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Francisco Miguel (‘Chico Sapateiro’): “O último preso do Tarrafal”

Nascido em Baleizão “no seio de uma família de camponeses pobres”, Francisco Miguel entrou para o PCP em 1932. Foi preso cinco vezes, evadiu-se quatro. Foi o resistente antifascista que passou mais tempo nas prisões da PIDE: 21 anos. Júlia Serrão (texto)

Num artigo de “O Militante”, publicação do Partido Comunista Português, Fernando Correia refere-se a Francisco Miguel como merecendo “figurar na lista dos mais heróicos lutadores do PCP contra o fascismo pela conquista e consolidação da democracia”. Um homem “franzino, discreto, pouco expansivo e de uma grande sensibilidade”, alguém que, assegura, era “amado por todos” os militantes comunistas. Diz-se que também era tímido, e “com alma de poeta”.

Francisco Miguel Duarte nasceu a 18 de dezembro de 1907, em Baleizão. Os pais, camponeses pobres, mudam-se sete anos depois para a herdade da Casa de Ficalho, em Vale de Zorras, onde arranjam trabalho. A distância de cinco quilómetro entre o lugar de residência e a escola mais perto, em Serpa, impede a criança de frequentar o ensino primário, restando-lhe ajudar a família nos trabalhos do campo, situação que não determinaria o seu futuro profissional já que, aos 13 anos, faz-se aprendiz de sapateiro na então vila de Serpa.

Desde logo começa a dar que falar pois, como comenta Helena Pato, “ainda adolescente já é um ativo animador das iniciativas de duas associações profissionais: a dos sapateiros e a dos trabalhadores rurais”, começando a ganhar protagonismo. No meio de uma concentração de várias centenas de pessoas frente aos Paços do Concelho, que reclamam “pão e trabalho”, Francisco Miguel “sobe para um banco”, comentando a “situação dos camponeses e a falta de soluções”, espoletando a perseguição de que seria continuamente alvo a partir desse dia.

A entrada no PCP acontece em 1932. Integra o Comité Local de Lisboa, o que lhe permite conhecer e relacionar-se com outros militantes e dirigentes comunistas. Em 1935 é enviado para Moscovo, onde conhece altos dirigentes do par- tido, entre eles Álvaro Cunhal, com quem “aproveitou para enriquecer a sua formação teórica”. Dois anos mais tarde está de novo em Portugal “para mergulhar na clandestinidade”, passando a integrar a cúpula dirigente do partido.

É preso a primeira vez em 1938, espancado barbaramente, mas não cede perante a polícia política. Num dos painéis da exposição organizada pelo jornal “Avante!”, no âmbito do centenário do seu nascimento, pode ler-se que “negou qualquer declaração aos pides, nem sequer para dizer o nome”. Também Helena Pato refere o facto, já a propósito de outras capturas: “Francisco Miguel, usando da experiência que colhera nas cadeias fascistas, toma uma decisão, nem histórias grandes nem pequenas, nem frases curtas ou compridas. Face aos interrogatórios, silêncio absoluto. Na polícia não se prestam declarações”.

A 19 de março de 1939 foge do forte de Caxias, onde estava preso. A partir daqui a sua vida vai-se desenrolar em contínuas prisões e evasões, até somar 21 anos de cárcere, o que o tornam no militante antifascista que mais tempo esteve preso pela PIDE.

De regresso ao trabalho, após a evasão de Caxias, fica responsável por reativar a publicação do “Avante!”, mas acaba de novo preso. Julgado e condenado, foi deportado para o Tarrafal em junho de 1940, de onde regressa seis anos depois, ao abrigo de uma amnistia. Depois do IV Congresso do PCP, fica com a tarefa de, juntamente com Pires Jorge, dirigir a atividade do partido no Alentejo.

Em 1947, é mais uma vez preso. “De novo brutalmente torturado – a tortura do sono e a ‘estátua’ – e, após ter sido deixado em rigorosa incomunicabilidade, é levado para Peniche”, regista Helena Pato. Em 1950, volta a evadir-se ,mas não chega a sair de Peniche.

Apanhado pela GNR, é enviado para o Tarrafal. Quando em 1953, Salazar encerra o campo de concentração, coagido por uma campanha internacional, os presos são sucessivamente transferidos para Portugal continental. Vai restar Francisco Miguel que, durante seis meses, fica só com os carcereiros. A 26 de janeiro de 1954 volta à prisão de Peniche, onde permanecerá seis anos, fazendo parte do grupo de dez destacados dirigentes do PCP que se evade da prisão. Entre eles está Álvaro Cunhal.

Quando se dá o 25 de Abril, “Chico Sapateiro”, a alcunha por que era conhecido entre camaradas e amigos, tem 67 anos, e vai ser eleito deputado pelo círculo de Beja, permanecendo no Parlamento até 1985. Morreu aos 81 anos, a 21 de maio de 1988, no Seixal, num convívio com militantes e simpatizantes do PCP.

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