Cantaria, ou a arte de Marco Lopes para bem trabalhar o mármore

Com oficina em Estremoz, Marco Lopes cresceu a ver o pai trabalhar a pedra e tomou-lhe o gosto. Depois de uma passagem por Inglaterra, dedicada a novas aprendizagens, regressou “a casa” para se lançar com um projeto individual. A ideia, diz, “é conquistar os clientes pela diferença, com peças únicas, inovadoras, artísticas”. Mariana Miguéns (texto e fotografia)

Nascido e criado na terra do mármore, Marco Lopes cresceu a ver o pai trabalhar a arte da cantaria. Cantaria é o termo que se dá ao trabalho artesanal de esculpir e moldar pedras, refere-se ao processo de talhar a pedra bruta dando-lhe forma e acabamento específicos, conforme o projeto. A cantaria utiliza principalmente pedras naturais, como granito, calcário, arenito ou mármore, como é o caso.

Com 12 anos, Marco Lopes inicia a sua carreira, dando os primeiros passos na cantaria. Terminada a escolaridade obrigatória começa a trabalhar na oficina do pai. Um trabalho a tempo inteiro. Depois veio a emigração para Inglaterra, à procura de novas oportunidades de trabalho e da aprendizagem com novos materiais e novos químicos, por lá ficando cerca de oito anos.

“O meu pai sempre foi a minha fonte de inspiração. Depois de muitos anos na oficina decidi emigrar porque queria especializar-me em novos produtos químicos como a cola e outros materiais”, conta. Em Inglaterra, acrescenta, teve tempo para aprender outras técnicas e explorar outros materiais. Um exemplo: “aqui trabalhamos tudo a mão e esta é uma atividade que gera muito pó, o que prejudica os pulmões. Lá fora trabalham muito com base da água, é tudo polido a água, o que dá mais brilho às peças, um acabamento mais bonito e, claro, não produz tanta poeira”.

A cantaria é uma profissão tradicionalmente transmitida de mestre para aprendiz, num processo contínuo feito ao longo de muitos anos. Com a diminuição do uso de trabalhos de cantaria, menos jovens se interessam por aprender esta arte, o que resulta numa falta de novos artesãos qualificados. O abandono, ou o “esquecimento”, como refere, é um reflexo de mudanças económicas, tecnológicas, culturais e sociais que influenciam as práticas de consumo da sociedade.

“Acho que os jovens”, diz o mestre, “já não têm vontade de aprender, primeiro porque sujamo-nos muito, depois pelo perigo. Este trabalho requer muita segurança, trabalhamos com máquinas pesadas e perigosas, tem de se ter muito gosto pela arte, é precisa muita paciência e muito tempo para terminar uma peça”. 

Acresce que o nível salarial também é diferente, quando comparado com o que se pratica em Inglaterra. “Nunca vou conseguir ganhar o mesmo, mas o ritmo também é bastante diferente, pois lá trabalhamos muitas horas de seguida, todos os dias, e aqui acomodamo-nos… faz-se uma peça hoje, amanhã outra, são peças únicas. Se quiser fazer uma peça igual provavelmente não será possível”, revela Marco Lopes. Mas é também essa singularidade, o ato de criação de um objeto único, que coloca a cantaria a meio caminho entre o artesanato e o objeto artístico.

Neste momento, Marco Lopes trabalha com todo o tipo de mármore, desde o branco ao ruivina e, claro, ao de Estremoz, cuja exploração se distribui pelos concelhos vizinhos de Borba e de Vila Viçosa. É, como se sabe, uma arte antiga,explorada desde a época em que a Península Ibérica foi conquistada pelos romanos. Sobre a base do Templo Romano de Évora, por exemplo, assentam ainda 14 das suas colunas coríntias originais. O pavimento, julga-se que seria revestido por mosaicos, desapareceu por completo, mas as colunas conservam ainda os capitéis, feitos de mármore branco de Estremoz.

De regresso a Portugal, ainda com a mesma paixão, Marco Lopes começa a trabalhar em pedreiras locais, onde observou o processo completo desde a extração até à entrega ao cliente e foi dai que surgiu a vontade de “montar um novo projeto, de forma individual”. A ideia, diz, “é conquistar os clientes pela diferença, com peças únicas, inovadoras, artísticas”.

É na oficina, na Estrada Municipal 504, em Estremoz, que corporiza a sua arte. “A nível de trabalhos mais complicados nãotemos quase ninguém capaz de os fazer, somos dois ou três, mas alguns nem trabalham escultura, nem arte. Antigamente havia umaescola prática que incentivava os jovens a aprenderem escultura em mármore e outros materiais, mas as coisas foram desaparecendo a pouco e pouco e as pedreiras foram fechando”, lamenta.

Diz Marco Lopes, que mesmo a matéria-prima começa a tornar-se “cada vez mais escassa”, mesmo para quem trabalha no “coração” da região dos mármores. “Não há quase mármore branco, por exemplo. Para se conseguir comprar tem de ser em grandes quantidades e, neste momento, nem tenho capacidade de transporte, nem de trabalhar com dois ou três blocos de mármore, que são coisas enormes e pesam imenso”. Dificuldades à parte fica a garantia: “Pretendo ficar por cá, tentar mostrar a minha arte e talvez começar a expor, seja no espaço de adegas ou nas unidades hoteleiras”.

Apesar de “esquecida”, a cantaria é uma arte que combina tradição, habilidade e um profundo conhecimento dos materiais, resultando em construções que combinam funcionalidade com uma estética que muitos consideram perfeita. Acresce que a durabilidade continua a ser um “trunfo”, tal como o peso da história e a contribuição da cantaria para a preservação do património cultural. 

ARTE ESPECIALIZADA

A cantaria é altamente especializada e, por isso, é mais cara em comparação com outras técnicas de construção. A necessidade de haver artesãos qualificados e o tempo que leva para esculpir e preparar a pedra aumentam significativamente os custos de um projeto. Numa era onde a eficiência e a rapidez são frequentemente priorizadas, o processo meticuloso da cantaria é visto como uma desvantagem. Os projetos modernos de construção, frequentemente, favorecem métodos que permitem uma construção mais rápida e em maior quantidade. Mas a história e o património aí estão para comprovar a beleza e durabilidade da técnica. Se duvidas houvesse, bastaria olhar, por exemplo, para a torre do Castelo de Estremoz.

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