Estamos em 2010 e José Oliveira, nascido em Avis em 1958, decidiu partir com a esposa, Isabel, numa Honda Varadero usada, para a Tunísia. A primeira etapa levou-os a Marselha, onde era suposto apanhar o barco para o porto de Habibi. Uma inspeção ao navio atrasou a chegada a Tunes e, sem estadia marcada, perceberam que os imprevistos são uma constante na vida dos viajantes.
Mesmo assim, a experiência correu de feição e no ano seguinte voltaram-se a meter à estrada, desta vez para a Eslovénia. “Na altura, pesquisava na internet ao serão, via os sítios onde as pessoas iam, mas procurava destinos pouco turísticos”, explica, revelando que por norma nunca vai a lugares onde há muita gente. “Gosto de ir a sítios curiosos, quer do ponto de vista cultural, quer paisagístico”.
Seguiu-se Dubrovnic, na Croácia, em 2012, uma cidade onde “ainda se notavam as cicatrizes” da Guerra dos Balcãs, no início dos anos 90, na sequência do desmantelamento da Jusgoslávia. Em 2013, a viagem foi feita a quatro. Ao José e à Isabel juntou-se um casal amigo e partiram rumo a Istambul, na Turquia.
“Quando atravessámos de Itália para a Albânia fomos confrontados com notícias de manifestações, com tiros, na Praça Taksim, o que nos levou a questionar se iríamos para Istambul ou para a Croácia. Fomos para Istambul e não se passou nada”, recorda.
Auschwitz (2014) e Roménia (2015) foram os últimos destinos europeus que visitou. Em relação ao primeiro, José Oliveira aconselha “todas as pessoas com essa possibilidade a ir até lá. Deveriam visitar para saber o que foi. Só de ouvir contar não se tem a noção do que era aquilo [campos de concentração nazis]. Lá vê-se até onde o ser humano consegue ir. Consegue fazer coisas maravilhosas, mas também consegue fazer coisas que não lembra nem ao diabo”.
Entre ir e voltar foram 11 dias de viagem. O nosso protagonista adquiriu em 2017 uma carrinha Renault Express, com 30 anos e 64 mil quilómetros, encheu-a de roupas e livros e rumou à Guiné-Bissau, desta vez sozinho. Levava algumas peças que tinha recolhido num ferro-velho, para qualquer percalço, mas não foram necessárias.
As roupas eram da família e de alguns amigos e os livros foram reunidos com a colaboração dos alunos da Escola Mestre de Avis, onde, no regresso, foi fazer uma apresentação da viagem. A carrinha já tinha sido prometida à AMIC, uma organização não-governamental, fundada em 1984, de apoio às crianças.
Entrou em África por Algeciras, passou por Marrocos, Mauritânia e Senegal. Na chegada à fronteira de Pirada a burocracia impôs-se e acabou por ser “escoltado” até Gabu por uma agente policia. “Esta cidade [antiga Nova Lamego] era onde havia um posto de alfândega e eu pensava que em uma hora conseguia tratar da papelada, mas enganei-me. Foi preciso tirar fotocópias disto e daquilo e tive de lá ficar para o outro dia”. Nada demais. As roupas, os livros e a carrinha foram entregues e José Oliveira ganhou mais uma série de amigos para a vida. Regressou de avião.
SAPATOS PARA QUEM ANDA DESCALÇO
No início de novembro voltou a partir para África. Desta vez integrado numa ação organizada por Rui Baltazar, da Travel Event, mas como outsider e pilotando uma BMW 1200 GS. Tratava-se de “calçar quem anda descalço” e o destino era o Rife marroquino. Já não era novidade para si: em 2022 tinha participado na mesma expedição; e em 2023, sozinho, dirigiu-se ao epicentro do terramoto que, então, abalou a região, levando roupas para as populações atingidas.
A meio a expedição regressou, mas ele continuou estrada fora – para distribuir pelas aldeias que encontrasse os 120 pares de sapatos que tinha re- colhido em Avis, rumo a Taghazout e a um local próximo que, em termos de dificuldade, “numa escala de zero a cinco, atinge sete”. Agadir Inoummar é o nome do sítio.
Trata-se de um aglomerado de “espaços pequenos individualizados – escavados na pedra -, onde as pessoas de 13 aldeias guardavam os seus bens: dinheiro, peças de ouro e prata, cereais e sementes. As famílias eram nómadas, e portanto não tinham casa para guardar os seus pertences. O guarda, que ainda por lá está, diz que na Europa temos a Suíça para guardar o dinheiro, ali têm aquele local”.
Há planos para futuras viagens, mas nem sempre se podem concretizar, “porque o dinheiro não abunda”. “Há quem passe uma vida inteira a pensar em ir ao Cabo Norte. Eu também já pensei nisso, mas quando chegasse à Alemanha já tinha gasto o dinheiro todo”, refere.
Como o sonho comanda a vida, José Oliveira não desistiu de ir ao Irão ou ao Iraque.” No ano da covid-19 já tinha tratado do visto para o Irão. Agora a coisa está complicada, mas é onde gostaria de ir proximamente. Não sei conseguirei”, desabafa.