Para se compreender o que vou escrever, saibam que há 30 anos que caminho para Santiago de Compostela, isto é, tenho uns milhares de quilómetros nas pernas e uma relação íntima com o Senhor Santiago, conheço bem o tema. Em 2010, depois de alguns anos de escrita e maturação, o jornal Público editou e distribuiu o “Fugas a Pé”, provavelmente o melhor livro português sobre andar a pé. Para terminar a apresentação do meu currículo no tema, destaco nas minhas pernas os quilómetros no West Highland Way (WHW) – https://www.westhi- ghlandway.org/ – um dos 10 percursos mais fascinantes do mundo, que atravessa a Escócia de sul a norte.
Citar o WHW é importante porque é um exemplo de como se estrutura e opera um produto turístico de alto valor, onde uma diária de um caminheiro fica, no mínimo, em 200 euros. Por cá, temos uma rota, à nossa escala, comparável ao WHW, a Rota Vicentina. Desenhada e operada por quem está no terreno (particulares) e participada por organizações públicas, designadamente autarquias.
Tudo isto para chegar ao Caminho de Santiago no Alentejo, uma cretinice absurda, umas centenas de milhar de euros mal gastos. Outro mau exemplo no Alentejo é a Grande Rota do Montado. A coisa fica ainda mais estranha quando o Alentejo tem excelentes condições para desenhar rotas com sucesso e, sobretudo, com fundamento histórico e cultural. Por razões óbvias, o sucesso do Caminho de Santiago no Porto e no Minho não é replicável no Alentejo. O Caminho de Santiago em Portugal, para além do Porto e do Minho, é uma enorme oportunidade para Fátima, ou seja, ligar Fátima ao Porto, mas a Igreja não está interessada e o país também não, vá-se lá saber porquê?
Vila Viçosa, que se deseja Património Mundial da Unesco em breve, acolhe a Padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Conceição; ligar Fátima a Vila Viçosa, sim, faz sentido, todo o sentido. Tem uma história e milhares de caminheiros e muitos peregrinos, com motivação para pisar estes trilhos. Depois, cá dentro, no Alentejo, ligar os principais Santuários a Vila Viçosa, como a Nossa Senhora d’Aires em Viana do Alentejo, é mais do que óbvio.
Outro excelente exemplo é a rota da Romaria entre Moita e Viana do Alentejo, que em tudo para ser um produto de excelência durante 365 dias por ano e não apenas na semana da romaria. Na verdade, a capital do país é ligada à cidade Unesco de Évora no tempo e quilómetros certos para ser um enorme sucesso. O regresso de Évora ao aeroporto de Lisboa pode ser feito em comboio, como este tipo de turista tanto aprecia. Nem a Senhora d’Aires percebe como esta rota não está no terreno…Alguém sabe?
Por todo o mundo inventam-se histórias para motivar as rotas carregadas de turistas caminheiros que promovem riqueza; cá, temos as histórias e as condições certas para excelentes rotas, mas inventa-se a maneira de estragar dinheiro, um hábito bem português.