e percorrer esta galeria mineira é uma experiência única, acessível também a pessoas com deficiência motora.

“Chama-se a galeria do piso 30, pois situa-se a 30 metros de profundidade”, explica Marcos Aguiar. “Ao percorrê-la”, sublinha, “podemos imaginar como seria a vivência de um mineiro em meados do século passado. Ao longo do percurso temos contacto com o que eram as técnicas de trabalho dos mineiros, incluindo a utilização de explosivos, a própria circulação no interior da mina, feita através de um sistema ferroviário”. Trata-se, em resumo, de “um conjunto de experiências no subsolo que é, de facto, muito diferenciador”.

Para o responsável pelo Parque, este é um projeto que permitirá “criar condições” para a diversificação da base económica do concelho, fortemente dependente de uma única atividade. “Historicamente sentimos de forma muito acentuada os ciclos de paragem e de funcionamento da mina. Com este projeto procuramos ativar um produto turístico que contribua para a diversificação da economia local”.

Inaugurado a 4 de dezembro, não por acaso o dia de Santa Bárbara, padroeira dos mineiros, o Parque foi visitado, logo no primeiro mês, por mais de 650 pessoas. “As opiniões que temos recebido não poderiam ser mais positivas, tanto de turistas como de mineiros e de mineiros já reformados. Esta é também uma grande homenagem aos homens e às mulheres que têm a sua vida ligada, de forma ancestral, às minas”, conclui.

INVESTIMENTO DE 20 MILHÕES

Entre a Empresa de Desenvolvimento Mineiro e o Município de Aljustrel foram investidos neste projeto, ao longo dos últimos anos, cerca de 20 milhões de euros, metade dos quais na recuperação ambiental. “Toda esta área corresponde a uma mina desativada e houve necessidade de descontaminar os terrenos”, explica Marcos Aguiar. O investimento incluiu as estruturas do Parque, mas também a reabilitação urbana dos bairros mineiros.

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