Entre cravos e canções, eis “Portugueses”, o novo filme de Vicente Alves do Ó

O realizador Vicente Alves do Ó estreia esta quinta-feira Portugueses, um musical sobre meio século da História de Portugal. Em entrevista, lamenta a falta de espectadores nas salas e denuncia o afastamento do público face ao cinema nacional: “As pessoas não se reveem nas histórias que lhes mostramos”.

O realizador Vicente Alves do Ó, que na próxima quinta-feira estreia o filme “Portugueses”, diz que o cinema português “está a morrer”, com falta de espectadores, que não se reveem nas histórias que são contadas.

“As pessoas vão ao cinema e não se reveem e se calhar é por isso que não têm interesse nenhum em ver os filmes. Não veem as suas histórias, não veem as suas realidades. […] Eu faço filmes porque quero ir a uma sala de cinema e vê-la cheia de gente. Esta é a razão básica pela qual faço filmes”, afirmou o realizador em entrevista à agência Lusa.

“Portugueses” é um filme musical sobre meio século da História recente de Portugal, entre os últimos anos de ditadura e os primeiros de democracia, com uma narrativa que tem também ecos da atualidade.

Com este filme, Vicente Alves do Ó, de 53 anos, quis abordar “coisas que a maior parte do cinema português não fala”, nomeadamente a complexidade e as contradições de ser-se português, “independentemente da classe social”, e quis falar “sobre as pessoas e as histórias de quem ninguém fala”.

“Portugueses” está estruturado como um musical, com uma narrativa cronológica, entre 1971 e a Revolução de 25 de Abril de 1974, no qual 50 atores interpretam um mosaico de histórias que tentam compor uma imagem geral sobre Portugal e os portugueses.

Estão lá representados os que se exilaram para evitar a Guerra Colonial, os que morreram em combate, as lutas operárias, estão representados os costumes, a devoção religiosa, a pobreza, a tortura da PIDE, os direitos das mulheres, o racismo, o fosso entre ricos e pobres, a pequena corrupção; aparecem representadas Celeste Caeiro, que distribuiu cravos em Lisboa, ou Catarina Eufémia, a ceifeira alentejana que resistiu ao regime de Salazar.

Tudo isto é contado e cantado por um extenso elenco com Diogo Branco, Rita Durão, Tomás Alves, Sérgio Praia, Ana Guiomar, Ana Lopes, Tomás Alves, Sandra Faleiro, Rui Melo, entre outros, e uma escolha de mais de uma dezena de músicas de intervenção, de José Mário Branco, Sérgio Godinho, José Afonso, Fausto Bordalo Dias ou Fernando Tordo.

“O filme é construído daquela forma, como uma corrida de estafeta, passando o testemunho uns aos outros, e com as classes, as opiniões e as pessoas a misturarem-se, cada uma na sua complexidade. O filme queria contar muitas histórias, mas estou a contar uma história só, de um país ou de um povo”, desvenda o realizador.

Para Vicente Alves do Ó, o cinema, e a arte em geral, serve para fazer este trabalho de identificação com os públicos, mas tal não tem acontecido no cinema português. “As pessoas vão ver determinado cinema português e como não se identificam com o que estão a ver, aquilo não as transforma. Nem sequer as diverte. […] Claramente temos que voltar a repor as pessoas diante de si próprias”, considera.

Os dados globais mais recentes do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) sobre o cinema português indicam que em 2024 se estrearam 62 filmes nas salas portuguesas, o que representa uma quota de mercado de 15,9% do total de filmes estreados em sala.

No entanto, aqueles filmes obtiveram três milhões de euros de receita (com uma quota de 4,2% do total de receitas de bilheteira) e 533.895 espectadores (ou seja, 4,5% da quota de mercado) em 2024. É por isso que o realizador lamenta que o cinema português esteja “a morrer” e que “a machadada final” tenha sido a pandemia da covid-19 e o aumento de consumo em ‘streaming’.

Vicente Alves do Ó, nascido em Sines em 1972, contabiliza 25 anos de carreira, desde que escreveu o argumento para o telefilme “Monsanto”, realizado por Ruy Guerra. A primeira longa-metragem realizada, “Quinze pontos na alma”, estreou-se em 2011, seguindo-se filmes como “Florbela” (2012), “Al Berto” (2017) e “Amadeo” (2023).

Sobre “Portugueses”, produzido pela Ukbar Filmes, diz que só conseguiu obter financiamento do ICA à terceira tentativa e que, a cada novo projeto em que se mete, tem sempre a sensação de que está “a recomeçar a vida”.

“Nunca fui a Veneza, Cannes e Berlim [festivais de cinema]. Cada vez que faço um filme e ele faz um percurso, quando volto a ir ao ICA é como se voltasse à estaca zero. Estou sempre a recomeçar a minha vida. É uma competição, aparecem 20 ou 30 pessoas para dar dinheiro a três ou quatro filmes. Estamos a competir uns com os outros. Cada vez que eu concorro, entra alguém novo, que esteve em Cannes ou em Berlim. A minha mais valia é só uma, o projeto em si”, descreve.

Fotografia | Andre Kosters/Lusa

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