Figo-da-índia, o todo-o-terreno dos frutos ganha terreno no Alentejo

A figueira-da-índia é uma espécie de cato, originário das regiões semiáridas do Norte do México, que dá um fruto portador de alto teor de fibra, vitamina A e ferro, e que foi fonte de alimento para a população indígena. A planta foi trazida para a Europa na altura dos Descobrimentos e adaptou-se bem aos solos do sul, sobretudo no Alentejo, Algarve e Madeira, onde já ganhou o estatuto de autóctone. Maria Luísa Ferrão (texto)

Vemo-la prosperar de forma espontânea na berma de caminhos rurais e junto a linhas de água e os mais aventureiros conhecem-lhe o paladar há décadas. É uma planta de poucas exigências e começou a despertar o interesse dos agricultores que se organizaram criando uma fileira forte vocacionada sobretudo para a exportação do fruto em fresco.

Nasceu assim, em 2012, a Associação de Produtores de Figos da Índia em Portugal, a Aprofip, com sede em Alcoutim, no Algarve, que chegou a ter 140 associados, contando atualmente, com 90 sócios. Nos últimos três anos a área produtiva da cultura triplicou o que significa que há escoamento para este fruto ainda desconhecido do paladar de muitos portugueses.

O presidente Ferdinando de Freitas, que também é produtor, destaca a necessidade de uniformizar a produção e a comercialização da fruta reconhecendo que os produtores atuais acabam por estabelecer pomares de uma forma mais profissional havendo mais fruta de qualidade disponível.

O pomar da Pepe Aromas, empresa fundada em 2013 no concelho de Arraiolos, é um exemplo concreto de crescimento e estabilidade na fileira do figo-da-índia. Adeptos do modo de produção biológico, Susana Mendes e José Ferrão começaram por plantar quatro hectares na Herdade do Sobral, inicialmente sem rega, mas rapidamente perceberam que para terem fruta com maior calibre e doçura o cato teria de ter água disponível. 

Por isso, o segundo pomar, com sete hectares, nascido em 2017, numa terra contígua, na Herdade da Azinheira, já obedeceu a outros critérios. “Plantámos um pomar em linha de seis por cinco metros, com três palmas por cova e com um sistema de rega gota-a-gota para termos fruta com maior qualidade”, explica Susana Mendes, responsável pelo projeto de agricultura cujo investimento total foi de 300 mil euros.

Atualmente a empresa conta com dois pomares que cresceram até aos 20 hectares, esperando colher este ano 130 toneladas de figo-da-índia, quase todo para exportação em fresco, registando um aumento de 30% face ao ano anterior. Este crescimento da área produtiva aumenta o nível de exigência do maneio dos pomares para que a qualidade da fruta se mantenha. 

“O facto de se ter muita fruta na mesma planta faz com que tenhamos mais trabalho com as podas porque cada fruto compete entre si pelos nutrientes e isso torna o trabalho do agricultor mais exigente”, explica a empresária, sublinhando a necessidade de haver mais monitorização no terreno e um plano de fertilização ajustado a cada ano para que se possa colher fruta de qualidade com bom calibre e elevado grau de doçura, que é aquilo que o consumidor procura.

A colheita começa, geralmente, na última semana de julho e vai até final de setembro. Susana Mendes pretende prolongar a fase produtiva até outubro e o ideal seria haver fruta até dezembro porque os países que produzem figo-da-índia na Europa, especialmente Itália, conseguem ter fruta apenas até final de setembro. “Seria ótimo termos fruta até dezembro porque aí, face à inexistência de oferta, o preço seria mais elevado”, acrescenta a gestora da empresa.

Mas a natureza é que dá as ordens e existe uma preocupação para não a fustigar, o que se traduz em adotar boas práticas no maneio do pomar. As infestantes são uma ameaça para qualquer cultura e também aqui os pesticidas não entram.

A Pepe Aromas optou, este ano, por colocar um rebanho de ovelhas no pomar que não se assustaram nada com os picos da palma “Fizemos uma experiência com ovinos que funcionaram como uma roçadora natural e também estrumaram o solo. Verificámos que os picos são inócuos para os animais e a palma é até um ótimo complemento de forragem para ovelhas e vacas”, explica a empresária agrícola referindo que, enquanto há erva no solo, as ovelhas não comem a palma, por isso, há que estar alerta e mudá-las de sítio quando já rasparam tudo.

A Pepe Aromas exporta a maior parte do fruto em fresco para Espanha, França, Holanda e Alemanha. A entrada nestes mercados foi resultado de um trabalho intenso, em parte, promovido pela Aprofip, que fomenta a articulação de grupos de produtores geograficamente próximos no sentido de concentrar a produção e ganhar escala. 

“Destas iniciativas resultaram várias parcerias permitindo aos produtores alcançarem mercados internacionais”, acrescenta Ferdinando de Freitas, o presidente da associação. Depois, resulta a tarefa árdua de se escolherem os melhores parceiros e começar a construir-se uma relação de confiança com aquela pessoa é o rosto da marca naquele país.

“Quando o fruto da Pepe Aromas entra no supermercado na Alemanha já passou por um processo de manipulação feito pelo distribuidor local, que tem de ser uma pessoa da nossa confiança, porque aqui, à distância, temos de acreditar que a fruta saída dos nossos pomares é vendida nas melhores condições”, acrescenta Susana Mendes, revelando que a grande preocupação dos produtores de fruta centra-se no drama do controlo de qualidade dos produtos em fresco.

A gestora refere a dificuldade que existe em conseguir uniformizar frutos que crescem em pomares diferentes, localizados em zonas do país opostas. Ou até mesmo dentro da própria exploração. “O que é um estado de maturação ótimo para mim pode não ser para um produtor em Trás-os-Montes e, por isso, creio que há um mito no consumidor, que tende a ser desmistificado, de que a fruta boa é aquela que não tem defeito e que é toda igual como se de ovos se tratasse”, sublinha a empresária com a consciência de que o consumidor compra a maçã luzidia da “Branca de Neve” em vez da que se encontra ao lado, que está tocada, e que até pode ser mais saborosa e sem pesticidas.

REDUZIR O DESPERDÍCIO

No ato do embalamento, a fruta colocada na mesma caixa tem de ter toda o mesmo diâmetro e o mesmo peso e a margem de variação é muito curta. Isto obriga a um trabalho de escolha muito exigente para que o preço não baixe drasticamente. Há, por isso, muita fruta que não cumpre os critérios de seleção exigidos e, por essa razão, a Pepe Aromas teve a necessidade de aproveitar a fruta “feia” transformando-a em vários produtos como vinagre, geleia, bombons, licor, infusões, sabonetes e creme hidrante.

“Somos sector primário, não temos uma vocação industrial e por isso fizemos parcerias com empresas que nos pareceram as melhores para desenvolverem produtos transformados a partir do figo-da-índia”, diz Susana Mendes, referindo que estes produtos podem ser adquiridos um pouco de norte a sul do país, na loja da Pepe Aromas, sediada na antiga estação ferroviária de Vale do Pereiro e também no canal online. As portas da empresa estão abertas a qualquer passageiro que queira conhecer os pomares da figueira-da-índia e o montado de sobro que coexistem naquele pedaço verde e dourado de Alentejo utilizando, o comboio, a bicicleta ou deslocando-se a pé.

LUGAR À MESA

A Aprofip quer levar o figo-da-índia para as cantinas das escolas do 1.º ciclo. “É importante salientar os elevados níveis de antioxidantes, sais minerais e vitaminas que este fruto contém o que se traduz num alimento muito equilibrado”, diz Ferdinando Freitas, salientando que esta cultura pode mesmo ser considerada estratégica num cenário de aumento da população, redução dos recursos hídricos, captação de carbono atmosférico e rentabilidade em zonas rurais desfavorecidas.

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