Nasceu em Estremoz, em 1943, e aos 12 anos foi viver para Lisboa. António Xavier não imaginava que viria a ser um dos nomes da fotografia portuguesa que fixaria para sempre o dia em que Portugal mudou. Na madrugada de 25 de Abril de 1974, já com uma longa experiência fotográfica, preparava-se para mais um dia de trabalho na revista “Flama” quando a história lhe bateu à porta. Uma história recordada em entrevista ao “Público”, a propósito do lançamento da obra “25 de Abril”, edição do jornal com o patrocínio institucional da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril.
“Logo de manhã, mal saí de casa, um vizinho avisou-me de que qualquer coisa se estava a passar. Estacionei no Cais do Sodré e fui a pé”, recorda, em entrevista ao “Público”. Já na Ribeira das Naus, começou a captar imagens de um país em ebulição.
Na Rua António Maria Cardoso, sede da PIDE, deparou-se com uma manifestação estudantil. “Os ‘pides’ vieram à janela e começaram a disparar. As pessoas, muito assustadas, fugiram e refugiaram-se num cinema que então ali existia, o São Luiz Cine. Uma rapariga foi mesmo baleada e tiveram de a levar dali para fora”, conta, com a memória ainda viva de um momento caótico e marcante.
Foi também nesse dia que reencontrou o colega José Antunes a captar aquela que viria a ser a capa de “Portugal Livre”, imagem com crianças e cravos que sintetizou a esperança da Revolução. “Naquele tempo, se víssemos alguém a fotografar não nos pisávamos e deixávamos que cada um fizesse a fotografia, ao contrário do que hoje, muitas vezes, sucede. A ideia era dele, e nós não interferíamos, todos nos respeitávamos”, recorda.
Ao chegar ao Largo do Carmo, viveu a tensão em primeira mão. “Não sou uma pessoa temerosa, mas senti medo e não era por mim, mas sim pelas pessoas que ali estavam. Se alguém armado, no interior do quartel, tivesse disparado, aquilo poderia ter sido muito mau. Ainda me lembro de Salgueiro Maia em cima do blindado a disparar para as paredes do quartel, porque aqui- lo não andava nem desandava. Mas, da parte da tarde, quando o blindado entrou para retirar Marcelo Caetano do interior, tudo acalmou”.
A Revolução de Abril significou também um ponto de viragem na sua profissão. “Com o 25 de Abril, a liberdade de imprensa passou da noite para o dia.” Antes, tudo era vigiado. “Fui expulso de um comício do presidente Américo Tomás por um agente da PIDE. Eles só deixavam os fotógrafos do regime. Fazíamos futebol, fado e religião. Política era quase impossível.”
Ao longo de décadas, fotografou desde o funeral de Salazar — “coloquei-me em cima do muro no cemitério de Santa Comba Dão para captar o caixão a entrar no túmulo” — até às sessões privadas com José Saramago, em Lanzarote. Mas é o 25 de Abril que o marca de forma indelével. “Foi o dia em que a História passou diante da lente. E eu estava lá.”
Afastado das lides há alguns anos, António Xavier é um nome que, como as suas imagens, permanece gravado na memó- ria da Revolução. A liberdade, a coragem e o talento atravessam cada uma das suas fotografias. E fazem dele mais do que um fotojornalista – é uma testemunha de alguns dos grandes momentos da história portuguesa contemporânea.