Carlos Cupeto: “Fogo”

A opinião de Carlos Cupeto, professor da Universidade de Évora

E eis que um ano fantástico em área ardida, num repente, vira o oposto. Tudo se passou como se não houvesse um passado, não é só 2017 que nos diz o que fazer para mudar de caminho. Desta vez Porto, Aveiro, Viseu e Coimbra, o mito do Portugal despovoado como uma das grandes causas do fogo, se não caiu, levou um abanão e deve entrar na reflexão que o país tem de fazer.

É simples, em Portugal só arde o que ainda não ardeu. Torna-se relativamente fácil prever o que vai arder. Muito significativo foi ouvir alguns locais, em diferentes geografias e contextos, evocarem episódios de fogo em anos anteriores em que as chamas tiveram o mesmo comportamento, direção de progressão, consequências etc. Nada de novo. Ao longo dos anos, desde 2017 por exemplo, os meios disponíveis para o combate são sempre mais e sempre insuficientes, uma certeza, sem- pre assim será.

O problema não se resolve por aqui, antes pela gestão/planeamento e prevenção. Isto é, antes do fogo, alterando quase tudo. Já é tempo de o assumir e fazer, ou assumimos que somos mesmo incapazes? Para além de tudo o resto, também aqui, na floresta, “gritou-se” ser necessário fazer uma reforma florestal. Como em tudo, há que fazer uma reforma, na verdade o país precisa de uma reforma geral.

Sem qualquer conotação ideológica e muito menos política, chegados aqui, ao fim de 50 anos, talvez não seja uma reforma, mas antes uma revolução. A nossa incapacidade, mais uma vez, de gerir com eficácia o tema da floresta/fogo não pode justificar-se com os eucaliptos, alterações climáticas etc. Ao lado, em Espanha, trocamos o eucalipto pelo pinheiro, e tudo o resto é igual (clima, ocupação do território, etc.); porque não arde a Espanha como cá?

Lamenta-se, mais uma vez, a morte de bombeiros. Já alguém, alguma vez, questionou a preparação dos nossos “voluntários”? Os bombeiros “voluntários” são um tema tabu. A Espanha aposta na prevenção com gente preparada para isso; por cá, a nossa ação é reagir ao fogo. Porque será que, há duas ou três décadas, os nossos vizinhos qualificaram, especializaram e profissionalizaram os bombeiros? O que fazem os nossos bombeiros “voluntários” no muito tempo em que não há fogo? Do lado de lá limpam e preparam a floresta (caminhos, aceiros, etc.).

Por cá, cada vez que há fogo, as diferentes organizações com responsabilidade, Proteção Civil, Liga de Bombeiros e outras acusam-se mutuamente, sempre assim é. Há conflito de competências? Desculpem-me, mas este inconcebível e repetido quadro leva-me a considerar que, no momento crítico de um grande incêndio, há falta de comando e coordenação, isto é, a condição ideal para que a coisa corra mal. E agora, depois de 2024? Como sem- pre, acudimos à catástrofe, criamos mais uns grupos de trabalho, produzimos estudos e planos e no fim vai arder tudo o que ainda não ardeu. Desculpem ser tão realista.

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