O reduzido preço das fibras sintéticas no mercado, que, consequentemente, fez aumentar a preferência por peças de vestuário feitas com essa matéria-prima, levou a que, nas últimas décadas, o setor da lã entrasse em crise.
Miguel Madeira, produtor e vice-presidente da ACOS – Associação de Agricultores do Sul, que a crise da lã “começou nos anos 70”, mas “ultimamente acentuou-se mais”, com a desindustrialização incrementada pela política europeia.
“A indústria foi-se transferindo gradualmente para outras paragens, nomeadamente para a China [e, por isso,] chegámos ao dia de hoje e não temos um sítio onde lavar a lã ou temos muita dificuldade em conseguir um lavador” para esse efeito. E a “necessidade” leva a que produtores e associação recorram também a países como o Uruguai e Espanha para a realização dessa lavagem, que é “primeira operação a seguir à tosquia e ao embalamento”.
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O técnico da ACOS recorda ainda o “embargo sanitário” imposto pela China que proibiu Portugal e Espanha de exportarem lã não lavada para o país, afirmando que essa interrupção dos circuitos comerciais também prejudicou o sector. “Atualmente, a situação está resolvida. Nós já podemos mandar lã para a China, mas a reposição de todos os circuitos comerciais [não se faz] com o ‘estalar dos dedos’, portanto, leva algum tempo”.
Este desinteresse pelo setor tem levado apenas a um escoamento gradual e pontual “de alguma lã” e, em consequência, à acumulação da mesma em “casa dos produtores” ou em armazéns de associações e compradores.
Ainda assim, Miguel Madeira diz que, este ano, “há alguma luz ao fundo do túnel”, uma vez que existem produtores já a trabalhar, “mas a pagar preços ainda bastante baixos que não cobrem, nem de perto nem de longe, o custo da tosquia”.
Em média, explica o também criador de ovinos, o preço pago pela tosquia varia “entre 1,89 e dois euros” e uma ovelha produz cerca de dois quilos de lã, o que “fica ainda aquém” caso se tente vender o produto a 35 ou a 40 cêntimos. Por isso, no fundo, “é mais um encargo para o produtor”.
Miguel Madeira assume que a solução para o setor passa por continuar a valorizar o produto através de experiências ou projetos-piloto, como por exemplo a transformação da lã em ‘pellets’ que se incorporam na terra para fertilizar. “O nosso objetivo é continuar a valorizar [a lã], porque sabemos que isto tem potencial”, reforça.
Em 24 de outubro do ano passado, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) anunciou, em comunicado, que Portugal podia, a partir dessa data, retomar a exportação de lã não lavada para a República Popular da China, após os dois países terem assinado o respetivo protocolo.