Luís Godinho: “Instituto Politécnico de Beja, uma instituição à deriva”

A opinião de Luís Godinho, jornalista e diretor da "Alentejo Ilustrado"

O Instituto Politécnico de Beja (IPBeja) vive um momento de evidente perda de relevância. O número de estudantes inscritos tem vindo a cair de forma persistente, os vínculos com o território são frágeis e as suas marcas distintivas — na relação com o território — esfumam-se à medida que outras instituições, mais dinâmicas, ocupam o lugar que Beja não soube ou não quis preencher. A recente entrevista da presidente do IPBeja ao “Diário do Alentejo”, em que afirma que a nova residência de estudantes “permitirá atrair estudantes para Beja”, é um retrato fiel da crise que se vive na instituição: um problema de ambição e de visão.

Não há mal nenhum em construir residências — são infraestruturas necessárias, sobretudo num território como o Baixo Alentejo, com falta de oferta e preços impraticáveis. Mas quando a presidente do Politécnico aponta esse investimento como chave para inverter a quebra de alunos, não está apenas a fazer uma espécie de prognóstico: está, implicitamente, a reconhecer que a instituição não tem mais nada para oferecer de verdadeiramente mobilizador. Como se atrair estudantes fosse uma questão de alojamento e não, antes de tudo, de qualidade científica, de excelência pedagógica, de investigação relevante, de ligação ao tecido económico e cultural.

Ora, a missão de uma instituição de ensino superior — sobretudo num contexto regional — não pode esgotar-se em garantir camas a baixo preço para estudantes e professores. Tem de ser mais do que isso. Tem de formar bons profissionais, mas também cidadãos críticos. Tem de contribuir para a produção de conhecimento, para a inovação nos sectores produtivos, para o debate público e para o desenvolvimento do território. Tem de estar presente na vida da comunidade. E nisso, o IPBeja tem falhado.

Durante anos, assistimos à estagnação da instituição, encerrada sobre si própria, com pouca ligação ao mundo real. Os projetos de investigação são escassos e pouco visíveis. A cooperação com empresas, autarquias, instituições culturais ou agrícolas da região é tímida. A presença nos debates nacionais sobre o interior, a desertificação, a agricultura, a água, a transição energética — temas em que Beja deveria ter palavra própria — é praticamente nula. Falta massa crítica. Falta liderança. Falta pensamento estratégico.

E não é por falta de potencial. Beja está no centro de uma região que enfrenta enormes desafios e onde o conhecimento podia — e devia — ser decisivo. A agricultura enfrenta uma transição forçada pela intensificação e pelos efeitos das alterações climáticas. A gestão da água, em torno de Alqueva, exige modelos inovadores e sustentáveis. A saúde, a educação, a habitação e o envelhecimento populacional pedem respostas adaptadas ao território. Onde está o IPBeja neste debate?

Os institutos politécnicos nasceram com uma vocação muito clara: formar profissionais de excelência em ligação com o mundo do trabalho. A sua força deveria estar na proximidade, na flexibilidade, na capacidade de responder aos problemas reais das regiões onde se inserem. Mas para isso é preciso sair dos gabinetes e ganhar ambição. É preciso valorizar quem investiga, quem pensa, quem arrisca. Não é aceitável que a principal estratégia para “atrair estudantes” seja a construção de um dormitório.

Beja precisa do seu Politécnico. E o Politécnico precisa de se reencontrar com a sua missão. O caminho não será fácil, mas começa com um gesto simples: reconhecer que é preciso mudar. Com visão, exigência e coragem.

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