Escrevi, há mais de 20 anos, num jornal regional, uma crónica com o título “Évora, Capital do Megalitismo”. Os destinatários dessas crónicas não eram, obviamente, os turistas, mas sim os eborenses. De facto, continuo a pensar que a excecionalidade dos monumentos megalíticos eborenses, para além do interesse económico que o turismo cultural representa, devia, antes de mais, ser uma mais-valia cultural para usufruto dos indígenas…
Para os mais distraídos, talvez valha a pena recordar que a Anta Grande do Zambujeiro é a anta mais alta do mundo (e existem muitos milhares de monumentos do mesmo tipo, um pouco por todos os continentes) e o Cromeleque dos Almendres o maior monumento megalítico da Península ibérica. Abstenho-me de descrever e comentar, mais circunstanciadamente, estes dois monumentos. Muito menos conhecido, como sítio arqueológico, é o Alto de S. Bento, o clássico miradouro da cidade que alberga, entre outras estruturas, um núcleo museológico.
Sinal desse estranho esquecimento, por parte da Câmara de Évora, é a forma como, nos painéis afixados no local, mas também na informação disponibilizada por outros meios, se divulga o Núcleo Museológico do Alto de S. Bento: destaca-se a geologia, a florística, a etnografia, a paisagem, mas a palavra arqueologia pura e simplesmente não consta.
Recentemente, fiz prospeções arqueológicas minuciosas, na área do Alto de São Bento, confirmando a existência de vestígios inequívocos de um extenso povoado calcolítico (III milénio antes de Cristo), com muralhas e torres de pedra e, também, aparentemente, de duas áreas de ocupação. Vejamos a questão da atribuição cronológica: por um lado, a informação bibliográfica de que tenho conhecimento, apesar de o sítio ter sido referenciado, pelo menos, desde o século XIX, é muito escassa e pouco consistente.
Por exemplo, a presunção de uma ocupação da Idade do Ferro, assente num achado avulso (uma pintadeira, em bronze) e talvez no topónimo ‘castris’, não parece ter base substantiva.
Muito mais interessante, mas muito datado, destaca-se um texto, publicado num jornal eborense, em 1938, assinado por Tito Lívio Eborense, sobre o Alto de S. Bento e divulgado online por A. Carlos Silva e Mário Carvalho. Esse autor refere recolhas de materiais (“centenas de objetos pré-históricos”), talvez de superfície, cujo paradeiro desconheço. A referência às muralhas, apresentada de forma muito taxativa, carece de referência a evidências concretas; porém a menção à “escarpa que lhe servia de forte muralha” parece de reter.
Os dados disponíveis, nomeadamente os materiais observáveis à superfície, assim como a localização do sítio numa topografia vantajosa e o próprio topónimo castris, permitem assegurar a presença das ruínas de um povoa- do fortificado do Calcolítico, iniciada eventualmente ainda em fase neolítica, como ocorre noutros casos conhecidos. No lado oriental, são ainda visíveis restos da muralha.
A quase invisibilidade, à superfície, das estruturas defensivas, é relativamente normal nos sítios desta época; com frequência, sobrevivem apenas as últimas fiadas de pedra, ao nível do solo; essa situação deve ter sido agravada, no caso do Alto de São Bento, pelo uso dos derrubes da muralha como pedreira, presumivelmente desde a instalação, pelos romanos, da cidade de Évora.
Fora da cerca do Convento de S. Bento de Castris, quase toda a área foi profundamente afetada por construções de épocas históricas, por extração de pedra e, atualmente, pela erosão dos sedimentos, em particular ao longo da rede de trilhos que a percorre. Do lado ocidental, a muralha calcolítica é aparentemente extrapolável, como sugeriu o Tito Lívio Eborense, tendo em conta os declives naturais proporcionados por uma linha de afloramentos.
A importância do “castro” do Alto de S. Bento, no âmbito do património arqueológico eborense, parece-me óbvia, por várias razões. Não se trata, é claro, da “origem e fundação” da cidade, uma vez que, aquando da implantação de Ebora, em época romana imperial, o Alto de S. Bento seria uma ruína com, no mínimo, dois mil anos de abandono. É muito plausível que a atribuição do topónimo castris tenha sido feita em época romana, o que implica que as muralhas, mesmo arruinadas, seriam ainda bem visíveis.
Por outro lado, convém notar que, se a área delimitada a partir dos materiais de superfície, se vier a confirmar, em futuras escavações ou sondagens geofísicas, estamos perante um dos maiores povoados calcolíticos, com muralhas de pedra, em Portugal, o que não espanta se tomarmos em consideração a excecionalidade, acima referida, quer dos Almendres, quer da Anta Grande do Zambujeiro.