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Crónica de Jorge Araújo: “Alentejo, julho de 2050” (parte III)

O Alentejo está condenado a desenvolver-se, disse alguém. Esperemos que o faça sem se descaracterizar como aconteceu com outras regiões. Para nos certificarmos, viajámos até 2050 e seguimos os passos de uma família sueca, curiosa por descobrir esta ponta da Europa “onde a terra acaba e o mar começa”.

Jorge Araújo (texto) e Susa Monteiro (ilustração).

Finalmente, Helga e João voltavam a juntar-se no cesto de um balão. Desta vez, não seria para satisfazerem a curiosidade que desperta a imensidão de colinas ocres, escavadas como termiteiras, da Capadócia, mas para se deliciarem diante da vastidão da planura alentejana. 

João explica a Helga que, outrora, durante séculos, vastas daquelas áreas, hoje verdes, tinham sido queimadas durante as guerras, para desacoitar os inimigos, e arroteadas para produzir cereais. Contudo, os solos eram delgados, não prometiam senão produções modestas e vidas de miséria. Ele próprio tinha participado, desde há alguns anos, no restauro de muitas dessas áreas, recriando o “montado” e atraindo a fauna selvagem. 

Helga quis saber então o que era isso, que não tinha tradução em inglês. João explicou-lhe que o “montado” é a designação dada a uma invenção do Homem que concilia os carvalhos da floresta natural, a azinheira e o sobreiro, com o pastoreio. As árvores são suficientemente distanciadas umas das outras para permitirem que a luz chegue ao solo e induza o crescimento das ervas e arbustos, dos quais os porcos, as cabras e os bovinos se podem alimentar; mas também dos frutos das árvores, as bolotas, que são muito nutritivas. Por sua vez, as árvores beneficiam dos dejetos animais, que contribuem para o enriquecimento dos solos em matéria orgânica, o que contribui para reter a água e os nutrientes. Helga ouvia com atenção a explicação de João, apreciando o cuidado que ele punha em não usar termos técnicos. 

O balão partira da base aérea de Beja, pela manhã fresca, e contavam dar uma volta passando pela albufeira do Alqueva, e pelos vastos campos agrícolas, de regadio. Veriam Évora ao longe e regressariam, se possível, de modo a avistarem o horizonte oceânico, pelo pôr do sol.

Helga estava encantada! A paisagem grandiosa e o braço do João nos seus ombros, um beijo aqui e outro ali, compunham momentos idílicos; enquanto a tarde caía.

Um dos beijos foi interrompido pelo zumbido provocado por três automóveis voadores que sobrevoavam o território rumo ao sul. Eram agora frequentemente utilizados por empresários e pela polícia. Aqueles deveriam dirigir-se ao Algarve. Helga referiu que na Suécia eram comuns e que, a tendência, seria para serem mais frequentes à medida que aumentasse a autonomia; o que estava dependente das baterias ligeiras, a protões… que ela iria aperfeiçoar, disse com uma gargalhada que disfarçava uma certa presunção.

Em 2050, o Mundo não tinha conseguido atingir a meta de zero emissões de gases com efeito de estufa, como tinha sido estipulado em Glasgow, em 2021, mas não estava longe. Para isso, contribuía o recurso a tecnologias inovadoras, mas também a outras que, no passado, tinham sido abandonadas por não satisfazerem as exigências de velocidade. Por exemplo, o Aeroporto de Beja, uma antiga base aérea militar alemã, tinha-se reconvertido ao “mais leve do que o ar”. Desde o princípio da aviação, tinham-se digladiado duas modalidades de transporte aéreo, o “mais pesado que o ar”, protagonizado pelo avião, e o “mais leve que o ar” realizado por grandes balões oblongos, cheios de um gás mais leve que o ar, o hélio.

O facto de serem mais lentos, fê-los perder a competição com os aviões. Contudo, anos passados e o repúdio generalizado pelo uso de combustíveis fósseis, de que os aviões pareciam não conseguirem prescindir totalmente, abriram novas oportunidades aos dirigíveis. Há quem lhes chame zepelins, devido ao nome de um dos construtores, o conde Ferdinand von Zeppelin. 

O uso de dirigíveis afigura-se, hoje, particularmente adequado a transportes que não exijam celeridade, ou ainda à organização de cruzeiros turísticos dada a possibilidade de “voarem” lentamente e a baixa altitude, oferecendo aos passageiros a oportunidade para observar e fotografar as paisagens terrestres; mas também de poderem aterrar sem necessidade de grandes infraestruturas aeroportuárias. Tudo isto, João explica a Helga durante o jantar, segurando-lhe a mão e afagando-lhe sensualmente os dedos.

Para rematar a conversa sobre os dirigíveis, João salientou que a astúcia do diretor do Aeroporto de Beja, foi a de ter sabido explorar a nova oportunidade de negócio que os contextos, energético e comercial, proporcionavam. O Aeroporto de Beja compreende agora um setor florescente de dirigíveis, dedicado a viagens turísticas e transporte de grandes cargas. Mas também ao balonismo, que é considerado o mais seguro modo de passeio aéreo, muito procurado pelos turistas.

Basta de discursos! – disse João, vertendo no copo de Helga um vinho tinto que a luz das velas revelou ser rubro. Helga agradeceu e levantou o copo… e então, inopinadamente, perguntou como é que as árvores do dito “montado” resistiam à seca? João, ainda com o copo na mão, explicou que elas fazem parte da flora mediterrânica pelo que dispõem de diversas adaptações para pouparem a água…, mas, também porque vivem associadas a fungos que envolvem as raízes, e que são filamentos mil vezes mais finos do que as raízes mais delgadas, os quais vão sugar a água muito mais abaixo do que as raízes o conseguem fazer.

Beberam, fizeram brindes e trocaram juras. Estavam agora a desfrutar de um belo jantar na pousada de S. Francisco, em Beja, um antigo convento de estilo gótico com 800 anos de história. Entregues um ao outro… sem mais! 

(continua)

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