Laura Portugal Romão não conhecia Portalegre quando aceitou o convite da Fundação Robinson, em 2006, para fazer o pré-inventário da coleção de Cristos de Rui Cerqueira e organizar o transporte das peças da casa do colecionador para o espaço da fundação. Falaram-lhe em dois mil Cristos, mas na verdade eram mais de oito mil peças, e assim o contrato para três meses acabou por se prolongar. Terminado esse trabalho, assumiu a fiscalização do restauro da Igreja do Convento de São Francisco.
“No início vinha uma vez por semana a Portalegre. Depois passei a vir duas, depois três, e quando dei por mim passava mais tempo aqui do que em Lisboa”, diz, para explicar que passados três anos de viagens entre o litoral e o interior se mudou definitivamente para a capital do Alto Alentejo. “A Fundação propôs-me ficar cá a tempo inteiro. Entretanto, a minha filha ia entrar na escola primária, pelo que decidi que começaria cá”.
Manteve-se na Fundação até 2012, altura em que se previa o seu encerramento. Ainda passou pela Diocese de Portalegre, encarregando-se do pré-inventário da Catedral, “mas como a obra não avançava, não houve continuidade”. Seguem-se alguns “meses de incerteza”, antes de assumir as funções de conservadora que hoje exerce na Câmara de Portalegre, sendo que entre 2006 e 2012 já havia colaborado com o Município, quando, agregada à Fundação Robinson, fez parte da equipa de restauro das peças do museu municipal aquando da sua reabilitação.
Tudo o que tem a ver com o património passa pela conservadora: o restauro das peças dos dois museus, o acompanhamento das que vão para exposição, e o restauro das fontes da cidade, por exemplo. No momento, está a fazer um restauro “com alguma importância” – trata-se de um brasão que fazia parte do Palácio Achaioli, um monumento de arquitetura barroca datado do século XVIII. Paralelamente leva o “discurso do património” às crianças das escolas primárias do concelho e faz ações nos lares com os seniores. “Os miúdos estão cada vez mais habituados a estas ações e associam-me às conversas dos museus”, comenta.
Especializada em conservação e restauro de escultura em terracota, Laura Romão chegou a Portalegre com um vasto currículo: colaborou com o Museu Nacional do Azulejo, realizou trabalhos para a Fundação Gulbenkian e Fundação Oriente, e integrou as equipas de restauro do Mosteiro dos Jerónimos e da Basílica da Estrela, em Lisboa. Fez ainda parte do grupo de trabalho do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja, de onde resultou o livro “Manual de Boas Práticas de Conservação Preventiva de Bens Culturais da Igreja”, em coautoria com a historiadora Sandra Costa Saldanha. É coautora de mais duas publicações no âmbito dos restauros dos presépios da Madre de Deus e da Basílica da Estrela.
Ainda assim, foi-lhe muito fácil deixar Lisboa para aceitar a proposta de trabalhar no interior do país. “Eu nasci em Angola, e porque a minha mãe era professora cresci em vários pontos de Portugal. Sempre tive mais ligação à província do que à capital”, nota, explicando que a permanência em Lisboa só acontece durante a adolescência e o início de vida adulta, após viver um ano em Florença. “Sempre achei que acabaria num museuzinho de província, sempre foi o meu sonho. Só foi um bocadinho antes do que eu previa, mas a vida encarregou-se que fosse assim”.
Quando o convite surgiu, viu “um grande potencial” na cidade de Portalegre, sendo que havia “um grande esforço para reerguê-la”, pois tinha sofrido um forte abalo com o encerramento das fábricas. “O museu municipal estava a ser requalificado, o castelo intervencionado, e a Fundação Robinson tinha um projeto de fazer um Centro de Restauro do Alentejo, que acabou por não se concretizar”.
Profissionalmente, diz que acaba “por ter muito mais autonomia” do que alguma vez teria em Lisboa, e estímulos também. “Há dois anos tive o grande desafio do restauro da Catedral de Portalegre, em que fui convidada a fazer a fiscalização”, no âmbito de “uma parceria” da Câmara com a Diocese.
Defende que a agenda cultural de Portalegre também é muito interessante, acolhendo um programa anual diversificado, que também contribui para a descentralização do acesso à arte e à cultura. E quando algum espetáculo ou exposição no cartaz de Lisboa lhe interessa, reserva um fim de semana para ir até à capital. “Aproveito muito mais agora do que quando lá vivia, em que temos tudo e acabamos por não desfrutar de nada. E aqui é outra paz, outra tran- quilidade, e conseguimos desfrutar de tudo”.
A Laura Romão não lhe pesa a interioridade do território, ou a solidão que por vezes lhe é associada. Diz a propósito: “Acho que a solidão em Lisboa é maior que no Alentejo, porque lá estamos rodeados de gente e sentimo-nos mais sozinhos. Aqui conhecemos toda a gente, quando vamos à rua encontramos sempre alguém, conversamos sempre com alguém. Só a qualidade de vida de sair de casa e ir a pé para o trabalho, ter tempo para tudo. E quando estamos cansados, andamos um bocadinho e estamos no campo com uma paisagem a perder de vista que nos faz bem ao espirito, e isso é ótimo”.
Durante muito tempo, manteve a casa em Lisboa com ideia de que um dia pudesse voltar, mas o ano passado vendeu-a, “cortando à partida essa possibilidade”. O projeto é ficar. “Considero-me alentejana de coração”, afirma sem hesitações. Diz que aprende “muitas coisas, todos os dias” com Portalegre. A começar por si própria, sobretudo nos vários meses que passou a trabalhar, sozinha, num barracão no meio de uma herdade, longe da cidade e rodeada de imagens de Cristos. “Foi um período que me fez pensar muito na vida, ainda mais porque vinha de um divórcio”.
“Depois” – acrescenta – “aprendi a viver o Alentejo, a viver este vagar, esta calma e qualidade de vida. E ultimamente tenho aprendido aquelas coisas mais práticas de ir aos cogumelos, aos espargos, apanhar poejos para fazer uma sopa de peixe. Eu desfruto disso tudo, tento aprender isso tudo. Acho muita piada a estas vivências”.
UM ATELIER DAS ARTES
Por estes dias, Laura Romão também faz parte da direção e é grande dinamizadora do Atelier das Artes de Portalegre, uma associação criada nos anos 80 que se encontrava inativa des- de 2000, e que um grupo de pessoas conseguiu “ressuscitar” o ano passado. É um trabalho voluntário que lhe dá muito gosto de fazer. “O nosso objetivo é promover os artistas da região, dar a conhecer o que se faz, e promover o património”, explica. A associação promove também o mercadinho das artes, um mercado de rua onde convida todos os artistas da região a participar. trabalhando ao vivo. São escultores, pintores, ceramistas… mas também se procura recuperar o artesanato de qualidade, a arte pastoril, trabalhos em madeira e cortiça ou latoeiros.