Habitação bate no fundo. Constrói-se cada vez menos

O número de novas habitações para alojamento familiar caiu 88% no Alentejo, desde o início do século. Dificuldades de licenciamento e falta de mão-de-obra explicam desinvestimento. Promotores esperam anos para poder construir.

Júlia Serrão (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

A edificação nova para habitação familiar no Alentejo caiu cerca de 88%, nas últimas duas décadas. A falta de terrenos para construção, o preço elevado dos que vão aparecendo e a lentidão da aprovação dos loteamentos são apontados como as principais causas para a escassez de casas no território.

Em 2002 foram construídos 3988 fogos para habitação familiar no Alentejo. Em 2012 foram 969. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de fogos concluídos em construções novas voltou a descer nos anos seguintes, ainda que se tenha verificado uma subida pouco significativa em 2021 relativamente a 2020, e em 2022 concluíram-se apenas 487.

Fontes do setor explicam a escassez de casas novas como resultado de um conjunto de fatores, que é transversal a todo o Alentejo. Desde logo “há poucos construtores no interior, se calhar pouco mais de meia dúzia” por concelho, devido às sucessivas “crises” ao longo destas duas décadas, refere Diamantino Marreiros. O empresário alerta para uma significativa carência de mão-de-obra no sector, que diz atrair principalmente indivíduos estrangeiros com pouca qualificação, e mesmo estes são “difíceis” de encontrar. Por outro lado, constata-se uma redução “bastante grande” das cooperativas de habitação, sendo que a maioria acabou por falir. 

Mediador imobiliário em Évora, Diamantino Marreiros aponta a falta de terrenos para construção e o preço elevado dos que vão surgindo como “fatores preponderantes” para o considerável abrandamento da construção. A par das taxas municipais altas e da morosidade das câmaras municipais na aprovação de projetos.  

De qualquer forma, defende que “os loteamentos são talvez o ponto mais grave, pois arrastam-se anos e anos”, dificultando a vida aos investidores que definem um tipo de estratégia mas, tendo de esperar bastante tempo para a aprovação do loteamento com alvará, arriscam-se a que o mercado já “dite” outro tipo de edificação. E de preços. Constata: “Por vezes, é difícil implementar uma estratégia com o raciocínio de há 10 anos”.

REVISÃO DOS PDM TRAZ DIFICULDADES

Uma vez desatualizados, os Planos Diretores Municipais (PDM) seguiram para revisão, estando agora em discussão publica. Mas os construtores não estão otimistas relativamente ao que aí vem. Diamantino Marreiros avança que “a ideia é reduzir o perímetro urbano”, para que Portugal possa beneficiar de alguns fundos europeus. Eventualmente permitir que os proprietários com terrenos não edificáveis construam, e os que não construíram até agora percam o direito edificatório. 

Já o presidente do conselho de administração da Cooperativa de Construção e Habitação Económica Giraldo Sem Pavor, José Raposo, alega que os técnicos locais incumbidos da atualização dos PDM estão “a arranjar um imbróglio” ao obrigarem os promotores a oferecer às Câmaras Municipais “cerca de 15 a 20% dos lotes que vão construir”. Como se não bastasse “o pagamento elevado de taxas”, observa. Entende que quem está a gerir o processo “não só não conhece o mercado, como tem uma série de preconceitos ideológicos que vai agravar a situação”. 

A cooperativa Giraldo Sem Pavor continua a ter “uma procura imensa”, uma vez que está vocacionada para a construção de habitação a preços controlados, para “segmentos mais desfavorecidos” da sociedade, “a classe média e média baixa da população”. O presidente do conselho de administração diz que recentemente a cooperativa construiu em Beja, pela primeira vez, tendo vendido (ou reservado) todas as casas, de forma rápida. 

No entanto, não vê este tipo de construção como “a solução” para a crise do setor, pois é preciso haver alternativas no mercado. “O que temos de questionar é porque é que a oferta diminuiu”, aponta. Para objetar que “o Governo e as Câmaras, em particular, têm uma responsabilidade muito grande” no estado a que o sector chegou. Os PDM estabelecem zonas de expansão, prossegue, “mas a política mudou muitos nos últimos anos, sendo que os municípios transferiram para os privados a responsabilidade total da construção dos loteamentos”.

José Raposo conta que um proprietário lhe pediu dois milhões de euros por um terreno em Évora com capacidade construtiva para não mais de 60 casas. Mas como o terreno “não está preparado” para esse efeito, seria ainda preciso “construir as infraestruturas” que lhe podiam custar mais de dois milhões euros, sendo que a Câmara ainda iria exigir “uma garantia de dois milhões de euros” para construir aquele loteamento. Desistiu do empreendimento. Diz que se passa o mesmo em Beja, com imensos terrenos onde ninguém vai construir porque “o custo das infraestruturas é brutal”.

INCENTIVOS À CONSTRUÇÃO

Tendo em conta os números do INE, a construção nova para habitação familiar no Alentejo caiu cerca de 88% desde o início do século. Uma queda superior à verificada a nível nacional, que foi de 84%. Consequentemente, a falta de casas e a inflação dos preços das que vão para o mercado colocam dificuldades acrescidas a milhares de famílias, sendo um fenómenos com mais visibilidade nas capitais de distritos.  

Em Évora há uma “carência colossal” de habitação e casas à venda “a preços mortais”,  enquanto o Bairro dos Leões está à espera que alguém lá construa há 30 anos”, sublinha José Raposo. “Tem capacidade para perto de mil casas e ninguém fez lá um projeto”. Assegura que a demora na aprovação dos loteamentos é o fator que mais contribui para o abrandamento da construção, pois as condições do mercado mudam enquanto decorre o processo de licenciamento e, no final, o investimento pode não se revelar vantajoso. Daí que muito investidores recuem. O exemplo da própria cooperativa é paradigmático. Está à espera que um loteamento seja aprovado pela Câmara de Beja há três anos, e que um outro seja viabilizado pela Câmara de Évora há cinco. Perentório, volta a frisar a responsabilidade das autarquias na falta de casas de habitação, devido ao seu mau funcionamento e ação dos técnicos, não cumprindo as regras, uma vez que o Código do Processo Administrativo “estipula prazos de resposta”. O valor excessivos das taxas municipais é outro aspeto a levar em conta, reafirma. O resto da responsabilidade é “do Estado”.

Para inverter a situação, têm de ser criados alguns incentivos, e os municípios têm um papel importante. Nomeadamente operando “algumas reduções nas taxas e na criação de eventuais terrenos para a habitação a custos controlados”, sugere Diamantino Marreiros, reconhecendo que o aumento das taxas de juro “também não tem estado a ajudar”, nem compradores nem investidores, sobretudo famílias de classe média e pequenas e médias empresas.

PREÇOS ELEVADOS

Uma análise da Alentejo Ilustrado a dados do Instituto Nacional de Estatística revela uma quebra de 88% na construção de novos fogos para habitação familiar. Em 2002 foram construídas no Alentejo 3988 habitações. Em 2022 esse número não foi além das 487. O que ajuda a explicar não só a falta de habitação, como o preço elevado tanto nos arrendamentos como na compra de casa.

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