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Urbano

Nascido há 100 anos, Urbano Tavares Rodrigues encontrou no Alentejo marcas de escrita e ação política. 

Júlia Serrão (texto) e António Xavier (fotografia)

Foi jornalista, ficcionista, cronista, ensaísta, poeta, crítico literário, tradutor. Escreveu romances, novelas, contos, ensaios e críticas. Na ficção narrativa, o amor, a morte e a solidariedade social marcam presença constante. Assumiu numa entrevista que deu ao Jornal de Letras (JL), em 1991: “Boa parte da minha obra é projeção da minha vida”. 

A extensa obra de exceção valeu-lhe várias distinções, como o Prémio de Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores, o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, e o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo-Branco da Associação Portuguesa de Escritores, em 2004, para “Estação Dourada”, entre muitas, muitas outras.  

Faltou-lhe receber o Prémio Camões, tendo morrido com essa mágoa. José Jorge Letria, também escritor e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), amigo de muitas décadas confirma: “Ficou muito triste, sentiu-se excluído. E ele era merecedor desse prémio não só pela extensão da sua obra, mas também pelo excecional e invulgar exemplo cívico que deu ao longo da vida”. 

INFÂNCIA NO ALENTEJO

Descendente de grandes proprietários agrícolas de Moura, Urbano Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa a 6 de dezembro de 1923, mas já foi batizado em Moura, na Igreja de São João Batista. A mãe era católica. Passou a infância livre e feliz na herdade da família, sendo muito próximo do irmão Miguel. “A minha relação com o Alentejo é eminentemente poética. Começo a sentir a natureza apaixonadamente, como qualquer coisa de mágico”, disse numa entrevista ao “Jornal de Negócios”, em 2012. Descreve esse período como “um paraíso, depois perdido, a que sempre quis voltar”. Mas também “a descoberta da miséria, do povo”.

É por volta dos nove anos que começa a aperceber-se da violenta exploração a que os trabalhadores rurais estavam sujeitos. “Comecei a dar-me conta das desigualdades horríveis, da miséria, da violência da Guarda Republicana na repressão das coisas tão incríveis como o roubo de um molhe de lenha (…) Comecei a tomar consciência de uma certa realidade muito dura e injusta e a sentir um grande desejo, sendo eu ainda católico, de fraternidade e igualdade social”, pode ler-se em “Urbano Tavares Rodrigues, O Livro Aberto de Uma Vida Ímpar”, livro de José Jorge Letria. A motivação ainda era baseada em valores religiosos.

As primeiras ideias marxistas surgiram-lhe entre os 13 e os 14 anos, depois de ler textos de Marx cedidos por um primo que era casado com a jornalista e escritora comunista Maria Eugénia Cunhal. Aí, garantiu numa entrevista, começa “a ser marxista, mas ainda com reticências”.

O ensino secundário é feito na capital, ingressando depois no curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) que termina com uma tese sobre Manuel Teixeira Gomes, que seria a sua primeira obra publicada [“Manuel Teixeira Gomes: O Discurso do Desejo”]. Regressaria ao tema para dissertação de doutoramento, muitos anos mais tarde. José Jorge Letria refere que Urbano Tavares Rodrigues “admirava muito” esse antigo Presidente da República, que em 1925 renunciou ao mandato e emigrou para a Argélia alegando questões de saúde e vontade em dedicar-se exclusivamente à obra literária.

É na faculdade que Urbano Tavares Rodrigues inicia a sua atividade política: lidera uma greve académica em 1947, com David-Mourão Ferreira e Augusto Abelaira. Mais tarde esteve ligado à revolta da Sé e ao assalto ao Quartel de Beja. Está em Cuba em 1961, por altura da Baía dos Porcos, e conhece Che Guevara, que “iria marcar” toda a sua vida. Foi preso e torturado pela PIDE, pela primeira vez, em 1963, e em 1969 aderiu ao Partido Comunista Português, de que foi militante até ao fim, considerando-se um “comunista humanista”. 

Ainda estudante universitário, Urbano Tavares Rodrigues iniciou a carreira de jornalista no “Diário de Notícias”. Mas em 1949 partiu para França onde ficou até 1955, lecionando Língua, Literatura e Cultura Portuguesas na Universidade de Aix-en-Provence e na Sorbonne, em Paris. Terá sido um período muito interessante, em termos pessoais e criativos: vivia com a escritora Maia Judite de Carvalho, que viria a ser a sua primeira mulher; e convivia com grandes intelectuais como Sartre, Duras e Camus, de onde terá recebido as influências do existencialismo.

De regresso a Portugal, continua a atividade jornalística que acumula com a de professor do ensino secundário, e ainda em 1957 aceita o convite de Vitorino Nemésio para lecionar Literatura Francesa e Portuguesa na FLUL. Uma experiência que terminou um ano depois com expulsão, devido ao seu envolvimento na campanha de Humberto Delgado. 

José Jorge Letria, que trabalhou com ele no “Diário de Lisboa” antes e depois do 25 de Abril, conta que “afastado pela ditadura do ensino, continuou a dar aulas no Liceu Francês e a trabalhar em vários jornais para conseguir sobreviver com a família, mas tinha a capacidade de trabalhar e fazer aquilo em que acreditava”. Evoca-o como “um dos grandes escritores portugueses da segunda metade do século XX”. E nota que, como homem, era “de uma grande combatividade, enérgico, exigente, reivindicativo, de uma grande exigência moral e cívica, e ao mesmo tempo de uma grande solidariedade e generosidade”. Frisa ainda capacidade excecional que tinha de apoiar os autores mais jovens, de quem se tornou amigo. 

Regressaria à Universidade de Letras de Lisboa depois do 25 Abril de 1974, como professor catedrático.  Adorava lecionar e era um professor “adorado” pelos alunos. Em 1975 abandona definitivamente o jornalismo.

Em coerência com o que sempre defendeu, Urbano Tavares Rodrigues – assim como o seu irmão, o jornalista Miguel Urbano Rodrigues – deu a parte a que tinha direito na propriedade da família, em Moura, ao Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas de Beja.

Segundo José Jorge Letria, o escritor tinha uma “ligação afetiva de memória e resistência muito forte com o Alentejo, que conhecia muito bem”, elo que se manteve até ao fim da sua vida, a 9 agosto de 2013.“Aliás”, refere, “à medida que os anos avançavam – ele já estava com muita idade e um bocado fragilizado fisicamente, embora fosse uma homem muito resistente fisicamente – ia acentuado a relação profunda, afetiva, moral e cívica com o Alentejo, conhecendo ele bem o sofrimento das pessoas alentejanas, que foram vítimas dos crimes da ditadura”.

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