Alguma mensagem em particular a propósito das comemorações destes 150 anos?
Tudo o que perdura no tempo indicia qualidade e poder de adaptação. Em Portugal, a carta de lei de D. Luis I, datada de 2 de julho de 1867, autorizou a criação de um corpo de polícia civil nas cidades de Lisboa e Porto. Aqui em Évora, o primeiro livro de registo de empregados do Corpo de Polícia apresenta a relação nominal a partir da primeira quinzena de agosto de 1875, o que faz com que o Comando Distrital da PSP de Évora seja um dos mais antigos do país. Ora, o que levou à criação das polícias civis, no século XIX, foi a necessidade de separação da segurança interna, da segurança externa, pois as forças militares revelaram-se ineficientes face às novas realidades urbanas que emergiram como resultado das revoluções liberais europeias, com o surgimento do estado de direito. A principal característica destas novas forças policiais foi deixarem de ser uma força de ocupação e passarem a envolver as populações na resolução dos problemas de segurança.
Daí que a sua mensagem seja….
Dizer à população de Évora e Estremoz que, depois de 150 anos, podem continuar a contar com a polícia para ajudar na resolução dos seus problemas de segurança. Mas para isso se tornar uma realidade robusta, a população tem de colaborar com a polícia evitando comportamentos de risco, alertando tempestivamente as autoridades para situações que careçam da sua intervenção, não disseminando informações não verificadas que possam causar alarme social, acatando as ordens – principalmente em situações que envolvam multidões – e compreendendo que os problemas de segurança são complexos e que a sua resolução não depende em exclusivo da ação policial.
O que destaca do programa das comemorações e qual o seu significado?
O programa de comemorações assinala os 150 anos de existência da polícia no distrito de Évora junto de toda a população, principalmente a mais vulnerável, dos seus parceiros e dos próprios polícias. Pois grande parte do sucesso da polícia assenta no relacionamento com os públicos alvo elencados. No dia 1 de agosto, dia do aniversário, começaremos por inaugurar um espaço nas instalações da sede do Comando Distrital, para o qual contribuíram ativamente as três juntas de freguesia urbanas do Município de Évora, cimentando também a relação essencial da polícia com as autarquias, no sentido de estar junto das pessoas. Esse espaço destina-se ao atendimento a vítimas de violência doméstica e será denominado Espaço M, numa alusão ao nome de uma eventual vitima desse crime hediondo… podendo ser Maria, a Madalena, mas também o Manuel.
Com que o objetivo?
Pretende-se dar mais conforto no atendimento a este género de vítimas, que se encontram num estado de grande fragilidade, confirmando o compromisso da PSP de Évora no combate a este flagelo, que já custou a vida de algumas pessoas, inclusivamente de um agente da polícia de Évora na tentativa de pôr cobro a uma agressão. Ainda no dia 1 de agosto terá lugar a cerimonia solene, com a presença de um membro do Governo, da Direção Nacional da PSP, do presidente do Município e de todos os parceiros com quem a polícia estabelece relação em ordem ao cumprimento da sua ampla missão. Nesta cerimónia serão efetuados os habituais discursos e serão atribuídas condecorações aos polícias que se destacaram na sua atividade em prol da comunidade.
Quando se olha para a Administração Pública são frequentes as queixas de falta de pessoal e de uma média de idades elevada. Qual a situação da PSP no distrito?
Obviamente que todos os gestores exigem mais recursos, pois com eles conseguem prestar um melhor serviço e apostar em novos projetos. A polícia não foge a esta regra. No entanto, os recursos são finitos e têm de ser colocados onde maior efeito produzam. Como se sabe, a PSP está com dificuldade em reter e captar pessoas, ao longo dos anos as competências e as exigências do serviço policial são maiores, até em razão do escrutínio a que a instituição é sujeita e do interesse que as matérias relacionadas com a segurança ganham a todos os níveis. O que posso dizer é que o efetivo é suficiente para o cumprimento da missão atribuída, é certo que com esforço, sacrifício, recorrendo a acumulações de funções e fazendo uma gestão muito rigorosa. Em termos de efetivo, o que pretendo é que os recursos que me são atribuídos estejam em linha com os restantes comandos da PSP da mesma dimensão, pois compreendo que o meu escalão superior tem de fazer uma gestão equivalente para toda a polícia.
E em termos de instalações, qual o ponto de situação?
Efetivamente julgo que as instalações são a maior fragilidade do Comando de Évora, embora ainda não comprometam o cumprimento da missão. Se, no caso de Estremoz, são adequadas e razoáveis, o mesmo já não se passa em Évora. Primeiro porque estão dispersas por três locais e, depois, porque os edifícios não foram feitos de raiz a pensar em departamentos policiais. A solução já está equacionada e passa por recuperar um edifício da polícia que está devoluto e efetuar uma reparação profunda do edifício da sede do comando, fazendo com que quer policias, quer cidadãos, possam usufruir de espaços mais dignos e funcionais que se tornam fundamentais, pois mitigam as situações de ‘stress’ que acontecem nesses espaços.
Na sua opinião, quais as condições que seriam necessárias para tornar a profissão de polícia mais atrativa junto dos jovens?
Em primeiro lugar, julgo que é necessário combater uma certa perceção negativa que se instalou junto dos jovens, acerca do que é a polícia e das condições de trabalho na mesma. A grande maioria do efetivo que é formado na Escola Prática de Polícia é colocada na zona metropolitana de Lisboa e grande parte dos concorrentes é de fora de Lisboa. A partir daí, uma profissão que tem todos os atrativos perto da residência dos concorrentes, passa a ter o grande inconveniente de perspetivarem a ideia de trabalharem de 100 (ou a 500) quilómetros de casa, com as dificuldades inerentes de habitação, transporte, ou qualidade de vida familiar. Julgo que o facto de os polícias na primeira colocação poderem beneficiar de condições que atenuassem esse desconforto, aumentaria a atratividade da profissão.
O RASI aponta para indicadores de criminalidade relativamente baixos no distrito, sendo que o crime mais participado é o de condução sob o efeito do álcool. Por outro lado, sobretudo nas redes sociais, há um discurso que agita o tema da insegurança. Tem alguma explicação para este fenómeno… são as tais percepções erradas?
Efetivamente, consultando o RASI, o crime nas cidades de Évora e de Estremoz está perfeitamente em linha com as outras cidades de igual dimensão, arriscaria dizer que até se encontra a um nível inferior. O discurso alarmista sempre houve, porque tem elevada receção nas pessoas devido a que os nossos instintos mais ancestrais reagem com exagero a todas as ameaças à nossa segurança. A grande diferença em relação aos nossos dias é que a maioria de nós tem um ‘smartphone’ à distância de um click e a velocidade de disseminação é muito superior. Inclusivamente existe um estudo do MIT, que refere que as informações falsas colocadas no Twiter se difundem a uma velocidade muito superior às verdadeiras. Não sei explicar o fenómeno, mas talvez a necessidade de difundir nas redes sociais notícias que não correspondendo à verdade, ou manipulando factos, causem alarme social e que tenham relação com a necessidade dos pirómanos em provocar incêndios.
A propósito deste tema, um estudo da Sedes demonstra que, no país, nos últimos 25 anos, as menções a crimes nas primeiras páginas dos jornais aumentaram 130%, quando a criminalidade participada diminuiu 1,3%. Nas redes sociais será pior. A minha pergunta é complexa, mas cá vai: porque é que isto sucede e como se pode alterar?
Esta questão está intimamente relacionada com a anterior. Não tenho uma resposta cientifica para este facto pois carece de um estudo, como o que a Sedes efetuou. Mas, empiricamente, diria que a resposta anterior explica o fenómeno quanto as redes sociais. No que diz respeito aos jornais e voltando ao pressuposto que a questão da segurança capta o interesse das pessoas, ao dar-se grande relevo a um crime, na primeira pagina de um jornal, isso fará com que o interesse em ler o jornal aumente. Mas ao mesmo tempo causa um efeito, provavelmente não intencional, de maior perceção de insegurança. No que diz respeito à polícia, a mesma terá de lidar com o fenómeno porque afeta a sensação de segurança das pessoas e isso é um problema da comunidade, logo da PSP.
A questão da visibilidade da polícia, do patrulhamento, ou da falta dele, poderia ajudar a mudar esta percepção, ou trata- se de uma falsa questão?
Com toda a certeza, o patrulhamento e a visibilidade têm impacto na perceção de segurança e a PSP sempre efetuou este género de ação em todo o país. No entanto, as atividades policiais não se esgotam na visibilidade. A visibilidade acaba por ser a face visível do icebergue que é o trabalho policial. Para além da visibilidade, existe a resposta às ocorrências e atendimento ao público, em toda a área de responsabilidade, 24 horas por dia e sete dias por semana; as competências exclusivas na área das armas e explosivos; a investigação criminal; ações solicitadas por outras entidades, como os tribunais; trânsito; competências no âmbito dos estrangeiros; distribuição de exames escolares; apoio nas eleições e poderia continuar a elencar todo um rol de outras competências e atividades. Ora, onde quero chegar é que tem de existir uma ponderação muito criteriosa para onde se canalizam os meios a cada momento. Haverá alturas em que poderemos fazer mais visibilidade, haverá outras que teremos de os canalizar para determinado evento ou operação que se está a desenrolar.
Em Évora, mas não só, a questão da videovigilância está muitas vezes no debate político. De um ponto de vista técnico e operacional, esta solução facilita a vida às polícias?
Voltamos novamente à questão da gestão dos recursos disponíveis. A polícia de há 30 anos era uma organização que utilizava os recursos humanos de uma forma intensiva, pois eram abundantes. O recrutamento era fácil e a função não exigia tanta tecnicidade, nem era tão escrutinada como hoje em dia. Hoje, o escrutínio da atividade é cada vez maior, as competências aumentaram, a complexidade da função também, fruto de uma sociedade mais exigente. A somar a tudo isto o recrutamento tornou-se mais difícil, o mercado disponibiliza mais saídas profissionais, os militares – que eram um público alvo preferencial para a função policial – conseguiram arranjar uma fórmula para reter os seus profissionais de base. Assim, a polícia vai ser forçada a abandonar completamente o paradigma da mão de obra intensiva e passar a utilizar intensamente a tecnologia para rentabilizar o seu efetivo, que nos dias de hoje é muito mais precioso do que outrora foi. Ora, a videovigilância, a par de outras tecnologias, integra-se nas possibilidades que as unidades policiais poderão utilizar para melhor rentabilizarem os seus recursos.
No caso de Évora…
No caso de Évora, a PSP efetuou uma proposta de videovigilância, essencialmente para o centro histórico da cidade, prevendo os locais de instalação de câmaras e especificações técnicas das mesmas. A proposta foi analisada pelo Executivo camarário e, como é público, foi votada ainda este ano em reunião da Câmara Municipal, tendo sido reprovada, pelo que de momento não se avançará para a instrução do processo com vista à sua implementação.
Ainda de acordo com o RASI, a violência doméstica continua a ser um dos crimes mais participados. Em que medida esta é uma prioridade para a PSP de Évora?
Diria que é uma prioridade em todo o país, pois é definida como tal a todos os níveis decisórios. No que diz respeito ao Comando Distrital da PSP de Évora, no início deste ano houve uma reafetação do dispositivo da esquadra territorial de Évora, permitindo dar uma resposta dedicada às ocorrências que envolvam violência doméstica, desde o primeiro momento. Por um lado, libertando os meios normais para as outras ocorrências e, por outro, providenciando um serviço mais profissional às vitimas de violência doméstica. Depois da resposta inicial é feito um acompanhamento da situação por parte destas equipas e por equipas da investigação criminal, que carreiam elemen- tos de prova para o processo com vista à intervenção judicial. Acreditamos que um fator critico no processo é a coordenação e ligação entre as equipas que efetuam a primeira resposta às ocorrências e os inves- tigadores criminais.
“O CARGO DE COMANDANTE DISTRITAL É DOS MAIS NOBRES”
O senhor Comandante é natural do Algarve, foi comandante em Bragança, está agora em Évora… como encarou esta nomeação?
Encarei bem, porque ocorreu também com a minha concordância. Resido na área metropolitana de Lisboa e Bragança fica muito mais longe do que Évora. Por outro lado, existiam outras vagas, mesmo em Lisboa, mas em serviços mais administrativos. Na minha perspetiva, o cargo de co- mandante distrital é dos mais nobres, entre as possibilidades de exercício de um superintendente da PSP. Por norma, um superin- tendente tem cerca de 30 anos de experiência de serviço. Um dos melhores contributos que pode dar, à organização que integra, é utilizar esse conjunto de competências para comandar unidades policiais autónomas com dependência direta do diretor nacional da PSP. Embora esta nomeação tenha sido de acordo com as minhas prioridades, não deixa de ser exigente, nomeadamente ao nível familiar, mas as organizações só so- brevivem se tiverem capacidade de colocar o interesse organizacional acima do pessoal. Aquelas que não possuem essa capacidade, estão, mais cedo ou mais tarde, condenadas a serem ultrapassadas pelas que o fazem.