Como surgiu esta sua vinda para o Alentejo?
Houve um convite que numa primeira fase, até devo dizer com toda a franqueza, me surpreendeu, depois fiz parte de um grupo de candidatos e tive a grande honra de ter sido escolhido, por unanimidade, para presidir à Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA). Alguém como eu, que gosta de executar, chega a uma altura da sua carreira profissional e precisa de encontrar outros estímulos, outros desafios. Tendo feito toda a minha carreira no sector dos vinhos, dificilmente encontraria uma região mais estimulante que o Alentejo.
Um convite no momento certo?
Essa é uma análise perfeita. Por vezes há uma conjugação de fatores que, se calhar, numa outra altura teriam conduzido a outro tipo de resposta. Houve uma conjugação muito feliz desses fatores e não poderia estar mais honrado do que estou.
Essa sua ligação profissional ao vinho começou por alguma influência familiar?
Começou em 1993 e por um acaso absoluto, sem qualquer influência. Se havia uma área que conhecia, essa era a comunicação social. Recordo-me, ainda em Viseu, de ser colaborador e cooperante da Rádio No Ar… fui um dos fundadores e, por ali, começaram alguns dos grandes jornalistas da nossa praça. Depois fui estudar Gestão para a Universidade da Beira Interior, na Covilhã, e deu-se a circunstância de uma adega cooperativa local estar a viver uma situação financeiramente difícil. O presidente da assembleia geral era o reitor da Universidade e este entendeu que não haveria grande risco em nomear-me gestor. E assim foi. Telefonou-me para a Rádio Jornal do Fundão, e em agosto de 1993 tornei-me diretor-geral da Adega Cooperativa da Covilhã. Até aí não conhecia rigorosamente nada do mundo dos vinhos.
E a adega resistiu?
Estive lá durante seis anos e, para minha grande felicidade, chegou a ser considerada adega cooperativa do ano pela Revista de Vinhos. Foi uma forma de conhecer, por dentro e por fora, o negócio do vinho, num período absolutamente extraordinário. Costumo dizer que nunca tive tanta liberdade como nesses seis anos, e creio que a utilizei bem. Depois, fui contactado pela Porto Cálem, onde durante três anos assumi funções como diretor comercial e de marketing, e a seguir entra naquilo que é hoje o grupo The Fladgate Partnership, passando em 2009 a integrar o seu conselho de administração.
Aqui chegado, já conhece os cantos à casa?
Bom, são três meses e a casa, felizmente, tem muitos cantos. Essa é uma preocupação grande, conhecer a região no seu mais íntimo pormenor.
E os primeiros desafios?
O grande desafio, neste momento, é elaborar um plano estratégico e apresentá-lo para votação no Conselho Geral da CVRA. Esta direção assumiu a responsabilidade de preparar um plano estratégico para os próximos cinco anos. No fundo, para termos uma noção exata do que queremos fazer, como fazer e quando fazer. Para tal, está a decorrer, neste momento, uma série de estudos, nomeadamente um da Universidade Nova, liderado pelo professor Pedro Brinca, que é uma análise profunda do valor acrescentado bruto que o cluster dos vinhos aporta à economia regional e nacional. Irá permitir-nos ter uma noção exata daquilo que o sector representa, com um inquérito aos agentes económicos e uma análise de grande profundidade aos dados existentes. Irá permitir obter uma noção exata do que este sector representa. E reparem que falo propositadamente no cluster do vinho. Ou seja, para nós o vinho não se limita à indústria, propriamente dita, mas também ao enoturismo, à gastronomia, à cultura ou à produção de azeite.
Há mais trabalhos em curso para esse plano estratégico?
Para além disso, estão a decorrer, com a Intercampus, uma série de estudos de mercado em que queremos saber qual a perspetiva que o consumidor tem do vinho do Alentejo, para termos uma noção muito rigorosa do que procura, e de como procura. Mas também em termos de exportação, teremos identificados alguns mercados-chave e queremos ter desses mercados o maior volume de informação. Se quisermos, temos dois percursos a decorrer neste preciso momento. Por um lado, a realização destes es- tudos encomendados pela CVRA, por outro a auscultação dos agentes económicos do sector. Esta direção tem estado em diversas zonas do Alentejo, a reunir com os produtores, com os agentes económicos, para ouvir as suas preocupações e propostas, justamente para termos uma noção mais exata do que se pretende fazer.
Já se realizaram muitas reuniões?
Foram 10, no total e terminámos em Moura, em 11 de julho. Estas sessões foram sido muitíssimo participadas; é importante dizer que existe uma fortíssima mobilização. E as propostas apresentadas são extraordinariamente interessantes, têm-nos dado muita matéria de reflexão. Todo este manancial de informação será reunido numa primeira versão do plano estratégico, que queremos ter concluída até final de setembro, para que seja analisada e debatida, e para que a versão final seja levada em outubro à reunião do Conselho Geral. Assim que for aprovado começará, de imediato, a ser aplicado.
É um projeto ambicioso?
Bastante, estamos a falar de um plano elaborado com cabeça, tronco e membros, para não nos precipitarmos numa determinada direção e para o fazer apoiados numa profunda escuta dos nossos agentes económicos, mas também na recolha e análise de mais informação específica. Porquê que isto é importante? Por- que, na verdade, estamos a viver um período com desafios muito significativos. Notem que eu não digo apenas um desafio para os vinhos do Alentejo, mas para o seu o conjunto e, em certa medida, para a própria economia. O sector dos vinhos enfrente grandes desafios, é verdade, mas podemos dizer o mesmo da indústria automóvel, por exemplo. Em função desta realidade temos de dotar o Alentejo das ferramentas que nos ajudem a ultrapassar as dificuldades, também porque as dificuldades também encerram oportunidades.

Entre esses desafios está a evolução do mercado interno?
O Alentejo tem uma importância muito expressiva no sector dos vinhos, estamos a falar de uma das maiores e mais importantes regiões vitivinícolas do mundo. A área de vinha no Alentejo representa cerca de 15% do total nacional, e a região produz cerca de 25% dos vinhos portugueses certificados, tendo uma cota de mercado de 37%. Temos uma liderança destacadíssima no mercado doméstico. O consumidor, claramente, dá preferência ao vinho alentejano. Nas suas escolhas, o vinho do Alentejo está em destacadíssimo lugar na liderança das suas preferências. Já esteve perto de 47%, todavia, continua a ter um peso enorme. E isto é tão ou mais importante porque o mercado doméstico é também um dos mais exigentes. É aquele onde o consumidor é muito conhecedor e, portanto, ao fazer esta escolha, claramente indica uma preferência pela qualidade que o Alentejo apresenta. E tudo isto é muito positivo. Mas, às vezes, o sucesso encerra algumas dificuldades, uma delas é a exportação. A exportação representa, em termos médios, nos últimos cinco anos, cerca de 25%.
O que é baixo?
É baixo porque se utilizamos como referência as grandes regiões do mundo, aí o valor oscila entre os 40 e os 50%, no valor da comercialização destinado para a exportação. Estamos aquém desse número. Olhando para esta realidade, podemos ser tentados a adotar uma perspetiva do copo meio vazio. Confesso que, para mim, é sempre a outra perspetiva, a de meio cheio, e vemos aqui uma oportunida- de. Numa perspetiva a cinco anos, em média, o sector dos vinhos do Alentejo produz anualmente cerca de 113 milhões de litros. Destes, cerca de 66 milhões são comercializados em Portugal. E cerca de 20 têm como destino a exportação. Bom, é fácil olhar para estes números e perceber que, todos os anos, estamos a gerar um excedente na ordem dos 26 a 27 milhões de litros.
Todos os anos!
Todos os anos. E isso, evidentemente, não podemos dizer que seja um fenómeno positivo. Mas, agora, vejamos esta mesma realidade assumindo que as médias se mantêm, mas com uma única diferença. Se nós, em lugar de exportarmos 25% chegássemos aos 43%, e mantivermos a média da produção anual, deixaremos de ter excedente. As grandes regiões do mundo andam por essa percentagem de expor tação, 43%. Ou seja, uma das soluções – não é a solução, mas é, seguramente, uma das soluções – passa pela exportação.
Mas isso num cenário de contração do mercado global parece ambicioso.
Pois, é claramente ambicioso. A questão que colocamos é esta: se consumidores tão exigentes como os portugueses preferem os vinhos do Alentejo, porque é que no mercadointernacional não temos mais sucesso? Temos todas as condições reunidas para isso, para aumentar as exportações, ainda que não seja propriamente tocar numa tecla e ver surgir essa realidade. É aí que, de certa maneira, também entre a CVRA e o papel que teremos de executar para apoiar a região no sentido de alcançar uma presença mais forte nos mercados externos. Teremos de investir mais forte em termos de promoção, seja com a presença em feiras ou no convite para jornalistas e compradores dos nossos vinhos conhecerem a região. Para isso precisaremos de mais recursos.
E o plano estratégico apontará o caminho?
Irá, justamente, tentar responder a esta perspectiva macro, para podermos perceber o que está a acontecer. Repare, temos, tradicionalmente, a perspetiva de que a área de vinha no Alentejo está a crescer e, no entanto, nos últimos anos a área tem sofrido uma correção. Temos um cadastro muito apurado e constantemente atualizado e percebemos que já não há o crescimento, estamos agora a viver um fenómeno de correção da área. Se olharmos para os números que a Organização Internacional do Vinho nos apresenta, eles dizem claramente que, a nível mundial, a mancha de vinha está a reduzir-se. Se há uma redução do consumo mundial, o natural é que haja um equilíbrio entre a oferta e a procura. É o que se está a verificar por todo o mundo, e que está a começar no Alentejo. Também há alterações na mancha das diversas castas. Esta é uma região em movimento, uma das do país com maior potencial de mecanização e de robotização, dando resposta a uma das carências com as quais nos debate- mos, a falta de mão-de-obra.
Sendo difícil voltar aos números do passado, com quase 50% da cota de mercado nacional, quais são os principais alvos em termos de exportação?
Diz, e bem, que o mercado doméstico, onde continuamos a ser líderes destacadíssimos, é um mercado maduro e que, portanto, não terá tendência para crescer. Uma região como a nossa, tem que alavancar a sua presença no mercado global. Respondendo à sua pergunta: de todo o universo potencial de mercados, alguns apresentam-se já com um potencial, claro, como o Brasil, o Canadá ou o Reino Unido, mas também mercados asiáticos, nomeadamente a Coreia do Sul.
Apesar das taxas?
No Brasil, as taxas que são cobradas aos vinhos portugueses ultrapassam os 100% e é obrigatório o seu pagamento à cabeça. Sabe- mos que a União Europeia já fechou um acordo comercial com o Mercosul. O problema é que esse tratado não está ainda ratificado no Par- lamento Europeu. Se essa ratificação ocorrer, é fácil perceber que as vendas dos vinhos do Alentejo para o Brasil podem disparar. Estamos a estimar um acréscimo na ordem dos seis a 10 milhões de litros por ano. Reparem que, só por aqui, estamos a falar de 50% do total das exportações anuais. Todavia, tendo em consideração a notoriedade que os vinhos do Alentejo têm no seu conjunto, e a perceção de qualidade que têm no Brasil, não me surpreenderia que estas cifras até pecassem por defeito.
Porque inclui, nessa lista, o Canadá?
É um mercado que neste momento é relativamente pouco importante em termos de destino das exportações do Alentejo. São mercados de monopólio, que têm alguma dificuldade de acesso. Mas as principais províncias, Quebeque e Ontário, acabaram de anunciar que todos os vinhos norte-americanos saíram de linha. Para termos uma ideia, estamos a falar de 31 milhões de litros de marcas norte-americanas que deixaram de ter acesso à prateleira do Canadá. Dir-me-ão que todos os outros países vão querer disputar esse espaço. Sem dúvida, mas nós também teremos de o fazer. E temos condições únicas em termos qualitativos, em termos de inovação, em termos de capacidade de gestão dos nossos agentes económicos, para os vinhos terem capacidade de se afirmarem.
Quanto às taxas anunciadas pelos Estados Unidos?
Os números que temos, por exemplo, relativos a maio, demonstram que o mercado dos Estados Unidos já é praticamente inexistente. Uma das razões prende-se com a instabilidade profunda que estamos a viver. Não quer dizer que o mercado seja despiciendo. O que digo é que, para este ano e para os seguintes, não nos parece que faça muito sentido estar a investir em termos promocionais num mercado que está em ebulição, que está em transformação, não sabemos exatamente em que direção.