Não são precisos conhecimentos arqueológicos para se perceber, logo a um primeiro olhar, que o troço de muralha próximo ao hotel Páteo dos Solares, em Estremoz, está tudo menos seguro. Sucessivas derrocadas são comprovadas pela existência de pedras no solo; a muralha está em grande parte coberta por vegeta- ção e o risco de desmoronamento levou à delimitação de uma zona de proteção. Acresce que o sistema fortificado de Estremoz
se encontra classificado como Monumento Nacional. Que este património foi transferido para a autarquia local, que não dispõe de recursos financeiros e técnicos para proceder à sua manutenção e restauro. E que a insensibilidade dos organismos regionais, designadamente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo é de tal ordem que nem às perguntas do “Brados do Alentejo” se dignaram responder.
Vamos por partes. Pedro Nunes da Silva, coordenador do grupo Cidade – Cidadãos pela Defesa do Património de Estremoz, não tem dúvidas sobre os malefícios causados pela vegetação existente nas muralhas. “É muito prejudicial para a sua conservação. Na zona das Portas dos Currais há inclusivamente figueiras a sair das muralhas, toda esta vegetação cria espaços entre as pedras, isso origina infiltrações de água e, no final, há o risco desses troços sucumbirem, como aconteceu em Veiros”. Não são precisas muitas palavras para resumir o problema: “É falta de manutenção, mais nada”.
Lembrando que todo este património histórico “não é eterno”, carecendo de um acompanhamento permanente, o coordenador do grupo Cidade explica que a existência de uma rutura num determinado local acaba por provocar “outras reações”, que poderão resultar em consequências drásticas para a preservação do património histórico. “As pessoas muitas vezes têm a ideia errada de tudo isto carecer de pouca manutenção pois são materiais inertes”. Ora essa ideia não corresponde, “de todo”, à verdade, como a derrocada de um significativo troço da muralha do castelo de Veiros, na sequência da intempérie ocorrida em finais de 2022, veio comprovar.
“As autarquia têm também responsabilidade em tudo isto e têm de se entender com os organismos que tutelam o património cultural”, adverte Pedro Nunes da Silva, segundo o qual “assistimos a uma desarticulação entre os serviços que é difícil de compreender”. Desde logo, refere, “porque as autarquias têm responsabilidade” em cuidar do património, sobretudo daquele cuja gestão foi transferida para a esfera municipal, não o conseguem fazer. “No caso de Estremoz, por exemplo, não vejo o Município com meios e com técnicos suficientes para fazerem as intervenções de restauro que são absolutamente necessárias”, sublinha o coordenador do grupo Cidade, acrescentando que, além da monitorização, a prioridade passa pela “limpeza da vegetação” que tem vindo a crescer no interior das muralhas.
Em recente reunião de Câmara, o vereador Luís Pardal assegurou que os problemas estão identificados, mas que a intervenção envolve uma necessidade de investimento “superior a 360 mil euros”, que a autarquia “não consegue suportar”.
“Percebo que não é pouca coisa, mas há prioridades… o que ninguém quer é que as muralhas possam cair; é preciso ter uma estratégia para as requalificar e para não permitir o avanço da degradação e a queda de pedras”, contrapôs a vereadora Sónia Ramos, eleita pela Coligação Estremoz com Futuro, classificando como “um erro” a integração das Direções Regionais de Cultura nas diversas CCDR. “É o que é, mas é necessária a salvaguarda e recuperação [deste património].
A 25 de março, o “Brados do Alentejo” questionou a CCDR do Alentejo sobre o tema, perguntando sobre a existência (ou não) de um plano de intervenção para o restauro das muralhas de Estremoz, interrogando sobre o “risco efetivo” de derrocada e lembrando que o troço de muralha do castelo de Veiros que ruiu em 2022 se encontra por recuperar. A resposta foi o silêncio. Ou melhor, foi dada a indicação que o pedido de esclarecimentos seria “reencaminhado para o serviço respetivo a fim de receber o tratamento adequado”. Ou seja, fazer de conta que nada se passa.
Na mesma reunião de Câmara, José Daniel Sádio, presidente do Município, considerou tratar-se de uma “questão emergente”, que é “prioritária” para a autarquia, mas que envolve “procedimentos complexos”, desde logo por se tratar de património classificado, e uma “dimensão orçamental” para a qual não existem recursos: “O que temos em orçamento para investimento não chega para a reparação nem de um décimo do que será necessário”.