Contudo, o Ministério da Cultura, Juventude e Desporto esclareceu agora que “não esteve em causa uma decisão de tutela, mas antes uma decisão técnica” no processo que conduziu à não aquisição da peça.
Numa resposta a um conjunto de perguntas colocado por deputados do Chega, o Ministério lembra que a Direção-Geral é a entidade responsável por exercer o direito de preferência em representação do Estado na aquisição de espécies arquivísticas de interesse histórico-cultural, nomeadamente em leilões públicos, desde que realizados em território nacional.
Segundo o Ministério da Cultura, “esta prerrogativa não se aplica a leilões realizados fora da jurisdição portuguesa, como é o caso dos leilões promovidos em países terceiros, designadamente nos Estados Unidos da América”. Nestes casos, o Estado português só pode intervir enquanto licitante, devendo seguir os prazos e regras das casas leiloeiras.
De acordo com a tutela, a Direção-Geral teve conhecimento do leilão no dia 23 de junho, três dias antes da sua realização, através de um email da diretora de coleções da Museus e Monumentos de Portugal, alertando para o possível interesse arquivístico do lote. “No dia seguinte, a 24 de junho, foi produzido parecer técnico preliminar”, no qual foram avaliados vários fatores, incluindo “o valor base de licitação fixado entre 150 e 250 mil dólares”, bem como “a inexistência de registos da carta régia em causa nos acervos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, após pesquisa aprofundada”, e “a possibilidade de se tratar de documentação oriunda do arquivo pessoal de Vasco da Gama, e não de um documento público”.
Com base nesta avaliação, a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas optou por não propor a aquisição nem participar na licitação. Ainda assim, o Ministério da Cultura diz ter determinado a realização, “com carácter de urgência”, de uma “avaliação técnica adicional e mais aprofundada do manuscrito”.
Esse parecer complementar, acrescenta o Governo, confirmou as conclusões iniciais: “Não existem, até ao momento, registos da referida carta régia no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, nem referências à sua emissão na chancelaria régia”; “o conteúdo informacional do manuscrito já se encontrava disponível ao público, tendo sido transcrito e publicado no século XIX por Luciano Cordeiro”; e “o documento em causa terá integrado, em princípio, o arquivo pessoal de Vasco da Gama, e não os registos oficiais da Coroa, o que coloca em causa a sua natureza como documento público pertencente ao património arquivístico nacional”.
Acresce ainda que “a ausência de qualquer licitação durante o leilão, mesmo pelo valor base de 150 mil dólares, foi também considerada indicativa da dificuldade de justificar o montante pretendido, mesmo no contexto do mercado internacional, tratando-se a Sotheby’s de uma entidade de projeção global”.
Em todo o caso, o Ministério reconhece o valor simbólico do manuscrito: “Apesar de se tratar de um documento com valor histórico e simbólico, estes elementos cumulativos sustentaram a opção técnica inicial de não avançar para a aquisição”. Por essa razão, o Ministério da Cultura determinou que, no futuro, “os serviços competentes devem assegurar a informação atempada à tutela, garantindo a articulação política e institucional necessária à proteção do património documental e histórico nacional”.
O manuscrito em causa foi apresentado pela Sotheby’s como uma carta régia de D. Manuel I, datada do século XVI, em que o monarca concede a Vasco da Gama o título de conde da Vidigueira, com os respetivos privilégios.